Análise

Orçamento sem petróleo: o grande desafio que ninguém quer encarar em Angola

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A dependência do petróleo como fonte principal de receitas governamentais constitui, para Angola, uma vulnerabilidade estrutural que condiciona a autonomia orçamental, a resiliência às oscilações externas e a sustentabilidade das políticas públicas.

Idealizar um orçamento sem petróleo implica formular um quadro em que o Estado projeta receitas e despesas sem considerar as receitas provenientes da extracção ou exportação petrolífera. Este exercício exige uma visão de longo prazo, reformas fiscais e institucionais profundas, bem como uma transição gradual para fontes alternativas de financiamento e actividades produtivas.

Como sublinha Peter S. Heller, numa análise sobre o espaço fiscal, “raising revenue, reprioritising expenditure, mobilizing external grants” são oportunidades centrais para a criação de espaço orçamental em países em desenvolvimento.

1. Cenário Actual e Pressões Estruturais

1.1 Dependência do petróleo

A economia angolana tradicionalmente dependeu das receitas petrolíferas para financiar uma parte substancial das despesas do Estado e das exportações. Esta situação coloca o país na categoria das chamadas petrostates, caracterizadas por elevada dependência de rendas de recursos naturais não renováveis.

Em contextos similares, estudos apontam que uma dependência elevada de receitas de hidrocarbonetos implica maiores riscos de instabilidade orçamental quando os preços internacionais caem ou quando a produção declina. Por exemplo, num estudo sobre a Argélia, concluiu-se que “energy market volatility introduces uncertainty, affecting budget stability and economic planning”.

1.2 Implicações para a gestão pública

O facto de as receitas petrolíferas serem voláteis torna mais difícil o planeamento orçamental de longo prazo, fenómeno que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico resume quando aborda países exportadores de recursos: “natural resource revenues are intrinsically temporary in that they result from the depletion of a finite stock of resources”.

A existência de uma base fiscal interna reduzida concorre para fragilizar a resposta do Estado a choques externos. Em estudos sobre diversificação fiscal em economias com recursos petrolíferos, verifica-se que a expansão da arrecadação proveniente de outras fontes se torna uma prioridade.

Na área de despesa pública, a obra de A. Premchand, Public Expenditure Management, refere-se à necessidade de uma gestão eficaz das despesas como elemento chave de sustentabilidade orçamental.

2. Estratégias para a Construção de um Orçamento Sem Petróleo

Aqui elencam-se várias estratégias estruturadas, com base em literatura de finanças públicas e boas práticas internacionais adaptáveis ao contexto angolano.

2.1 Reformar e alargar a base fiscal

É essencial aumentar as receitas fiscais provenientes do consumo, rendimentos, património e IVA, de modo a compensar a ausência das receitas petrolíferas.

A literatura da OCDE assinala que “tax and spending reforms offer numerous opportunities to promote inclusive growth”.

Por exemplo, em economias com forte dependência de recursos naturais, a introdução de regimes fiscais mais abrangentes e a redução da economia informal são factores críticos de sucesso.

Em paralelo, a mobilização fiscal requer combate à evasão, melhoria da administração tributária e formalização da economia, fortalecendo o Estado e ampliando a base tributável.

2.2 Diversificação económica e geração de receitas não petrolíferas

A diversificação passa por desenvolver sectores como agricultura, agroindústria, turismo, serviços, tecnologia da informação, mineração não energética e indústria transformadora.

Estudos sobre gestão fiscal em economias dependentes de petróleo concluem que a diversificação económica e a gestão eficiente das receitas são determinantes para reduzir a dependência petrolífera.

Além de diversificar, é importante que as receitas dessas novas actividades sejam integradas ao orçamento sem que o Estado volte a replicar o ciclo de dependência, ou seja, o orçamento baseia-se em receitas sustentáveis e previsíveis.

A OCDE lembra que para países com base extractiva, “the transformation of the global energy mix and the uncertain outlook for fossil fuels” tornam imperativa a reestruturação dos modelos orçamentais.

2.3 Gestão da despesa e controlo orçamental

Uma vez que as receitas sem petróleo serão mais restritas no curto prazo, torna-se indispensável o aperfeiçoamento da gestão da despesa pública para garantir eficiência e impacto.

Guidelines for Public Expenditure Management oferecem um quadro para estruturas de preparação de orçamento, execução e planeamento de caixa, elementos centrais para uma gestão orçamental sólida.

Deve haver uma distinção clara entre despesa corrente e despesa de capital, e preferência por investimento que fortaleça a base produtiva do país, como infraestruturas e capital humano.

