Opinião
Os assaltos em Angola nos recados de Dom Filomeno Dias
Ouvimos, lemos e vimos com muita atenção o discurso proferido por Sua Excelência Reverendíssima, Dom Filomeno do Nascimento Vieira Dias, Arcebispo de Luanda e Presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé, essencialmente, no que ao crime diz respeito.
Na sua intervenção podemos notar o tom que coloca quando se refere aos assaltos e o ofício da Polícia Nacional, enquanto abonador da ordem e tranquilidade das pessoas.
Refere-se, ainda, ao facto de nos últimos tempos terem sido vandalizados templos de cristo e outros bens a si aglutinados, como escolas, centros de saúde e veículos, associando a estes os crimes de vandalização de bens públicos, no seu conceito mais dilatado.
Dito isto e motivado pelo ser do prelado, nada mais poderia molestar o nosso pensamento do que ouvir, ler e ver um disserto à dimensão da pessoa e da organização virado, quase que exclusivamente, ao que a Polícia Nacional deveria fazer, numa exacta exoneração dos afins.
Estamos em desacerto com os seus fundamentos porque na tese do combate ao crime, como se pode depreender de quaisquer teorias sobre a política criminal dos Estados, o accionar da Polícia Nacional não pode ser no seu sentido individualizado.
Dito de outro modo, não é convincente nem mesmo produtivo reduzir o combate ao crime na pessoa (colectiva) do polícia, aliás, o crime ocorre com motivações próprias e, às vezes, longe das jurisdições policiais.
Estamos em desacordo porque, nos últimos dias, tem sido construída uma opinião pública e publicada, como referiu Dom. Filomeno, que se funda na tese de que o aumento da criminalidade tem que ver com a inoperância da polícia, daí que se despoletou um conjunto de críticas subtis que esquivam o verdadeiro problema.
Chegados aqui, importa confessar que não compreendemos como se constrói esta tese – culpabilização da polícia – quando se assalta um altar e nele retiram hóstias, cruzes, lanternas e outros instrumentos de celebração eucarística. A este
estágio, entendemos que há um “sistema” que faliu.
É o papel da Igreja na construção de um homem novo, honesto, respeitoso, dialogante, tolerante que faliu!
É a força da Igreja em ensinar o respeito pela coisa alheia, os dez mandamentos como o princípio e fim da existência humana que faliu.
É a força da Igreja em moldar consciências, promover a paz social, converter homens, retirá-los dos maus caminhos que faliu!
É a força da Igreja em levar o problema do aumento da criminalidade nas homilias que faliu!
É a força da Igreja em assumir-se como parte do problema e comprometer-se na resolução que faliu!
É a força da Igreja que esmoronou ao deixar convencer – como fez sempre – os jovens no sentido de olharem os templos como algo sagrado e, por isto, intocável!
É, também, isto que gostaria que fosse dito por Sua Excelência, Reverendíssima Arcebispo de Luanda, pois, entendemos que a Igreja desempenha um papel documental na educação dos jovens delinquentes, nos trâmites em que abordamos acima.
Gostaria ouvir, ainda, Dom Filomeno a chamar atenção a todos sobre o papel da família na matéria em apreço, pois, é o papel da família em educar e ensinar os jovens delinquentes que faliu!
É o papel da família em defender, no seu seio, a preservação de valores basilares que faliu!
É o papel da escola, do trabalho, dos amigos, colegas que faliu e, sinceramente, era isto que gostaria ver no discurso do Prelado e de outras individualidades que o defendem, já que nenhum país do mundo resolveu o problema da criminalidade somente com acções de polícia, como se está a querer exigir em Angola.
É preciso não esquecer que a aparição da polícia no caso da criminalidade é um indicador claro da falha do sistema que concorre na educação, sensibilização e harmonização da sociedade, o que, a nosso ver, não pode ficar além das análises que fazemos.
É, e deve ser assim, porque é consensual que não é espectável que a polícia esteja em tudo. Não é possível colocar dois polícias em cada Igreja existente, com agravante de que presentemente o mercado da fé é dos mais concorridos, daí a proliferação de Igrejas e Ceitas religiosas em tudo que é canto.
Possível é o esforço de todos no sentido de educar as pessoas que não se pode viver com o suor dos outros e esta educação deve emanar dos movimentos religiosos, políticos e sociais. É disto e nestes termos que temos que falar. Não podemos olhar para a polícia como o mal da situação, pois, ela por si só pouco tem a fazer.
Não poderíamos terminar este comentário sem olhar para a crise profunda em que nos encontramos, nos âmbitos da cultura e dos valores. Aliás, sobre esta matéria basta lembra Dom. Manuel Imbamba, no seu livro intitulado “Uma Nova Cultura Para Mulheres e Homens Novos”, de inspiração de Battista Mondin, onde afirma:
“Que Angola esteja a atravessar uma noite longa e profunda de crise cultural é uma verdade que qualquer observador comum pode descobrir sem grandes exercícios mentais, em que as pessoas podem assumir várias atitudes, entre a técnica de avestruz em que se ilude resolver um problema, escondendo simplesmente a cabeça, ou seja fechar os olhos à realidade repugnante, outros escolhem o conformismo ou a resignação passiva”.
Precisamos reconhecer que, na verdade, os níveis da criminalidade violenta estão altos. Precisamos reconhecer que a condição social dos cidadãos está abaixo das espectativas. Precisamos reconhecer que enfrentamos uma crise de valores e cultura, cujas consequências estamos a viver.
Precisamos reconhecer que há uma cadeia de valores e princípios que perdemos e, por isto, estamos a pagar com o crime, a prostituição, ganância, inveja, ódio, avidez e todos os males conexos.
É, por isto que, precisamos trabalhar, cada um no seu ângulo de intervenção, para virarmos o presente quadro. Não conseguiremos se esta cadeia de actuação for ignorada. Não se combate o crime sem a Igreja, sem os pais, sem os actores socais. Não se combate o crime olhando apenas para a polícia, como se está a fazer nos últimos tempos.
Criminosos somos nós e o seu combate está em nós…
Estes e outros argumentos motivaram o nosso desalinhamento com os “recados” de Dom. Filomeno Dias, dentro da tese de Hegel, encontrada nos seus três livros da Ciência da Lógica – apesar de tratar diretamente da contradição apenas no seu segundo, segundo a qual a doutrina do ser, a negatividade implica no desenvolvimento autocontraditório de quatro categorias fundamentais, nomeadamente, a categoria finitude, do ser, puro nada, e a categoria puro ser.
Na doutrina da essência, que é onde Hegel desenvolve a estrutura das determinações de reflexão (Die Reflexionsbestimmungen), as principais categorias são a identidade, diferença, oposição, contradição e fundamento.
Como reforço disto, diz Santo Agostinho, em confissões, que a vontade de roubar transcende a vontade de ter. Agostinho reporta-se, já no primeiro livro, à sua infância e reflete sobre muitas das suas ações, nas quais deixa entrever como esteve envolvido com o problema do mal, desde esta época, identificando certas atitudes suas como más. Agostinho nos mostra, então, que o problema do mal não é um problema meramente sistemático ou acadêmico, mas, ao contrário, deixa claro ser uma questão que envolve a vida e a experiência de cada um.