Opinião
Pensar País II: Agricultura – Milho e a Mandioca
Em mais uma conversa do “Pensar País”, o Báfua Báfua e eu decidimos falar da agricultura mesmo sem sermos agrónomos. Usando apenas o sangue de bisnetos e netos de camponeses e não de “Marimbombos”, discorremos na nossa ignorância e pensamos: Se a agricultura fosse?
A soberania de um Estado não reside apenas nas instituições públicas tais como os órgãos de soberania, Presidência da República, Assembleia Nacional e Tribunais. A autossuficiência alimentar para além de ser um factor de poder é também de segurança nacional. Garantir no mínimo mais de 60% dos bens primários produzidos em solo pátrio é garantir sustentabilidade. A título de exemplo, os milhares de milhões de USD que a indústria petrolífera gasta por ano com a importação de alimentos, mesmo estando próxima das zonas com potencial para serem grandes polos agrícolas (Uíje, Zaire e Malanje) tal como no passado foram, teríamos parte destes milhões a circular no país. Mesmo que fossem menos de 5% das necessidades desta indústria tivessem que ser adquiridas localmente, seria um passo significativo para os produtores da região, iria fortalecer a agricultura familiar funcional e, portanto, seria uma forma de distribuir riqueza e combater a pobreza. O 6º exército em África e o 58º no Mundo, 4. 1 Biliões de USD de orçamento por ano, (https://www.ecofinagency.com/public-management/0204-39872-global-fire-power-unveils-the-2019-african-power-index) as Forças Armadas Angolanas – FAA importam maior parte da sua base logística. Entendemos que não é bom e, periga a sua nobre missão, bem como a sua participação no desenvolvimento do país. Para a indústria militar, a Agroindústria é um factor decisivo e de poder. Isto é também soberania.
O Presidente João Lourenço tem uma forte relação com a agricultura. Enquanto candidato e mesmo depois de eleito o seu primeiro acto político foi a abertura do ano agrícola no Catchiungo Huambo. O mesmo criou espectativas positivas na sociedade angolana, mas quando verificamos a quota do OGE para agricultura, a intenção contrastou com acção. Não se faz agricultura sem dinheiro (incentivos e subsídios). Sendo que mais de 75% da produção alimentar mundial vem da agricultura familiar, associada a inovação é considerada a fórmula para erradicar a fome e a pobreza (http://www.fao.org/portugal/acerca-de/en/), esperávamos que o OGE fosse mais simpático com este sector. O “amante do campo” como foi descrito com bastante entusiasmo por muitos especialistas e populares entrevistados na altura da abertura do ano agrícola descrito pelo novo jornal (http://novojornal.co.ao/politica/interior/joao-lourenco-e-a-agricultura-pais-esta-no-caminho-certo-dizem-especialistas-42981.html), volvidos 23 meses desde que foi eleito, defraudou as espectativas. Se voltarmos a perguntar aos populares e especialistas entrevistados na altura, de certeza, que terão uma opinião diferente na medida em que tal como o seu antecessor (JES), tudo não passou de meras intenções. É preciso quebrar o lobby da importação.
Nos anos dourados da agricultura angolana mais de metade da população era rural, hoje por causa dos factores demográficos, o êxodo criado pelo conflito interno e as assimetrias regionais fruto da má governação, já não temos tanta gente nos campos. A população angolana hoje é 60% urbana e com tendência de aumentar, na medida em que o crescimento urbano é de 200 mil habitantes ano. A qualidade do produto, ou melhor, a certificação da qualidade dos produtos agrícolas, é um outro grande problema. Os grandes mercados exigem uma qualidade específica dos produtos. Qualidade e fiabilidade tanto da importação como da produção interna são questões de segurança. Qualidade laboratorial internacionalmente garantida é um passo necessário a se dar. A recente aprovação do estatuto orgânico do Serviço Nacional de Controlo da Qualidade dos Alimentos – SNCQA, enquadrado no sector económico ou produtivo. Na alínea a) do referido estatuto diz que deve coordenar, executar e fiscalizar todas as actividades relacionadas com o controlo laboratorial da salubridade e inocuidade dos alimentos de origem animal e vegetal importado e de produção nacional. (decreto presidencial n,º 138/19 de 13 de maio. Diário da república i série – n.º 63). Este é dos mais importantes instrumentos que vai ajudar Angola a colocar com a qualidade exigida os seus produtos agrícolas em qualquer parte do mundo. Porém, há um senão. O endémico estado de corrupção que vivemos e a “poesia do seu combate”, minam o processo e desacreditam as nossas acções nos espaços onde pretendemos comungar no que a agricultura diz respeito. O mercado africano é o melhor lugar para melhorar a exportação numa clara estratégia que não é nova aliás, angola já foi uma potência agrícola na década de 70.
