Análise

Quando o Estado não paga, as empresas fecham: o grito das associações empresariais em Angola

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A sustentabilidade do ecossistema empresarial angolano enfrenta, na actualidade, desafios estruturais profundos, resultantes de um contexto macroeconómico instável, da elevada dependência do Estado enquanto principal agente económico, de fragilidades institucionais persistentes e de uma cultura de negócios ainda em processo de maturação.

Neste cenário complexo, o papel das Associações Empresariais e das Câmaras de Comércio e Indústria transcende a mera representação sectorial, afirmando se como verdadeiros arquitectos institucionais da estabilidade, da previsibilidade e da resiliência económica.

Como sublinha Douglass North, “as instituições são as regras formais e informais que estruturam as interacções humanas e reduzem a incerteza” (North, 1990). Em economias em transição, como a angolana, onde a volatilidade e a assimetria de poder ainda marcam as relações entre o setor público e o setor privado, as associações empresariais desempenham uma função crucial de mediação, organização e protecção colectiva.

1. Associativismo empresarial como resposta às fragilidades do mercado

O mercado angolano caracteriza se por uma forte concentração da procura no Estado, por limitações de acesso ao financiamento e por um ambiente regulatório frequentemente instável. Neste contexto, a acção isolada do empresário revela se insuficiente para enfrentar riscos sistémicos. Mancur Olson demonstra que “sem organização colectiva, os interesses comuns tendem a ser sacrificados em benefício de interesses dispersos ou dominantes” (Olson, 1965).

É precisamente neste vazio que emergem as associações empresariais como estruturas de racionalização do conflito económico, capazes de transformar problemas individuais em agendas públicas, sustentadas por dados, evidências e impactos macroeconómicos. O associativismo empresarial não elimina as dificuldades estruturais, mas permite gerir riscos, partilhar informação e construir respostas colectivas.

2. O caso ECODIMA: quando a representação se transforma em responsabilidade económica

O posicionamento da ECODIMA – Associação de Empresas de Comércio e Distribuição Moderna de Angola, ao alertar o Ministro de Estado para a Coordenação Económica sobre os atrasos nos reembolsos do IVA e nas dívidas do Estado, constitui um exemplo paradigmático de associativismo responsável e institucionalmente maduro.

A ECODIMA não se limita a denunciar dificuldades financeiras. Ao evidenciar o impacto dos atrasos na liquidez das empresas, no encerramento de unidades económicas e no aumento do desemprego, assume um papel de alerta sistémico, demonstrando que a sustentabilidade empresarial é indissociável da sustentabilidade fiscal e da credibilidade do Estado.

Joseph Stiglitz é claro ao afirmar que “a confiança é o activo invisível mais importante de uma economia” (Stiglitz, 2002). Quando o Estado falha no cumprimento das suas obrigações contratuais e fiscais, compromete a confiança, eleva o risco percebido e desincentiva o investimento produtivo.

3. Reembolsos de IVA e dívidas do Estado: um problema estrutural, não conjuntural

Os atrasos no reembolso do IVA, reconhecidos publicamente como resultantes da falta de liquidez do Estado, revelam um problema estrutural da gestão das finanças públicas. O IVA, enquanto imposto neutro por natureza, não deve constituir um custo financeiro para as empresas. Quando tal acontece, converte se num factor de asfixia financeira, sobretudo para as pequenas e médias empresas, que dependem do capital de giro para manter operações regulares.

Hernando de Soto observa que “quando o sistema formal falha, os agentes económicos criam mecanismos informais de sobrevivência” (De Soto, 2000). Em Angola, a persistência destes atrasos pode incentivar a informalidade, a evasão fiscal e a retração da base tributária, criando um ciclo vicioso prejudicial ao próprio Estado.

Neste quadro, as Câmaras de Comércio e Indústria desempenham um papel essencial ao canalizar tensões, institucionalizar o diálogo e propor soluções técnicas que evitem rupturas no tecido empresarial.

4. Diversificação económica: da retórica à operacionalização

A recomendação governamental no sentido de reduzir a dependência do Estado e promover a diversificação dos mercados é, do ponto de vista económico, legítima e necessária. No entanto, como alerta Ha Joon Chang, “as economias não se desenvolvem apenas com boas intenções, mas com políticas coerentes, instituições fortes e aprendizagem colectiva” (Chang, 2002).

A diversificação exige:

Capacitação técnica e gestão estratégica

Acesso a financiamento adequado

Integração regional e internacional

Informação de mercado fiável

Apoio institucional contínuo

As associações empresariais são, neste processo, plataformas naturais de aprendizagem colectiva, capazes de apoiar os empresários na internacionalização, na inovação e na adaptação a novos modelos de negócio. Sem estas estruturas, a diversificação permanece um ideal distante da realidade quotidiana das empresas nacionais.

5. Associações empresariais como parceiras estratégicas do Estado

Contrariamente a uma visão ainda dominante, as associações empresariais não devem ser encaradas como forças de pressão inconvenientes, mas como parceiras estratégicas do Estado na formulação e implementação de políticas económicas. Peter Drucker defende que “as organizações eficazes existem para servir um propósito social claro” (Drucker, 1999).

Nos países com economias mais resilientes, o diálogo permanente entre governo e associações empresariais contribui para políticas públicas mais realistas, previsíveis e ajustadas à realidade do mercado. Em Angola, o reforço deste diálogo permitiria:

Melhor desenho de políticas fiscais

Redução de conflitos institucionais

Maior previsibilidade regulatória

Aumento da confiança dos investidores

Ignorar as associações empresariais é desperdiçar conhecimento acumulado e agravar assimetrias que comprometem a sustentabilidade do desenvolvimento.

6. Sustentabilidade empresarial como dimensão da cidadania económica

A sustentabilidade do ecossistema empresarial deve ser entendida como uma dimensão da cidadania económica. Amartya Sen lembra que “o desenvolvimento consiste na expansão das liberdades substantivas das pessoas” (Sen, 1999). Para o empresário angolano, essa liberdade traduz se na existência de instituições que garantam previsibilidade, protecção colectiva e acesso equitativo às oportunidades económicas.

Associações empresariais activas contribuem para:

Redução das assimetrias de poder

Promoção da ética empresarial

Formalização da economia

Inclusão das pequenas e médias empresas

7. Conclusão: fortalecer associações para fortalecer Angola

Num país que procura consolidar o setor privado, diversificar a economia e construir um modelo de desenvolvimento mais inclusivo e sustentável, as Associações Empresariais e as Câmaras de Comércio e Indústria constituem pilares institucionais incontornáveis.

O caso da ECODIMA demonstra que a organização colectiva responsável não fragiliza o Estado, antes o fortalece, ao promover diálogo, transparência e soluções partilhadas. O futuro do ecossistema empresarial angolano dependerá menos da acção isolada e mais da capacidade de organização, articulação e maturidade institucional dos seus actores.

Investir em associações empresariais fortes é, em última instância, investir na estabilidade económica, na criação de emprego e na sustentabilidade do desenvolvimento de Angola.

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