Politica
O silêncio ‘vergonhoso’ da CPLP no caso da Guiné-Bissau
O Presidente bissau-guineense ameaçou encerrar os organismos da Assembleia Nacional daquele país, e em consonância, as Forças Armadas ocuparam as instalações do Parlamento e o presidente da instituição foi substituído, uma operação sem cobertura constitucional, como escreveu o portal português o Polígrafo. A CPLP, entretanto, mantém-se completamente muda.
A imagem da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) está de rastos, e há quem classifica a organização como sendo um “simples órgão de relações públicas”, face à sua postura de completa inércia.
Para diferentes observadores, já faz tempo que o presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, percorre livremente sobre a CPLP como um cowboy do velho oeste americano, o que torna difícil precisar a importância da CPLP, se se trata pura e simplesmente de uma entidade de comércio bilateral ou se de um organismo guiado por valores e princípios democráticos.
Na sequência da entrada da Guiné Equatorial à comunidade, foi exigido àquele país um conjunto de pressupostos, mas o referido Estado acabou por aderir ao grupo lusófono sem concluir o referido roteiro. Se se permitiu a adesão da República equato-guineense à CPLP mesmo sem reunir plenamente o roteiro então colocado à sua frente, a pergunta que não se quer calar é o que a mesma organização deverá fazer para frear o Presidente Umaro Sissoco Embaló.
À margem da 79.ª Cimeira do Futuro da Organização das Nações Unidas (ONU), a CPLP realizou uma ‘reunião-jantar’ com os Chefes de Estado e de Governo da comunidade, durante a qual foram abordadas várias situações, mas não se sabe ainda se os governantes no encontro tiveram a coragem de instar Umaro Sissoco Embaló em relação ao que se passa no seu país.
De referir que antes de partir para o Nova Iorque, EUA, para participar da Cimeira da ONU, o Presidente da Guiné-Bissau lembrou, na quinta-feira, 19, ter tomado conhecimento da convocação de uma reunião da Assembleia Nacional Popular, convocada pelo seu presidente Domingos Simões Pereira, o seu maior adversário político, e advertiu que era curial que Simões Pereira retirasse da agenda da reunião o tema sobre a actual situação do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), tendo ameaçado mesmo encerrar os organismos ainda em funcionamento daquela Casa das Leis.
O STJ, cuja situação divide Sissoco Embaló e Domingos Simões Pereira, opera neste momento sem o quórum constitucional, e tem sido acusado de estar próximo ao Presidente da República.
Importa sublinhar que Umaro Sissoco Embaló dissolvera a Assembleia Nacional Popular em 2023, tendo, por força da Constituição, deixado em funcionamento a Comissão Permanente do referido Parlamento, que actua com os poderes reduzidos em relação à operacionalidade da Assembleia na sua plenitude.
Entretanto, mesmo antes de ter regressado ao seu país, a ameaça de Sissoco Embaló foi cumprida.
As Forças Armadas da Guiné-Bissau ocuparam as instalações do Parlamento e o presidente da instituição, Domingos Simões Pereira, foi substituído por acusação de tentativa de golpe de Estado. Em sua substituição foi colocada Satu Camará, 2.ª vice-presidente da entidade.
A operação, de acordo com o jornal online português o Polígrafo, foi realizada sem cobertura constitucional. Na sua matéria do dia 24 de setembro deste ano, o Polígrafo refere que a Constituição da República bissau-guineense dá poderes ao Presidente para dissolver o Parlamento, em caso de “grave crise política”, mas não dá ao Presidente poderes para encerrar inclusive a Comissão Permanente da Assembleia e/ou demitir o seu presidente, uma ameaça que veio a se concretizar.
O que é facto é que o ponto 2 do artigo 94.º da Carta Magna guineense refere que a “dissolução da Assembleia Nacional Popular não impede a subsistência do mandato dos deputados até abertura da legislatura subsequente às novas eleições.
“Entre as sessões legislativas e durante o período em que a Assembleia Nacional Popular se encontrar dissolvida, funcionará uma Comissão Permanente da Assembleia Nacional Popular”, lê-se no ponto número 1, do artigo 95.º.
E o ponto a seguir do mesmo artigo, diz o Polígrafo, determina que a “Comissão Permanente é presidida pelo presidente da Assembleia Nacional Popular”, e composta pelo vice-presidente e pelos representantes dos partidos com assento parlamentar.
A referida comissão, entretanto, ainda tem competências para acompanhar a actividade do governo e da administração; exercer os poderes da Assembleia Nacional Popular relativamente ao mandato dos deputados; promover a convocação da Assembleia Nacional Popular sempre que tal se afigure necessário; preparar a abertura das sessões; bem como pronunciar-se sobre a declaração do estado de sítio e do estado de emergência.
Entre todos os líderes da CPLP, apenas Xanana Gusmão, primeiro-ministro de Timor Leste, teve a coragem de chamar atenção pelo risco que a Guiné-Bissau representa para a comunidade, e fê-lo até antes da tomada do Parlamento pelo militares e a demissão do seu presidente.
Em breve conversa com a imprensa, Xanana Gusmão levantou sérias dúvidas sobre se a Guiné-Bissau tinha condições democráticas para presidir a CPLP, algo que pode acontecer em 2025, tendo em conta o critério de presidência rotativa.
Reagindo ao silêncio de todo o resto da comunidade internacional, o presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, Bubacar Turé, manifestou, em entrevista citada pela DW, “indignação face ao silêncio ensurdecedor da comunidade internacional” face àquilo a que chamou de aparente “pacto de silêncio entre a comunidade internacional face às atrocidades do regime [da Guiné-Bissau]”.