Opinião

Os privilégios parlamentares: o abismo salarial entre o poder legislativo e o povo

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Os privilégios concedidos aos deputados na Assembleia Nacional expõem, de forma escancarada, uma política de remunerações exorbitantes e desconectadas da realidade económica do país. É inegável que os deputados recebem um salário base de 547.000 Kz, ao qual se somam subsídios que duplicam este valor: 50% destinado à habitação e outros 50% à representação, acrescido de um adicional de 10% para a comunicação. Soma-se ainda o custo de quatro funcionários de apoio, resultando num salário líquido que ronda os 1.500.000 Kz mensais. Em contraste, o salário mínimo nacional situa-se em apenas 70.000 Kz, evidenciando um abismo intransponível entre os níveis de vida dos representantes e os do cidadão comum.

O agravamento desta situação revela-se no tratamento dispensado aos novos deputados, que, nos três primeiros meses após a tomada de posse, recebem um subsídio de instalação de 24 milhões de kwanzas, um valor que, comparado aos 11 milhões e 250 mil Kz vigentes até 2022, praticamente duplica. Da mesma forma, o subsídio de reintegração ou vacatura do mandato, que anteriormente era de 12 milhões de Kz, passou também a ser pago em dobro. Sem esquecer o benefício adicional de dois automóveis, que, longe de ser um luxo justificável, simboliza a desproporcionalidade dos privilégios concedidos.

Tais aumentos e benefícios não podem ser vistos como meros ajustes para assegurar a eficiência do mandato; representam, antes, uma demonstração de como a elevada remuneração dos deputados se distancia brutalmente das dificuldades enfrentadas pela maioria dos angolanos. Ao resguardar, através do Regimento da Assembleia e do Estatuto do Deputado, condições que supostamente garantam a independência e a autonomia do legislador, estas medidas criam uma fachada de profissionalismo que, na prática, reforça uma cultura de privilégios imoderados e de distanciamento dos problemas reais da população.

Esta discrepância salarial e os benefícios ostensivos – que beiram o absurdo – não só minam o princípio da representatividade, mas também alimentam o sentimento de injustiça e alienação que paira sobre a sociedade. Como é possível justificar que, enquanto o trabalhador comum luta para sobreviver com 70.000 Kz mensais, os legisladores, que deveriam representar os interesses da nação, usufruam de subsídios que, somados aos demais benefícios, atingem cifras inimagináveis?

Para restaurar a credibilidade das instituições democráticas, impõe-se uma revisão urgente e rigorosa destes parâmetros remuneratórios. É imprescindível que os benefícios dos deputados sejam reavaliados à luz da realidade económica nacional, promovendo uma indexação que considere o salário mínimo e os desafios do país. A transparência e a fiscalização dos órgãos competentes devem ser intensificadas, com a criação de mecanismos de controlo que envolvam a sociedade civil, para que os recursos públicos sejam alocados de forma justa e equilibrada.

Em suma, a política salarial dos deputados não pode continuar a representar um privilégio desmedido e um desrespeito à realidade do povo. A adoção de medidas que limitem os benefícios e promovam uma remuneração proporcional à função pública é não só necessária, como urgente, para que se restabeleça a confiança dos cidadãos nas instituições e se construa um futuro mais equitativo para Angola.

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