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Opinião

O poder do exemplo (crónica) – Edson Kassanga

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Sua barba obedecia a um talhe feito cadeado e ele fazia questão de mantê-lo sempre fechado, apesar de leccionar no mato. Este é um dos traços essenciais inerente à aparência de um homem que cravou em mim, durante a minha doce meninice, hábitos saudáveis que definiram o meu eu.

Geralmente, nós (adultos) apenas procuramos sonegar os nossos maus hábitos perante pessoas com tendências a demostrarem, instantaneamente, a sua aversão pelos mesmos. Por este motivo, não respeitamos, principalmente, as crianças, julgando-as incapazes de absorvem o que acontece ao seu redor e é desse jeito que retiramo-lhes a possibilidade de virem a ser homens de valor. Felizmente, esta possibilidade não me foi retirada quando fui criança e é por isso acho doce a minha meninice.

Passei essa fase entre a casa da minha mãe e a casa da minha saudosa tia e foi na casa desta onde o meu tio (esposo dela), lançou em mim sementes que definiriam o meu carácter, por intermédio de práticas aparentemente insignificantes mas que hoje fazem toda a diferença. Foi pela boca dele,  portadora de um riso encantadoramente infantil, que lembro-me ter ouvido, pela primeira vez, as estórias de ouvir contar; foi ele quem fez da música a musa das minhas manhãs; foi na casa dele onde vislumbrei, pela primeira vez, uma reunião de objectos que só mais soube chamarem-se livros e foi através destes que tive o primeiro contacto com a literatura angolana.

Embora eu já não me lembre de, alguma vez, vê-lo a queimar pestanas por mera diversão, mas tenho a certeza que era detentor de inúmeros  livros, sobretudo sobre Política Internacional e Literatura Angolana. Foi da sua biblioteca que tive, em primeira mão, contactos com a escrita de Castro Soromenho, Óscar Ribas (com a estória do Joaquim e a Catarina em  “Uanga”), Maria Eugénia Neto… e com livros sobre Karl Marx, Frederick Engels, etc.  Desta descoberta, tive a primeira a sensação de fazer algo tão perigoso quanto gostoso:roubar livros.

Entretanto, a biblioteca não era a única atração da casa do meu tio. Este transfonou-na numa autêntica casa de cultura, visto que, era um lugar onde, além dos livros,  a música era dona e senhora, sendo venerada à qualquer hora do dia e quase sempre de madrugada. O meu tio usava a música para varrer os resquícios da noite. Na hora 05 ou 06 ligava o gravador e, preferencialmente, dava boas vindas ao dia com o “maye maye” do Jacinto Tchipa. Para mim era agradável estar a gravitar sob o aconchego das mantas, naquelas manhãs frias e de fecunda inspiração, fazendo a transição entre o sonho e a realidade com a música.

A pessoa a qual me referi nos parágrafos acima era, inicialmente professor no Kuvango, mas vivia no Lubango (ambos municípios da província da Huila), onde apresentava-se, geralmente,  à social e sua barba obedecia a um talhe feito cadeado e ele fazia questão de mantê-lo sempre fechado, apesar de leccionar no mato. Era uma pessoa simples, algumas vezes até demais, cuja forma de andar e de se dirigir às pessoas, fossem ricas ou pobres, cultas ou analfabetas, vendedoras de carro ou de carvão, exalava uma tranquilidade que fazia jus ao seu nome-Clemente Kassanga.

Hoje, volvidas três décadas, reconheço que os apetites que trago desde a adolescência e que já fazem parte da minha essência, como o gosto pelo livro e pela música, não são fruto do acaso, nem do exagerado apego que nutro pela solidão são, de facto,  produto de uma infância na qual os aldultos da época não  retiram-me a possibilidade de vir a ser um homem de valor, em especial o meu tio. Por influência dele trago comigo, sobretudo, o hábito de ouvir música logo que acordo, o hábito de ler. Ademais, já tenho uma biblioteca com mais de uma centena de livros e não são roubados.

Por esta saudável influência, acho imprescindível que os adultos não esqueçam que pelos seus actos formarão o caráter do homem do futuro.

Um abraço meu tio!

A tua semente brotou e continua dando frutos. Muito obrigado!

Por:Edson Kassanga

Estudante de Relações Internacionais

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