Além disso, melhorar o sistema de relatórios, transparência e responsabilização reforça a confiança e permite maior credibilidade junto de investidores e cidadãos.

2.4 Infraestrutura, tecnologia e capital humano

Investir em energia, transportes, telecomunicações, logística e digitalização reduz custos do setor privado, melhora competitividade e diversifica a base económica.

Paralelamente, investimento em educação, saúde, formação profissional e inovação assegura que a economia se prepara para actividades de maior valor acrescentado.

A OCDE refere que “the administration and mobilisation of public resources and efficient use of public funds” são determinantes para fins de desenvolvimento sustentável.

2.5 Fortalecer o sector privado, o empreendedorismo e a infraestrutura institucional

É necessário criar um ambiente favorável às PME, acesso a crédito, incentivos à inovação e à formalização de negócios.

A mobilização de financiamento privado para desenvolvimento é essencial para complementar os recursos públicos.

Em paralelo, melhorias institucionais em termos de governação pública, transparência, combate à corrupção e autonomia técnica dão legitimidade às reformas fiscais e orçamentais.

3. Cenários de Transição e Simulação Orçamental

3.1 Fase de Ajuste (curto prazo: 1 a 3 anos)

Redução de gastos não essenciais e revisão de programas menos produtivos.

Introdução ou aumento gradual de impostos que não distorçam a actividade económica, como IVA e impostos sobre consumo.

Promoção de projectos piloto de diversificação, por exemplo em agro-negócios ou turismo, com objectivo de gerar receitas externas.

Reforço das capacidades do Ministério das Finanças, Direcção-Geral das Receitas, Tesouro e Sistemas de Informação.

3.2 Fase de Consolidação (médio prazo: 3 a 7 anos)

Atingir um patamar em que a dependência do petróleo terá sido reduzida para um nível significativamente inferior, por exemplo, menos de 30% das receitas orçamentais.

Estabelecer um fundo de estabilização ou riqueza soberana para lidar com a volatilidade e preservar o legado petrolífero para futuras gerações.

Desenvolver a base tributária interna, reforçar o sector de serviços e indústria, e melhorar a infraestrutura digital e logística nacional.

3.3 Fase de Maturidade (longo prazo: mais de 7 anos)

O orçamento anual já formula-se sem contar com receitas petrolíferas ou com elas sendo marginais.

O Estado financia a maior parte das suas despesas correntes e investimentos a partir de receitas fiscais internas, rendimentos de capital e exportações não petrolíferas.

O sistema orçamental torna-se mais resiliente, com ciclos económicos menos dependentes de choques externos de preços do petróleo.

A economia angolana diversificada sustenta crescimento sustentável, criação de empregos de qualidade e melhoria dos indicadores sociais.

4. Principais Desafios e Riscos

Base económica limitada, com economia não petrolífera ainda pequena e informal.

Resistência política e social face a cortes de gastos, reforma fiscal ou aumento de impostos.

Capacidade institucional insuficiente em finanças públicas, arrecadação, programação orçamental e execução.

Pressões externas, incluindo volatilidade de mercados internacionais e alterações tecnológicas e climáticas.

Tempo de implementação longo para exigir reformas sustentadas e visão estratégica.

Necessidade de equilibrar investimento e estabilidade, distinguindo entre gastos produtivos e não produtivos.

5. Considerações para Angola

Definir metas específicas de redução da dependência petrolífera, com indicadores quantitativos claros.

Estabelecer um quadro fiscal com fontes alternativas de receita e uma reforma do sistema tributário adaptada ao contexto angolano.

Criar um mecanismo de transição orçamental, utilizando receitas petrolíferas para investimento ou para um fundo de estabilização.

Reforçar a governação financeira pública para melhorar sistemas de planeamento, execução e controlo orçamental.

Fomentar o sector privado e as PME, bem como a digitalização, ampliando a base económica e tributária.

Garantir que a população perceba os benefícios da reforma para promover maior transparência, participação e retorno social dos investimentos públicos.

Finalmente, é importante reconhecer que idealizar e implementar um orçamento sem petróleo em Angola é um imperativo para garantir sustentabilidade fiscal, resiliência face a choques externos e uma economia com crescimento diversificado. Embora o percurso seja exigente e demorado, a reforma fiscal, diversificação económica, boa governação orçamental e investimento produtivo oferecem um roteiro plausível.

Se Angola conseguir implementar estas medidas, poderá alcançar uma economia menos dependente de recursos voláteis, mais autónoma, competitiva e centrada no bem-estar das suas populações.

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