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Portugueses dizem-se “Tulumbados”

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Um grupo de 43 portugueses reclama pagamento de mais de meio milhão de euros em salários em atraso há quatro anos.

Rotulam-se “Tulumbados” e usam um lema não muito diferente imortalizado no livro “Os Três Mosqueteiros” de Alexandre Dumas: “Um por todos e todos por um”. Para os 43 altos quadros da construção civil que estiveram a trabalhar em Angola nos últimos quatro anos só será feita Justiça quando todos eles deixarem de ter salários em atraso. “A empresa tem de pagar o que deve a todos os trabalhadores. Até haver um caso por resolver, não descansaremos. É como se ninguém tivesse recebido”, revela um dos líderes deste grupo, que pediu o anonimato.

Os portugueses têm as contas feitas ao milímetro numa folha de Excel em que não faltam gráficos que ilustram o deve e o haver na folha de pagamentos. Do total da alegada dívida de 1,2 milhões de euros, foram pagos aos trabalhadores, até ao momento, 574,6 mil euros. Faltam 635,9 mil euros em salários, de acordo com os queixosos. Ou seja, mais de metade do montante. “Há pessoas do grupo que vivem casos dramáticos. Mas existe também um grande espírito de entreajuda. Alguns emprestam dinheiro a quem mais precisa”, conta o mesmo alto quadro.

Contactada na última semana, a Imosul, empresa liderada pelo empresário Silvestre Tulumba, que está sediada no sul de Angola e tem ligações a Portugal, garante que o processo “já se encontra resolvido e regularizado pela equipa que acompanhou esse assunto”. E aconselha o Expresso a contactar os “ex-colaboradores” para uma maior clarificação sobre assunto.

DA ACT PARA O DIAP DE LISBOA
O caso ganhou fôlego quando um “Tulumbado” — trocadilho usado pelos ex-trabalhadores que é a junção do adjetivo “lesado” e o apelido Tulumba — enviou em abril uma denúncia coletiva para a Autoridade para as Condições no Trabalho (ACT) a relatar alegadas irregularidades laborais de que nos últimos anos têm sido alvo trabalhadores da Imosul em Angola.

O documento, a que o Expresso teve acesso, descreve casos de pessoas com o passaporte retido enquanto eram “obrigadas a trabalhar durante vários meses” no Lubango, Andulo e Luanda. Muitas só teriam recebido o primeiro salário. Depois ficaram sem nada. “Alguns estiveram presos, incontactáveis e acusados por eles de roubar.” Outros “tiveram de pedir às famílias ou amigos para lhes comprarem bilhetes para fugirem de Angola”. O queixoso garante na denúncia que foram lesados “mais de meia centena de colegas num montante superior a 1,2 milhões de euros”. E conclui: “Fomos ludibriados e burlados em território português por indivíduos que não tinham intenção de honrar os compromissos, aproveitando-se da fragilidade de cada um de nós”, pode ler-se no documento.

A ACT remeteu a queixa para o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, visto que os episódios relatados poderiam “constituir crime”. Também a Unidade Nacional de Contra-Terrorismo (UNCT) da PJ abriu um inquérito.

Nesse mês de abril, a RTP realizou uma reportagem sobre o caso, o que de acordo com fontes ligadas ao processo terá levado a que a empresa acelerasse o pagamento dos salários em atraso a alguns ex-colaboradores. O Expresso sabe que além deste grupo de 43 pessoas havia até há pouco tempo mais situações laborais por resolver.

AUTORIDADES RECOMENDAM “EVENTUAL AÇÃO LABORAL” E NÃO CRIMINAL
De acordo com a Polícia Judiciária, a Imosul “não cumpriu” com o pagamento dos ordenados, ou parte deles, que “deviam ter sido pagos em Portugal”. Este incumprimento “não pode deixar de ser avaliado à luz da nova conjuntura vivida em Angola, relacionada com a imposição às empresas de passarem a pagar os vencimentos em kwanzas e com a proibição de exportação de divisas”, acrescenta a PJ. Os inspetores lembram que a recessão económica que vive o país africano “apanhou desprevenidas muitas empresas angolanas e tem prejudicado trabalhadores portugueses”, sendo que muitos deles vivem “autênticos dramas materiais e psicológicos difíceis de ultrapassar”.

O mesmo documento conclui que “não foi possível proceder à recolha de elementos que de alguma forma indiciassem a prática dos crimes denunciados” e que se trata de “uma realidade que configura incumprimentos de natureza obrigacional”.

E acrescenta que “não se apurou a existência de retenção de passaportes dos trabalhadores para exercer controlo sobre os mesmos” ou qualquer ação “no sentido de deter, encarcerar ou impedir deslocações dos trabalhadores em Angola”.

O processo entrou a 5 de junho no DIAP de Lisboa por indícios de burla qualificada. No final desse mês, o Ministério Público seguiu a mesma linha de raciocínio da PJ concluindo que “a única questão de relevo em causa nos autos é a falta de pagamento de salários por parte da empresa Imosul aos trabalhadores portugueses” e aconselhando os visados a discutir o caso “em eventual ação laboral” e não criminal. E determinou o arquivamento do inquérito.
Inconformados, os trabalhadores revelam agora que vão pedir apoio judiciário e garantem que o lema se mantém de pé até ao fim: um por todos e todos por um.

C/ Expresso

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