Opinião
O papel das Forças de Defesa e Segurança no combate à pandemia: da prevenção à resposta
A pandemia da Covid-19 representa um verdadeiro ataque à humanidade na era moderna sem precedentes. Recuando a 2001, ao 11 de Setembro nos Estados Unidos, concluímos que se falhou ao nível tático, não conseguindo prever o como e o quando do ataque às torres gémeas. Relativamente à pandemia de Covid-19, já se conseguiu contextualizar o acontecimento, mas ainda se procuram respostas a como surgiu o vírus e o local exato.
Depois de vários relatórios produzidos pelas comunidades de informações continuam a persistir duvidas. Existem assim vários elementos a serem avaliados, sendo a origem inicial do vírus o principal elemento a ser analisado.
Muito provavelmente teríamos mais respostas se houvesse mais colaboração das entidades chinesas. Esta falta de colaboração total poderá ser entendida como a não admissão de ingerências e de acusações por parte dos Estados Unidos às entidades chinesas. Certos aspetos continuam ainda uma incógnita.
Um ataque biológico cujo agente- SARS-COV-2- contaminou até hoje centenas de milhões de pessoas e matou quase cinco milhões de pessoas. É dessa forma que uma guerra biológica vai dizimando parte da população.
O agente SARS-COV-2 apresentou-se como inimigo invisível, uma ameaça híbrida que provocou uma guerra não convencional. Desta forma, as comunidades foram abaladas no campo económico, social e consequentemente psicológico.
Perante um novo quadro de ameaça, começámos a viver o que alguns académicos e responsáveis de forças e serviços de segurança já tinham previsto: uma nova era composta por novas ameaças, conflitos e terrores. As ameaças híbridas são há muito uma preocupação de entidades governamentais.
Entenda-se por ameaça híbrida o uso de armas químicas, ingerências, desinformação, uso de agentes biológicos, ataques a infraestruturas, entre outras. Urge que se crie uma nova estratégia, que por sua vez é fundamental para a nova condução política e tomada de decisão integrada e não isolada.
E neste capítulo, de respostas isoladas, temos exemplos que nos levam a questionar a globalização no seu tempo e no seu espaço. Prova disto foi a intenção dos Estados Unidos em garantir toda a capacidade produtiva inicial da Pfizer.
De igual modo vimos outros países a garantirem, para si, quantidades muito significantes de vacinas para combater o vírus. A própria União Europeia acabou por não conseguir dar uma resposta efectiva, devido à ausência de procedimentos integrados mais eficazes. Isso espelha-se no atraso que alguns Estados membros, ainda hoje, apresentam.
Um quadro de prevenção e resposta integrada foi sempre necessário na dimensão da defesa, da segurança, combate ao Terrorismo como ameaça mais específica e em várias dimensões tem falhado.
Destarte, será talvez necessário combater a onda de protecionismo que se vai acentuando. De igual forma a dependência de mercados como o chinês. Ora, perante um cenário em que se perspetivam cenários que já estão a colocar em causa a segurança das pessoas e dos Estados, urge uma ação concertada. A gestão de crises, torna-se assim um eixo importantíssimo da estratégia.
Em caso algum, as forças de defesa e segurança estarão capacitadas a operar na linha da frente se não houver um plano interno. Sendo assim, a estratégia deve privilegiar alguns eixos:
– medidas de prevenção de contágio dentro das FAA e de qualquer outra força esteja na linha da frente a nível operacional;
– plano que permita avaliar a capacidade operativa de forma permanente, preparando um cenário de crise de longa duração;
– plano estratégico e operacional de medidas e procedimentos no terreno.
Esta será a base do plano de apoio às autoridades de saúde, tendo sempre em conta que a informação deverá fluir. Tudo depende do planeamento, estejamos a falar de planeamento estratégico ou tático.
A partilha de informação neste tipo de processos é, sem dúvida, uma das formas de obter sucesso na gestão de crises. A nível global as consequências políticas da Covid-19 vão sendo estudadas por analistas. Se por um lado uns pensam que a liderança dos EUA será cada vez mais colocada em causa, por outro devemos debruçar-nos sobre as consequências no continente Africano.
Porém, antes das consequências, vem a prevenção e a resposta ao vírus. Os cenários poderão ter sido mal previstos ou adivinhados. Numa fase em que parece ter saído a quase todos, África tem sido um caso deveras curioso. Menos casos relativamente a outras geografias e menos mortes.
