Análise
O surgimento de novas forças políticas em Angola
“Nenhum homem é bom o suficiente para governar outrem sem seu consentimento”
Abraham Lincoln
Este foi o tema em análise do dia 11 de Janeiro em que participei na Eclésia a primeira rádio em Angola, a de Confiança no habitual, no fervoroso e mais antigo debate nas manhãs de sábado em Luanda e agora no país. Na presença de ilustres colegas tais como Américo Chivukuvuku (político), Nadilson Paim (Jurista e Politólogo) e o Dr. Chaves Abrantes. Num debate não se consegue esgotar as ideias sobre o tema por conta da dinâmica imposta pelos concorrentes e do debate em si. Então, decidi expor aqui um pouco mais do que não pude abordar no sábado passado.
Origens Dos Partidos
“Governar não passa de uma opção entre males”
– Jeremy Bentham
Em Ciência Política os teóricos definiram partido político como uma organização que luta pela aquisição, manutenção e exercício do poder. São ainda organizações sociais voluntárias de carácter permanente e duração razoável, que lutam pela aquisição e exercício do poder, através de meios legais e democráticos, portanto um partido é uma organização precisamente definida. Os partidos são parte das mais novas formas de organização social, Duverger afirma que os verdadeiros partidos datam de apenas há um século. Em 1850 nenhum país do mundo, com excepção dos EUA, conhecia partidos políticos no sentido moderno da palavra. Havia tendências de opiniões, clubes particulares, associações de pensamento, grupos parlamentares, mas não partidos políticos propriamente ditos acrescentou Duverger. Max Weber por seu turno afirma que os partidos são na sua mais íntima essência, organizações livremente criadas que pretendem fazer um recrutamento livre. O seu fim é sempre a procura de votos em eleições para cargos políticos. Para Giovanni Sartori um partido é qualquer grupo político identificado por uma designação oficial que se apresenta as eleições e é capaz de colocar, através de eleições (livres ou não), candidatos em cargos públicos.
A lei 22/10 de 3 de Dezembro, lei dos partidos políticos, define partido político como uma organização de cidadãos, de caracter permanente e autónomas, constituídas com o objectivo fundamental de participar democraticamente da vida política do país, concorrer livremente para a formação e expressão da vontade popular e para a organização do poder político, de acordo com a Constituição da República de Angola – CRA, com a lei e com os seus estatutos e programas, intervindo, nomeadamente, no processo eleitoral mediante apresentação ou o patrocínio de candidaturas. O Art.º 4º refere-se a liberdade da constituição do partido que é livre. Art.º 14º, fala sobre o pedido de inscrição onde, 7500 subscrições de cidadãos maiores de 18 anos, em que pelo menos 150 residentes em cada uma das 18 províncias do país.
Em que Condições surgem Novos Partidos?
“O maior mal é um governo sem limites”
– Friedrich Hayek
Após termos abordado a génese dos partidos, vimos que distantes dos interesses das associações e ou clubes, a conquista e manutenção do poder é o principal objectivo dos partidos. Vamos agora analisar em que circunstâncias surgem novos partidos. Os partidos surgem por meio de Clivagens ou Fraturas sociais e políticas. Dito de outra forma, as dinâmicas políticas e socias criam as condições objectivas para o surgimento de novas forças políticas. As falhas nos sistemas de partidos classificados por Monopartidário, Bipartidário e Multipartidário, definem o número de partidos participantes na legítima luta pelo poder por meio da competição política. Vejamos na Europa por exemplo, que factores concorrem para o surgimento de partidos de Extrema Direita? Na visão do Padre e Politólogo Toni Neves, considera como sendo um fenómeno típico das democracias muito abertas e, não há governo nenhum que sacia a alma de um povo, daí o valor da alternância política. A falta de soluções dos problemas após terem votado a direita e vice-versa, é legítimo que os eleitores decidam partir para outras experiências no caso os extremos (Direita ou Esquerda). Os partidos de Esquerda governaram por muitos anos a Europa e falharam, dando lugar a Direita e, no caso a Extrema Direita. Em muitos casos são a falência e/ou inoperância dos modelos e noutros são as cíclicas dinâmicas políticas impostas pela democracia.
