Análise

Quanto dinheiro deve Angola investir nos programas prioritários de Saúde no OGE 2026?

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O debate sobre o financiamento da saúde em Angola já não pode ser adiado. O país vive uma dupla realidade epidemiológica: por um lado, enfrenta doenças transmissíveis típicas de contextos de baixo rendimento como a malária, tuberculose, lepra e doenças tropicais negligenciadas; por outro, observa o crescimento acelerado das doenças crónicas e do cancro, características de sociedades em transição epidemiológica.

Os números apresentados nos Quadros n.º 1 e n.º 2 revelam com precisão essa pressão crescente. Em termos de financiamento em saúde, algumas questões se colocam e devem ser respondidas:

  1. Quanto custaria realmente proteger a saúde dos angolanos?

Os valores estimados para 2026 mostram que os nove programas prioritários de saúde exigiriam montantes muito superiores ao que hoje se investe. O Quadro n.º 1 revela que o custo nacional total necessário para esses programas ultrapassa vários biliões de kwanzas. Apenas três exemplos ilustram a magnitude:

  • Doenças Crónicas Não Transmissíveis (DCNT): ≈ 1,543 bilião AOA.
  • Malária: ≈ 871 mil milhões AOA.
  • Saúde Reprodutiva: ≈ 291 mil milhões AOA.

Estes valores foram calculados com base nas incidências ajustadas por 100 mil habitantes, nos custos diretos por doente e na ampliação económica recomendada pela OMS e Banco Mundial — metodologia detalhada no Quadro n.º 2. Esta análise demonstra que não se trata de projeções arbitrárias, mas de resultados sustentados em evidência epidemiológica.

Aplicando estas incidências à população angolana projetada de 37,24 milhões de habitantes, o investimento necessário corresponderia a aproximadamente 122 000 AOA por habitante/ano, equivalentes a ≈ 127 USD por pessoa. Para comparação, a OMS recomenda 86 USD apenas para um pacote mínimo de cuidados, e países com sistemas funcionais investem 500–3 000 USD per capita.

Angola investe atualmente 50–60 USD/ano em execução real — menos de metade do mínimo necessário e cerca de 20 vezes abaixo dos países com cobertura adequada.

A conclusão é evidente: o subfinanciamento da saúde não é uma opinião — é uma evidência matemática.

  1. Onde se concentram os maiores custos? (Quadros n.º 1 e 2)

 

Os Quadros mostram que três grupos absorvem a maior fatia das necessidades nacionais:

  1. a) Doenças Crónicas Não Transmissíveis (DCNT)

Representam cerca de 34% do custo total estimado. Com a urbanização acelerada e o envelhecimento populacional, a carga de hipertensão, AVC, diabetes, cardiopatias e cancro tem vindo a aumentar. Um dado particularmente inquietante, obtido nas tendências hospitalares recentes, indica que mais de 50% dos AVC em Angola afetam pessoas com menos de 35 anos, desafiando qualquer ideia de que sejam doenças “de idosos”.

  1. b) Malária

Com um custo estimado de ≈ 871 mil milhões AOA, a malária continua a ser a maior causa de internamento, absentismo laboral e perda de produtividade. No Quadro n.º 2, nota-se que o país enfrenta cerca de 8,3 milhões de casos estimados ao ano e 11 mil mortos, um peso epidemiológico elevado.

  1. c) Cirurgia Robótica

A previsão de ≈ 766 mil milhões AOA (≈ 796 milhões USD, Quadro n.º 1) expõe um dilema nacional: deve-se investir em tecnologia de ponta antes de garantir medicamentos básicos, laboratórios funcionais e recursos humanos suficientes? Este é um debate legítimo, técnico e ético, que requer clareza nas prioridades.

  1. O Orçamento Geral do Estado cobre estas necessidades? (Quadro n.º 3)

A resposta é não e os números do Quadro n.º 3 deixam isso claro.

O OGE 2026 aloca, por exemplo:

  • Malária: 16,209 mil milhões AOA, quando o necessário é 871 mil milhões AOA. Déficit: –98,1%.
  • DCNT: 1,4 mil milhões AOA, quando seriam necessários 1,543 bilião AOA. Déficit: –99,9%.
  • Saúde Reprodutiva: 1,549 mil milhões AOA, mas necessita 291 mil milhões AOA. Déficit: –99,4%.

No total, o OGE cobre menos de 10% das necessidades reais para estes nove programas.

Para financiar estes programas de forma minimamente adequada em 2026, o orçamento da função saúde deveria subir para pelo menos 6 biliões AOA, ou seja, triplicar o valor atual.

  1. Não basta gastar mais — é preciso gastar melhor. A evidência internacional (OMS/Banco Mundial) demonstra que 1 dólar investido em prevenção gera até 7 dólares em retorno económico; Cada caso evitado de malária ou tuberculose reduz custos hospitalares e perdas de produtividade; Programas de saúde reprodutiva reduzem mortalidade materna, infantil e custos catastróficos das famílias e por último, intervenções nas DCNT diminuem AVC, amputações, insuficiência renal e internamentos prolongados.

Os programas de maior retorno económico como a malária, DCNT, tuberculose e saúde reprodutiva são precisamente aqueles com maiores défices no Quadro n.º 3.

Em 2026 estaremos numa encruzilhada, pois, teremos de decidir entre investir ou pagar o preço do atraso. Angola enfrenta um ponto de viragem histórico. O preço de não investir manifesta-se em aumento da mortalidade, aumento do absentismo laboral, perda de produtividade nacional, maior carga hospitalar, empobrecimento das famílias e menor qualidade de vida.

Perguntar “quanto custa investir” é a pergunta errada. A pergunta correta é “Quanto vai custar não investir?”

O país tem agora a oportunidade de transformar evidência em ação política.

Os Quadros n.º 1, 2 e 3 transformaram perceções em números. Os números transformam dúvidas em certezas. Resta à liderança nacional transformar certezas em decisões.

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