Várias teorias vão sendo criadas e estudadas. Facto é que apesar de tudo, a prevenção e a resposta antecipada das autoridades angolanas certamente contribuíram para mitigar o impacto desta pandemia.
Tendo em conta o cenário de pandemia em Angola, foi decretado Estado de emergência a 25 de março de 2020 e que por sua vez entrou em vigor a 27 do mesmo mês. Neste contexto, houve um conjunto de medidas que tiveram de ser observadas e fiscalizadas pelas forças de defesa e segurança:
– Fiscalização do cumprimento do confinamento obrigatório estabelecido pelo decreto presidencial 81/20;
– Fiscalização em espaços noturnos e da circulação de pessoas na via pública;
– Fiscalização do cumprimento da cerca sanitária.
– Fiscalização dos espaços comerciais que não se encontrassem inseridos nas exceções estipuladas por lei.
Estas são algumas das medidas que tiveram que ser fiscalizadas pelas forças de segurança, e é de salientar o empenho de todas elas em fazer cumprir o disposto na lei. Contudo, tendo em conta que o combate à pandemia ainda vai a meio, o papel das nossas forças de defesa e segurança deve ser reforçado, no apoio às populações e às autoridades de saúde.
Como é sabido, as Forças Armadas desempenham um papel importante na garantia da segurança nacional e no apoio ao bem-estar de toda a população.
Essa defesa insere-se, sempre, num quadro de ação integrada entre os vários pilares do sistema de segurança nacional. As informações ao nível da prevenção e perceção de tendências e cenários que possam ajudar a perceber a chegada de um cenário de crise, as polícias a quem compete aplicar medidas próprias para garantir o cumprimento da lei e restabelecer a ordem, a defesa a quem compete assegurar a defesa militar e o bem-estar da população, e finalmente a proteção civil, a quem compete prevenir riscos inerentes a situações de catástrofe, de atenuar os seus efeitos e socorrer as pessoas e bens em perigo.
Só tendo uma visão holística de um aparelho de segurança, das missões e atribuições de cada um dos pilares, se pode dar uma boa resposta a crises. Tal como já referi anteriormente, o contexto em que vivemos apresenta-nos inúmeras ameaças híbridas.
A desinformação relativamente à Covid-19 tem sido uma das mais persistentes, Neste capítulo, ganha relevância ainda maior relevância o combate à desinformação e notícias falsas.
Ainda no primeiro pilar do sistema de segurança nacional, o das informações, a ação prospetiva em contexto de pandemia torna-se ainda mais axial para a tomada de decisão e compreensão qualificada dos cenários no mundo actual.
A nível operacional, as forças armadas ganharam também relevância no combate à pandemia. Verificámos que houve o desempenho de atividade de fiscalização de várias medidas de combate ao vírus.
É nesse sentido que a ação do sector da defesa se poderá tornar um fator determinante na vitória, ou na derrota, face à pandemia.
As Forças Armadas e a Polícia Nacional Angolana, devem servir de instrumento fundamental na estratégia do Estado ao combate à pandemia e para o combate às novas ameaças.
O papel das forças de segurança, durante a fase mais crítica da pandemia, passou já pela limitação de vários direitos fundamentais como o da circulação na via pública. A segurança em plena pandemia tornou-se um fator ainda mais crítico e um grande desafio para o país.
O aumento do número de infetados e as consequências da crise podem originar algumas situações de instabilidade como: aumento da criminalidade; distúrbios por parte de civis; aumento da violência doméstica e disrupção na cadeia de distribuição alimentar, que pode gerar intranquilidade.
As forças de defesa e segurança viram assim a sua missão de prevenção e sensibilização redobrada. Finalmente, devemos olhar para um problema global e não de forma isolada.
Analisar e discutir esta pandemia é ter a noção que o futuro não será o mesmo. A pandemia veio acelerar um paradigma de disrupção, guerras híbridas e polarização. Desta forma, todos os Estados deverão preparar-se para dar respostas antecipadas a novos problemas e com novas abordagens.
Trata-se de uma nova guerra que todos precisamos de vencer. Segundo a declaração de Bonn “a segurança humana define-se como ausência de ameaça à vida, estilo de vida e cultura humana por meio do atendimento às necessidades básicas”.
Com o surgimento da ameaça invisível passou a estar ainda mais em perigo a segurança e saúde global. Desta forma, a missão e atribuição das forças de segurança de garantir a estabilidade e ordem pública começam na prevenção e estendem-se até à resposta às crises.