Ao pesquisar sobre o consumo e a produção da Mandioca e o Milho, constatamos que estes produtos são muito consumidos na África do Sul, Namíbia e Moçambique, que nesses países chamam de pops que quer dizer papa, é servido como papa de manhã e funje de tarde e a noite. Mesmo na África Central, no Congo, na Nigéria entre outros países são consumidos e esses produtos vêm de países fora do nosso continente. Devíamos pensar em como sair desse processo de dependência. Sabe-se que a África do Sul é dos maiores produtores de milho do mundo e a Nigéria é dos maiores produtores de mandioca, substituindo o Brasil e diz-se que a mandioca nasceu lá no Brasil e o milho no norte do México. A zona de comércio livre africano baixa as tarifas mas precisa de diretrizes, primeiramente, os africanos precisam comer a mandioca e o milho produzidos no continente, a importação desses bens só deve servir para aumentar a variedade ou se tiver um preço mais barato, mas o do continente tem que ser prioridade. Por outro lado, a norte de Angola há mais consumo de mandioca e ao sul há mais consumo de milho, nós também podemos e temos terras aráveis para produzir. Os angolanos já fazem a mistura das duas farinhas ou fuba como é chamado (fuba de milho e de bombó). A mistura da fuba de milho com a de mandioca ou de bombó resulta o funje misto, um grande sinal de reconciliação nacional se quisermos, deixando de lado afirmações redutoras segundo as quais o funje de milho é dos Bailundus (os do centro de Angola) e a de mandioca dos Bakongos e Mbundos (os do norte).
Existem países que não têm condições objectivas e comparativas para produzir, como é o caso da República Democrática do Congo – RDC, Kinshasa tem muito consumo mas não tem produção, situação diferente de Angola, onde as províncias de Malanje, Kwanza Norte e Uíje têm condições climatéricas e humanas (atraindo mão de obra dos centros urbanos) para a produção de mandioca e milho, primeiramente para o consumo interno para o centro norte, Luanda, Malanje, Bengo, Kwanza Norte, Zaire e Uíje. Se nós produzirmos nesse triângulo entre as províncias de Malanje, K. Norte e Uíje conseguiremos não só garantir a segurança alimentar como também exportar facilmente para a grande cidade que é Kinshasa, que provavelmente tem maior população que as 3 províncias supracitadas, garantindo assim divisas e emprego. Eventualmente por via marítima, conseguiríamos facilmente exportar a mandioca bruta como a transformada para Ponta Negra, Douala, São-Tomé e outros países como a China por exemplo que é também um grande consumidor. Isso será possível se criarmos estratégias com uma orientação da produção para a exportação nestas zonas. O milho é muito consumido no Huambo, Bié e Huíla, a produção destas províncias pode ser suficiente para abastecer o restante do país e depois tentar exportar para a RDC. Temos a Zâmbia como a grande exportadora para a RDC e Namíbia, angola poderia disputar com Lumbombashi… Temos o caminho-de-ferro que podemos aproveitar, as cidades do Kuíto e Lubango, estão no caminho-de-ferro de Benguela que podem abastecer estas províncias e a fome não seria uma razão existente no nosso país porque temos condições para a produção e consumo interno. Depois de garantirmos níveis de consumo interno estáveis, poderemos começar a exportar para países da nossa região, quer pela via terreste como pela marítima como o Gabão, Camarões, RDC, São-Tomé e Guiné Equatorial que estão relativamente próximos e que importam de regiões geograficamente mais afastadas em relação a Angola. Podemos inicialmente mandar o produto bruto, mas futuramente com base no nosso desenvolvimento industrial poderemos enviar também o produto transformado. Com boas estratégias poderíamos conseguir receitas, gerar empregos e garantir a segurança alimentar regional. Angola tem potencial para tal, falta-nos é visão.
José Reis
13/08/2019 em 5:59 pm
Meu Caro
De todos os que escrevem sobre agricultura neste País (sou técnico agrícola e estive durante cerca de 20 anos no Ministério da Agricultura, antes e após a Independencia) o senhor é um dos poucos que alerta para dois factos fundamentais:
-Garantir no mínimo mais de 60% dos bens primários produzidos em solo pátrio é garantir sustentabilidade
-A população angolana hoje é 60% urbana e com tendência de aumentar (eu diria até que há muito a população urbana está próxima aos 70%)
Como tal concordo com a sua explanação sobre a importancia do apoio á produção do milho e mandioca e eventualmente a do feijão e arroz, em detrimento de planos mirabolantes que não nos levam nem levarão a lado nehum em termos de sustentabilidade alimentar. Acabe-se com a ideia que Angola produz tudo em termos rentáveis e que a autosuficiencia alimentar é a panaceia para a resolução dos nossos problemas. Aumentemos a produtividade por área e teremos problemas base de alimentação resolvidos e moeda de troca para “trocarmos” pelo que não produzimos.
