Análise
Plano Director Municipal: pilar esquecido do desenvolvimento local em Angola
A cidade de Benguela acolhe, com honra e relevância, um dos momentos mais simbólicos do calendário institucional angolano: a Semana do Desenvolvimento Local, sob o lema “Angola 50 anos: Preservar e valorizar as conquistas alcançadas, construindo um futuro melhor.” Esta iniciativa, no quadro das comemorações do cinquentenário da Independência Nacional, promovida pelo Governo de Angola através do MAT, FAS e NJLA, reúne acções e debates que posicionam o desenvolvimento local e territorial como prioridade nacional.
A programação inclui:
• As I Jornadas Técnicas e Científicas sobre o Desenvolvimento Local, 5 e 6 de Agosto;
• A V Feira dos Municípios e Cidades de Angola, FMCA 2025, de 7 a 10 de Agosto;
• A 2.ª Edição do Prémio Melhor Município de Angola, a 9 de Agosto.
Estes eventos não devem ser apenas espaços de exibição ou celebração. Devem servir para forjar consensos institucionais e soluções concretas. Propõe-se que a Semana do Desenvolvimento Local culmine com um Projecto de Resolução Nacional que oriente, com rigor técnico e compromisso político, a reforma dos Planos Directores Municipais e o reforço do ordenamento do território.
1. Urbanização desordenada e falência do planeamento
Desde o fim da guerra civil, Angola assistiu a um crescimento urbano sem precedentes. No entanto, este processo deu-se, em larga medida, fora de qualquer estrutura de planeamento coerente. As cidades cresceram informalmente, agravando desigualdades socioespaciais.
Como explica o geógrafo David Harvey (2012), “o urbanismo neoliberal tende a favorecer a expansão caótica, promovendo o mercado em detrimento do planeamento público e do direito à cidade.” Em Angola, esta realidade manifesta-se no abandono ou desactualização dos Planos Directores, muitas vezes elaborados por imposição legal, mas sem capacidade técnica ou orçamental para a sua execução.
Sem dados, sem inteligência territorial e sem coordenação entre os níveis de governação, os municípios têm sido deixados à deriva. Como lembra Manuel Castells (1996), “sem planeamento estratégico, a cidade torna-se refém da especulação e da exclusão.”
2. Um instituto nacional para o ordenamento com futuro
Face a esta realidade, propõe-se a criação do Instituto Nacional de Planeamento Territorial de Angola, INPTA, uma entidade pública nacional, dotada de autonomia técnica, com representação nas províncias e apoio directo aos municípios.
Inspirado em experiências como o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, IPPUC, no Brasil, ou o Urban Redevelopment Authority, URA, de Singapura, o INPTA serviria como centro de excelência para o planeamento urbano, ordenamento do território e políticas de desenvolvimento sustentável.
Como defende Jane Jacobs (1961), “cidades bem-sucedidas são construídas com conhecimento profundo do seu funcionamento interno, não com fórmulas abstractas, mas com atenção contínua às necessidades reais.”
3. Missões essenciais do INPTA
O Instituto Nacional de Planeamento Territorial de Angola teria como funções:
• Elaborar directrizes e normativos nacionais de ordenamento territorial;
• Apoiar tecnicamente os municípios na elaboração, revisão e execução dos seus Planos Directores;
• Coordenar um Sistema Nacional de Informação Territorial;
• Promover pesquisa aplicada, inovação e formação contínua em planeamento urbano e desenvolvimento local;
• Integrar as dimensões habitacional, ambiental, de mobilidade, conectividade digital e desenvolvimento económico;
• Garantir continuidade técnica e institucional, mesmo perante mudanças de ciclos políticos.
Como alerta François Ascher (2001), “as cidades do século XXI exigem políticas públicas híbridas, integradas e baseadas em conhecimento, sob pena de agravarem a fragmentação urbana.” O INPTA seria um órgão articulador, que promove a inteligência colectiva territorial e fortalece a capacidade de decisão local.
4. Planeamento participativo como fundamento democrático
O planeamento urbano não deve ser um acto técnico isolado. Como explica John Forester (1999), “planear é também mediar conflitos, traduzir valores sociais em decisões espaciais e dar voz aos actores excluídos.” Assim, propõe-se que a criação do INPTA envolva universidades, ordens profissionais, organizações da sociedade civil e cidadãos, num processo de escuta activa e validação pública.
A liberdade de habitar com dignidade está no centro deste debate. Amartya Sen (1999) afirma que “o desenvolvimento autêntico é a expansão das liberdades substantivas das pessoas.” E não há liberdade plena em cidades sem serviços básicos, transporte, habitação, emprego e espaço público.
5. Conclusão: Um compromisso com o futuro territorial de Angola
A realização da V Feira dos Municípios e Cidades de Angola, inserida nesta Semana do Desenvolvimento Local, deve ser o ponto de viragem institucional da governação urbana em Angola. Que dela emerja um compromisso político firme, em forma de resolução nacional, para reformar os Planos Directores Municipais e criar o INPTA como órgão estruturante para o ordenamento do território.
Que Benguela, neste Agosto de 2025, se transforme no símbolo de um novo ciclo de planeamento urbano e territorial. Um ciclo onde se planeia com dados, com ciência, com participação e, sobretudo, com coragem.
Angola precisa de planeamento com visão. Angola precisa de instituições que pensem o território com justiça e equidade. O futuro começa por onde decidimos pôr o primeiro tijolo. Que seja sobre fundações sólidas.