As nossas Forças Armadas e outros órgãos auxiliares do Estado precisarão de mais meios e novos métodos operacionais para auxiliarem o Estado na projeção para o futuro.
Tendo já desenvolvido um contributo importante, pode haver um envolvimento maior no sentido de garantir maior eficácia num plano de vacinação já elaborado pelo Ministério da Saúde.
O apoio das FAA, deve incidir em múltiplas atividades de suporte aos mais variados organismos estatais. Têm, de igual forma, definir um programa adequado para combater a doença, de forma a salvaguardar ao máximo o potencial humano, de forma a continuar a operar e a responder às necessidades que o atual contexto exige. O sucesso no combate a esta crise que vivemos consiste essencialmente na capacidade prospetiva e avaliação dos riscos permanentes.
Numa fase a taxa de vacinação vai avançando, ainda que lentamente, o contributo do efetivo das Forças Armadas reduzirá seguramente constrangimentos que possam surgir no processo de inoculação da população.
O modus operandi, seja pedagógico ou mais intervencionista na vida do cidadão deve passar uma mensagem clara de que, em tempo de pandemia a postura deve ser séria e que o trabalho coletivo será decisivo para o futuro das populações.
Uma resposta integrada poderá servir de fator de maior aproximação entre as forças de defesa e segurança e a população angolana. A pandemia está a limitar a capacidade do governo na obtenção de recursos e a contribuir para baixos níveis de confiança nas instituições de países que não deram repostas eficazes.
O ambiente difuso e polarizado mina a confiança do público nas autoridades de saúde. O impacto económico da Covid-19 nas camadas de baixa renda da sociedade fez com que se ficassem mais para trás.
De igual forma, a pandemia trouxe-nos à luz um fosso digital entre vários países e evidenciou a necessidade de melhorar os meios tecnológicos em várias dimensões. A polarização causada pela guerra entre vacinados e não vacinados, negacionistas e defensores da vacinação.
Desinformação e ingerência e outras ameaças híbridas ganharam uma nova dimensão com o surgimento da pandemia. Numa fase em que surgem mais questões do que respostas, urge criar novas estratégias para novos dilemas. Como em todos os processos de segurança, a prevenção vem em primeiro lugar.
A prontidão e posicionamento na linha da frente das forças de defesa será, sempre, potenciada pela previsão de cenários. Desta forma, só uma doutrina estratégica inovadora que viabilize a arte e a ciência de conceber, desenvolver e utilizar meios para realizar objetivos, pode permitir estar mais perto de garantir a soberania e segurança nacional.
Tendo em conta os cenários que se avizinham e se anunciam como garantidos, as informações revelam-se importantíssimas no processo de salvaguarda de interesses permanentes e/ou conjunturais.
A ação que permita a identificação e contextualização de qualquer ameaça ao Estado, à sociedade e às infraestruturas será no futuro um processo cada vez mais complexo.
No mundo prevalece ainda o conceito do dilema de segurança de John Herz, termo usado nas relações internacionais para explicar a corrida armamentista por parte dos Estados que procuram cada vez mais armamento, o que causa sensação de insegurança e instiga outros Estados a procurarem também reforçarem o seu arsenal.
E face a guerras não convencionais, as intenções materializam-se de forma distinta. É exatamente nesse sentido que as forças de defesa e segurança não deverão poupar esforços adquirindo mais meios, inclusive os tecnológicos, e estar na linha da frente na defesa das populações.
A inovação no combate ao presente e as futuras guerras bacteriológicas só beneficia e garante a segurança em todas as suas dimensões. Não devemos deixar de frisar que, até aqui, o combate à pandemia em Angola tem tido aspetos positivos. Isto enquadra-se num cenário em que outros países mais evoluídos chegaram a fracassar e previa-se até uma catástrofe em África.
Contudo, existem aspetos que poderão ser ainda melhorados, nomeadamente o apoio das forças de defesa e segurança na linha da frente. Quanto mais eficiente for o combate à pandemia, mais facilmente se mitigará o impacto da mesma na vida dos cidadãos e no estado da nossa economia.
Face a um novo paradigma, novos desafios se avizinham… e assim que a pandemia for dada como vencida a nível global o olhar deverá focar-se nas próximas crises e cenários que se vão tornando cada vez mais reais. Afinal, a essência da estratégia é vencer a guerra antes da guerra.
Por Daniel Lara