Como tal parabens pelo seu artigo que é mais directo e esclarecedor que muitos dos que se arrogam como conhecedores dos problemas da agricultura
Luis
08/04/2020 em 5:25 pm
Olá caríssimos,
É muito pertinente abordar a questão voltada ao sector agrícola em Angola.
Estudei construção civil desde 1998 até 2007, a partir de 2015 que estou envolvido com o sector da agricultura. Estudo o segmento do agronegocio, para melhor compreensão sobre o assunto e poder contribuir com o melhor de mim para esta Angola que muito precisa.
Sou de opinião que tudo deve-se do facto de como o país a economia foi estruturada, Angola tem uma estrutura consumista e não produtiva, desde o momento de sua afirmação como país a partir de 2002,deixando 1975 à 2002, o país não observou o futuro, uma estrutura sustentável para além da dependência do ovo de ouro (petróleo), que hoje devido à pandemia do Covid 19 chocou de que maneiras a economia, com consequências sem precedentes.
Quando bem se devia elevar a gimonia daquilo que o país possui em termos de recursos naturais para além do que se observa atualmente.
Situação real.
O maior desafio que os países têm hoje, é na verdade a produção de alimentos diante da adversidade das alterações climáticas e aquecimento global.
E como referiram e muito bem, 70% da população está concentrada nos grandes centros urbanos a nível do mundo se observa tal situação, toda população está a concentrar-se nas cidades, o que resulta em mais procura de bens alimentares face à oferta, logo a fundamental importância de produzir mais, razão pela qual se observa escassez em certas localidades ou países.
Portanto, agricultura hoje enfrenta o maior adversário, alterações climáticas e aquecimento global, rios estão a secar, aquíferos e manaciais estão igualmente a secar, quando de um lado há seca, do outro verifica se cheias, ora, é um fenómeno na verdade s precedente para o mundo e, Angola apesar da disponibilidade de tais recursos, não está aquém da realidade.
Países há como Israel e Holanda que apesar de não serem providos de terras favoráveis e clima adequado, são realidades que assumiram tal desafio à muitas décadas atrás, hoje, são países cujo excedente produtivo é capaz de alimentar outras latitudes.
Casos práticos.
O país despendeu em 2018 mais de 850 milhões de dólares só com a importação de carne de frango e seus derivados segundo dados do BNA, quando pode aplicar tal valor no segmento da avicultura de corte localmente gerar empregos e potenciar famílias. Há outros segmentos que esperam uma atenção da mesma forma.
Não se pode ficar com a ideia de agricultura familiar, para o contexto actual, o modelo não pode ser referência, a característica principal do mesmo é de subsistência. Agricultura hoje é industrializada. O país tem condições para tal. A sonangol pode ir além da clinica Girassol, a Endiama pode fazer o que a estinta Diamang fez na época no passado, não parar pela clínica da Ilha de Luanda para uma selectiva classe, a banca tem grande responsabilidade em torno deste cenário. O sector da banca não deve focar seu core bussiness nas cambiais, façam o real papel na economia. Mais de 30 bancos não é normal para um país como Angola. O BDA não pode parar simplesmente em slogan, spots, ser contra o sector produtivo e desenvolvimento de Angola que para tal foi criado. As linhas de financiamento têm este poit. A equipa económica deve arregaçar as mangas às suas mangas, atuar no essencial, igualmente Ministério da Agricultura desempenhe seu real papel, seus quadros não devem limitar no consumo, somente importar pelo ordenado no final do mês, produção em primeiro plano. Mais pesquisas, apoio aos produtores acompanhando as actividades produtivas que nem a Emater e Embrapa no Brasil. Que haja mais insentivos por parte do Estado, fim dos monopólios, apoio a produção agentes económicos produtivos, não importadores para aproveitarem a conjuntura consumista, portanto.
Bem haja a nova reforma, o país é de jovens com visão estratégica, não assentes na vaidade de fatos e bons cortes, com discursos com redacções com acents Lisboetas, mais sim angolanizadamente, original, nosso, patriota, por Angola e para o nosso povo. Não emigremos.
Viva a nova geração!
Viva Angola.