Opinião
Poder local e governação territorial: soluções para os conflitos de África
Os conflitos em África decorrem de dois factores estruturantes: a centralização Política-Administrativa e os governos monoétnicos. Estes elementos são resultado de um legado histórico colonial que moldou os Estados africanos modernos dentro de fronteiras artificiais, ignorando as dinâmicas culturais e étnicas locais.
Este modelo de centralização administrativa e política, adoptado pela maioria dos países africanos no período pós-independência, concentra o poder e os recursos no governo central, frequentemente dominado por uma elite de um único grupo étnico ou político. Este sistema gera desigualdades regionais e marginaliza comunidades que não fazem parte do grupo hegemónico, criando assim um ambiente de competição desigual.
Essa centralização é incompatível com os princípios da boa administração pública, que defende uma governação descentralizada e participativa, especialmente em contextos onde há uma grande diversidade cultural e social. Além disso, a fragilidade das instituições locais e a falta de autonomia administrativa contribuem para a alienação das populações, fomentando ressentimentos e tensões que frequentemente culminam em conflitos armados. Este cenário evidencia a necessidade de uma administração pública territorializada, capaz de valorizar as especificidades locais e promover a inclusão social e económica das comunidades marginalizadas.
De acordo com Carlos Feijó (2012), a descentralização administrativa é essencial para a modernização e democratização da administração pública em África. Feijó argumenta que a descentralização não deve ser apenas um processo de transferência de competências, mas sim um mecanismo estratégico para aproximar o poder político das comunidades locais, promovendo maior participação dos cidadãos na tomada de decisões. No caso de países como a República Democrática do Congo, a centralização do poder nas capitais e nas elites dominantes aliena as populações locais, criando desigualdades e fomenta conflitos armados.
Além disso, Carlos Teixeira (2015) defende que a descentralização, ao fortalecer o poder local, promove a gestão territorial orientada para o desenvolvimento sustentável. Ele salienta que a administração pública deve ser reformada para valorizar as peculiaridades culturais, sociais, políticas e económicas de cada território, pois a centralização excessiva ignora a diversidade africana e perpetua os modelos administrativos coloniais “patrimonialistas”. Teixeira enfatiza que a territorialização das políticas públicas é crucial para integrar as comunidades locais no processo de desenvolvimento para reduzir às tensões e promover estabilidade social.
Na visão de Rondinelli (1981), uma administração pública eficaz em contextos territoriais e locais deve privilegiar a descentralização como a transferência de autoridade e recursos para níveis mais baixos de governo, incluindo comunidades locais. A centralização administrativa frequentemente ignora as diversidades culturais e sociais de cada território, resultando na alienação das comunidades locais. Assim, a descentralização, ao valorizar o poder local, permite a gestão participativa e garante que os recursos sejam aplicados de acordo com as necessidades específicas de cada região.
No caso da República Democrática do Congo, os conflitos decorrem de um governo central que monopoliza recursos provenientes de determinadas regiões, sem considerar os interesses dos grupos locais. Segundo Ostrom (1990), a gestão comunitária e participativa dos bens comuns pode evitar conflitos, uma vez que os grupos locais desenvolvem mecanismos de governação adaptados às suas necessidades específicas. Carlos Feijó complementa esse pensamento ao argumentar que a governação local deve estar acompanhada de mecanismos de autonomia financeira e organizacional para permitir que as comunidades locais decidam sobre os seus recursos e políticas de forma independente.
Rothbard também alerta para as consequências da centralização coercitiva imposta pelos Estados modernos em África. Ele descreve como as estruturas coloniais transferiram para a elite africana modelos administrativos que desconsideram a organização tribal e as dinâmicas locais. Essa realidade reforça a ideia de que as fronteiras herdadas do colonialismo muitas vezes não reflectem as divisões naturais e sociais do continente africano. Dessa forma, a criação de Estados monoétnicos e centralizados tende a perpetuar conflitos, em vez de solucioná-los.
Carlos Teixeira destaca ainda que o fortalecimento do poder local é crucial para a construção de uma administração pública orientada ao bem-estar das comunidades. Ele sustenta que as políticas públicas devem ser planeadas e executadas em estreita articulação com os órgãos locais, pois estes conhecem melhor as realidades e as necessidades da população. Essa abordagem também se alinha à defesa de Oliveira e Pinho (2008) de que a administração local é um pilar indispensável para a promoção do desenvolvimento territorial e a pacificação social.
Em síntese, a resolução dos conflitos em África passa inevitavelmente pela valorização do poder local e pela descentralização administrativa para permitir uma governação mais próxima das comunidades e respeitar as dinâmicas culturais, sociais, políticas e económicas de cada território. A centralização política e os governos monoétnicos têm demonstrado ser ineficazes na gestão das diversidades africanas, perpetuando desigualdades e tensões. Como defendem Carlos Feijó e Carlos Teixeira, o fortalecimento do poder local, aliado a políticas públicas territorializadas e participativas, constitui um caminho estratégico para promover o desenvolvimento sustentável, a inclusão social e a estabilidade política no continente. Reconhecer e legitimar os poderes locais é, portanto, um imperativo para transformar as estruturas de governação e garantir a paz e o progresso em África.