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Opinião

Posto, logo mando? A ilusão do poder nas redes sociais

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As redes sociais revolucionaram a comunicação política, tornando-se um espaço essencial para a interacção entre políticos e cidadãos. No entanto, a lógica do imediatismo digital impôs uma nova dinâmica ao cenário político, na qual a busca por visibilidade pode sobrepor-se à construção de uma comunicação estratégica e eficaz. A expressão “Posto, logo mando?” reflecte essa realidade: políticos que, movidos pela necessidade constante de exposição, publicam conteúdos sem planeamento, sem conexão com os anseios da sociedade e sem um propósito estratégico claro.

Este artigo propõe uma análise crítica dos desafios e cuidados que os políticos devem observar ao utilizar as redes sociais. Com base em referenciais teóricos da comunicação política, do marketing digital e da sociologia, discutimos como o uso desordenado dessas plataformas pode comprometer a credibilidade dos líderes políticos, reduzir o debate público a um espectáculo vazio e distanciar os representantes das reais demandas dos cidadãos.

1. Redes Sociais e Política: Oportunidade ou Armadilha?

As redes sociais democratizaram a comunicação política, permitindo maior transparência e participação cidadã. Para Manuel Castells (2009), a era da informação fortaleceu o papel das redes digitais como instrumentos de poder, nos quais os políticos podem construir narrativas e influenciar opiniões públicas de forma directa, sem depender exclusivamente dos meios de comunicação tradicionais. Essa autonomia deu aos políticos a capacidade de dialogar com os eleitores de maneira mais próxima e personalizada.

Entretanto, essa nova realidade trouxe desafios significativos. Segundo Gianpietro Mazzoleni (2008), a política moderna passou a ser permeada pelo conceito de “infoentretenimento”, no qual a comunicação política precisa competir com conteúdos de entretenimento pela atenção dos utilizadores. Como consequência, muitos políticos adoptam estratégias de comunicação que priorizam gostos, partilhas e viralização, em detrimento da profundidade e da coerência do discurso político.

A busca pelo engajamento instantâneo pode transformar a política num produto superficial, esvaziando o discurso público e reduzindo a governação a um jogo de imagens e frases de efeito. Como alerta Pierre Bourdieu (1997), em Sobre a Televisão, a necessidade de visibilidade mediática pode levar à banalização dos conteúdos políticos para distanciar a política da sua função essencial de resolver problemas colectivos e promover o bem-estar social.

2. O Fenómeno “Posto, Logo Mando?” e os Seus Riscos

A lógica da hiperexposição nas redes sociais impôs aos políticos a necessidade de estarem sempre presentes no ambiente digital. O fenómeno “Posto, logo mando?” reflecte a hipervisibilidade como um fim em si mesmo, onde o valor de um político parece ser medido pelo volume de publicações, e não pela qualidade das suas propostas e acções. Essa dinâmica traz uma série de riscos, entre os quais se destacam:

Falta de coerência discursiva: A produção constante de conteúdo sem planeamento pode levar a contradições e inconsistências no discurso, fragilizando a credibilidade do político. Para Dominique Wolton (2004), a coerência é um dos pilares da comunicação política eficaz, pois garante previsibilidade e confiabilidade ao eleitorado.

Superficialidade e esvaziamento do discurso: A tendência de reduzir ideias complexas a frases curtas e de impacto pode enfraquecer o debate público e transformar a política numa disputa de slogans. Segundo Noelle-Neumann (1993), no conceito de “Espiral do Silêncio”, a simplificação excessiva do discurso político pode levar à exclusão de vozes discordantes e ao empobrecimento da pluralidade democrática.

Desconexão com as demandas sociais: A priorização da autopromoção pode afastar os políticos das preocupações reais dos cidadãos. Como explica Habermas (1984), em Teoria do Agir Comunicativo, a política deve ser baseada num diálogo autêntico e racional entre os governantes e a sociedade, e não numa mera performance mediática.

Exposição desnecessária e crises de imagem: Publicações impulsivas podem gerar polémicas desnecessárias e comprometer a reputação do político. Como aponta Bauman (2013), em Vigilância Líquida, a sociedade digital é caracterizada por um ambiente de constante exposição e julgamento público, onde qualquer deslize pode ser amplificado e ter repercussões negativas duradouras.

Desgaste da confiança pública: A banalização do discurso político nas redes sociais pode levar ao descrédito das instituições democráticas. Segundo Lipmann (1922), em Public Opinion, quando a política se reduz a um espectáculo, a população tende a tornar-se mais céptica e desinteressada pela participação democrática.

3. Estratégias para um Uso Inteligente das Redes Sociais

Para evitar esses riscos, os políticos devem adoptar uma abordagem estratégica e profissionalizada no uso das redes sociais. Algumas diretrizes fundamentais incluem:

■ Construção de uma Comunicação Coerente e Estratégica: A comunicação política deve ser planeada, garantindo coerência entre os conteúdos publicados e a identidade do líder. Kotler et al. (2017), em Marketing 4.0, destacam que a comunicação digital deve criar valor para o eleitor, e não apenas gerar engajamento superficial.

■ Interacção Autêntica com os Cidadãos: As redes sociais devem ser usadas como um canal de escuta activa e diálogo com a população. De acordo com Dahlgren (2009), a participação cidadã na esfera digital só é efectiva quando há uma interacção genuína entre políticos e eleitores, e não apenas publicações unilaterais.

■ Produção de Conteúdo Educativo e Propositivo: Além de divulgar acções e posicionamentos, os políticos devem utilizar as redes para esclarecer políticas públicas e fomentar debates qualificados. Para Sartori (1997), a democracia depende de cidadãos bem informados, e as redes sociais podem ser um espaço poderoso para essa formação.

■ Cuidado com a Reactividade e o Impulsivismo: A velocidade das redes sociais pode levar a respostas impulsivas. Como afirma McLuhan (1964), em Understanding Media: The Extensions of Man, a comunicação digital exige uma postura estratégica, pois “o meio é a mensagem”, ou seja, a forma como a informação é transmitida pode ser tão impactante quanto o próprio conteúdo. Dessa forma, os políticos devem evitar reacções imediatas a polémicas e avaliar cuidadosamente o impacto de cada publicação.

Finalmente, a ascensão das redes sociais como ferramenta de comunicação política trouxe tanto oportunidades quanto desafios. Se, por um lado, essas plataformas possibilitam um contacto mais directo entre políticos e cidadãos, por outro, o uso indiscriminado e sem planeamento estratégico pode levar à superficialidade, ao descrédito e ao esvaziamento do debate público.

O fenómeno “Posto, logo mando?” reflecte a necessidade de adaptação dos políticos ao ambiente digital, mas essa adaptação não pode ocorrer de forma irreflectida. Como mostram autores como Castells, Bourdieu e Habermas, a política deve ser um espaço de diálogo e transformação social, e não apenas um espectáculo de autopromoção.

Diante disso, os políticos precisam entender que o sucesso nas redes sociais não se mede apenas por gostos e partilhas, mas pela construção de um discurso sólido, coerente e conectado às reais necessidades da sociedade. Para tanto, é essencial uma comunicação profissionalizada, ética e estratégica, que valorize a interacção genuína e a transparência como princípios fundamentais.

No fim das contas, mais do que simplesmente “postar para existir”, os políticos devem comunicar-se para transformar.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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