A Génese dos Partidos em Angola
Uma breve digressão sobre o surgimento dos partidos políticos em Angola nos remete análise de Paulo C. J. Faria na sua obra “O Público e o Político em Angola”, onde o autor discorre sobre a criação da consciência nacional por meio da Liga Nacional Africana – LNA ou mesmo a ANANGOLA, ambas associações criadas na primeira metade do século passado, a Casa dos Estudantes do Império – CEI, por influência do Movimento de Unidade Democrática – MUD, os angolanos criaram o Movimento dos Estudantes Angolanos – MEA que organizou a famosa “fuga dos 100” estudantes de Lisboa para Paris, Alemanha, Bélgica e Suíça. Estes movimentos associativos são em parte alguns dos responsáveis pela formação da consciência pública pós-colonial. As igrejas protestantes a Evangélica Baptista, a Congregacional, a Sinodal e a Metodista nas Missões evangélicas no sul e norte de Angola, foram importantes na fase final do processo da formação da consciência nacional. A União dos Povos de Angola – UPA que se fundiu com o Partido Democrático Angolano – PAD onde figuras como Holden Roberto e Emanuel Kunzika respetivamente são promotores, o Partido Comunista Angolano – PCA e o PLUAA onde figuras como Viriato da Cruz, António Jacinto, Mário António, Ilídio Machado e outros por influência do Partido Comunista Português PCP avançaram para a criação dos primeiros partidos em Angola. Considero um momento de grande elevação e de consciência política que culminaram com a fundação do Estado angolano, com partidos nacionais a cabeça. Gianfranco Pasquino refere que uma das funções dos partidos especificamente, é a de dar voz às exigências presentes nas sociedades de modo mais ou menos difuso e procuram, dentro do possível e naquilo que for compatível, agrega-las em propostas pragmáticas que submetem ao eleitorado. Dai que um dos pontos constantes dos Acordos de Alvor era a realização de eleições, grandemente violado pelas partes com realce ao MPLA que sentiu-se ameaçado pela força étnica da UNITA (37% da população angolana é Ovimbundu) e o poderio militar da FNLA. “Aqui não haverá eleições, porque a Independência não se entrega arranca-se” (General Silva Cardoso in Rádio Despertar recordando as declarações de Agostinho Neto dias antes expulsão da FNLA e UNITA de Luanda).
A Iª República fruto da proclamação da independência deu lugar aos primeiros partidos de facto e, com isso, um sistema de partido único imposto pelo MPLA após violação dos Acordos de Alvor. Em 1992, depois de 17 anos do conflito e pressão externa, realizam-se as primeiras eleições (18 partidos concorreram as eleições) e consequente quebra do monopartidárismo com a entrada dos já existentes e surgimento de outros partidos políticos, funda-se a IIª República. Estamos agora a viver os primeiros dez anos da IIIª República desde a aprovação da Constituição da República de Angola – CRA. Em 2012, assistimos ao surgimento da coligação de partidos, a CASA-CE naquela que foi o mais claro sinal de que as elites dos partidos tradicionais estavam desentendidas e partiram para a criação de uma coligação. Hoje, há uma crise social em Angola, os partidos tradicionais (antigos movimentos de libertação) resistem as reformas e com isso a abstenção, o despertar da cidadania, falhas nas políticas públicas, a vasta maioria da população jovem implica maiores exigências estes são factores que aceleram o desgaste e a desacreditação política. A crise interna no MPLA precisamente o partido maioritário é altamente fraturante. Este fenómeno cria dissidentes que podem endossar, apoiar e criar tal como em 1992 novos espaços de convivência política visando a defesa de seus interesses bem como o exercício das liberdades. O actual contexto é também de irreversível e crescente fervor associativo e de tendências como: Vanguardistas e Progressistas, os Neoliberais, o Movimento Feminista, os Cristãos Evangélicos Neopentecostais, as associações municipais como a Placa do Cazenga, Projecto Agir e outras muitas que existem em outros municípios das grandes cidades, a Movimento Afrocráta fruto da silenciosa revolução intelectual voltadas para o resgate dos valores africanos, só para citar alguns, são as tendências que fruto das fraturas sociais e políticas, poderão se transformar em partidos. Os rotulados de Marimbondos têm aqui uma oportunidade única para se defender e capitalizar. Influenciar, Financiar, Endossar e Criar este grande facto político. Até mesmo o Presidente JLO caso não consiga operar significativas reformas no seio dos camaradas, no final das contas poderá na pior das hipóteses criar uma nova força em véspera eleitoral e afastar-se da sua origem. “Os partidos que se consolidam e duram têm origem nas fraturas sociais e políticas”.
O ditado diz-nos que construir custa sempre menos do que reconstruir. A teoria diz-nos que a melhor forma que os partidos têm para reconquistar a confiança dos eleitores (diante do elevado desgaste) é por via da boa governação. Não há democracia sem partidos políticos, mas sem alternância de poder também não há democracia. Partidos frágeis fragilizam as democracias, mas partidos hegemónicos capturam a democracia e fragilizam o Estado.
Agostinho Macaia
06/06/2020 em 6:30 pm
Uma grande reflexão que nos submete para grandes análises. Devo aqui dizer que, tenho acompanhado às suas abordagens e intervenções na Rádio Eclésia, confesso que tens estado bem e gosto imenso acompanhar-te de A a Z. Bem-haja! Politólogo, Dr. Olívio.