Opinião
O Kwanza em agonia: crise fabricada ou destino económico?
Nos últimos anos, o Kwanza (AOA) tem sido alvo de sucessivas desvalorizações, levantando um intenso debate sobre as reais causas desse fenómeno e as possíveis estratégias para a sua reversão. A desvalorização da moeda nacional não é apenas um reflexo da fragilidade económica de Angola, mas também um sintoma de problemas estruturais profundamente enraizados, como a dependência do petróleo, a falta de diversificação da economia, o défice orçamental persistente e a expansão monetária descontrolada.
A questão que se impõe é: o colapso do Kwanza resulta de uma crise inevitável dentro do contexto económico global ou de uma gestão ineficaz das políticas monetárias e fiscais do país? Para além das forças externas, a condução das políticas económicas internas tem desempenhado um papel determinante na trajectória da moeda nacional, influenciando directamente a inflação, o poder de compra da população e a estabilidade do mercado cambial.
A presente análise pretende explorar os factores responsáveis pela desvalorização do Kwanza, evidenciando a complexa rede de variáveis que afectam o seu valor. Além disso, propõe estratégias concretas para inverter esse quadro e promover a valorização sustentável da moeda angolana, garantindo maior estabilidade financeira e confiança no mercado interno.
As Variáveis da Desvalorização do Kwanza
A desvalorização do Kwanza não ocorre de forma isolada; é impulsionada por um conjunto de factores internos e externos que interagem para enfraquecer a moeda nacional. Entre as principais causas desse declínio, destacam-se:
1. Inflação Elevada
A inflação tem sido um dos maiores inimigos da moeda nacional, corroendo o seu poder de compra e gerando instabilidade nos preços dos bens e serviços. De acordo com Dornbusch, Fischer e Startz (2014), “a inflação excessiva deteriora o valor real da moeda e prejudica a confiança no sistema financeiro”. A inflação em Angola tem sido alimentada pelo aumento dos custos de produção, pela escassez de produtos essenciais e pela desvalorização cambial, que encarece as importações.
2. Défice Orçamental e Dívida Pública
A incapacidade do Estado de equilibrar receitas e despesas tem um impacto directo na desvalorização do Kwanza. Como explica Krugman (1998), “os défices orçamentais crónicos forçam os governos a recorrer ao endividamento ou à emissão de moeda, resultando na desvalorização da moeda nacional”. Angola tem enfrentado dificuldades para reduzir o seu endividamento, recorrendo frequentemente a empréstimos internos e externos, o que agrava a pressão sobre as finanças públicas e mina a estabilidade do Kwanza.
3. Dependência do Petróleo
A economia angolana continua excessivamente dependente das exportações de petróleo, que representam a principal fonte de divisas para o país. Como destaca Sachs e Warner (2001), “países ricos em recursos naturais tendem a sofrer da ‘doença holandesa’, tornando-se vulneráveis a choques externos”. A queda nos preços internacionais do petróleo reduz significativamente as receitas do Estado, limitando a disponibilidade de moeda estrangeira e forçando uma depreciação do Kwanza.
4. Política Monetária do Banco Nacional de Angola
A Constituição da República de Angola estabelece que o Banco Nacional de Angola (BNA) deve gozar de autonomia administrativa, financeira e patrimonial para garantir a condução independente da política monetária e cambial do país. Essa autonomia é essencial para evitar interferências políticas na gestão da moeda e assegurar a estabilidade financeira, conforme defendido por Mishkin (2016), ao afirmar que “um banco central independente reduz a inflação e fortalece a credibilidade da política económica”. No entanto, apesar desse princípio constitucional, a realidade angolana ainda revela desafios na aplicação efectiva dessa autonomia, com pressões governamentais influenciando decisões monetárias, o que compromete a eficácia da política económica e agrava a desvalorização do Kwanza.
5. Fuga de Capitais e Especulação Cambial
A instabilidade política e económica em Angola leva muitos investidores a procurarem activos mais seguros, resultando na fuga de capitais para moedas mais estáveis, como o dólar e o euro. Segundo Kindleberger (1978), “a fuga de capitais ocorre quando os investidores perdem confiança na economia de um país, exacerbando a crise cambial”. Além disso, a especulação no mercado cambial contribui para a volatilidade do Kwanza, agravando a sua desvalorização.
A Problemática da Impressão de Moeda e da Expansão Monetária Bancária
A emissão de moeda e a expansão do crédito bancário são ferramentas essenciais da política monetária, mas quando utilizadas de forma inadequada, podem ter efeitos devastadores sobre a economia.
1. Impressão Excessiva de Moeda
Quando o Banco Nacional de Angola imprime moeda sem um correspondente aumento na produção de bens e serviços, cria-se um excesso de liquidez na economia. Como aponta Friedman (1970), “a inflação é sempre e em toda parte um fenómeno monetário”. Isso significa que a oferta excessiva de dinheiro impulsiona a inflação, reduzindo ainda mais o valor do Kwanza.
2. Expansão Monetária Bancária
Os bancos comerciais também desempenham um papel crucial na oferta de dinheiro. Quando concedem créditos sem um devido respaldo em reservas reais, criam dinheiro electronicamente, aumentando a circulação monetária no mercado. Se essa prática ocorre de forma descontrolada, gera inflação e contribui para a desvalorização do Kwanza (Mishkin, 2016).
Caminhos para a Valorização do Kwanza
Para fortalecer o Kwanza e garantir a sua estabilidade, Angola deve adoptar um conjunto de estratégias bem coordenadas. Entre as principais medidas que podem ser implementadas, destacam-se:
1. Estabilidade Macroeconómica
O governo deve focar no controlo da inflação, na redução do défice orçamental e na gestão eficiente da dívida pública. Como argumenta Dornbusch (1993), “a disciplina fiscal é essencial para a estabilidade monetária e a confiança dos investidores”.
2. Diversificação da Economia
A diversificação económica é fundamental para reduzir a dependência do petróleo e fortalecer outros sectores produtivos, como a agricultura, a indústria e o turismo. Rodrik (2008) enfatiza que “economias diversificadas são mais resilientes a choques externos e apresentam maior estabilidade monetária”.
3. Política Cambial Eficiente
O Banco Nacional de Angola deve acumular reservas internacionais suficientes para intervir no mercado cambial quando necessário, garantindo maior estabilidade do Kwanza. Além disso, a adopção de um câmbio competitivo pode ajudar a evitar especulações e fugas de capitais.
4. Atracção de Investimento Estrangeiro Directo (IED)
Melhorar o ambiente de negócios, reduzir a burocracia e combater a corrupção são passos fundamentais para atrair investimentos estrangeiros. Como aponta Porter (1990), “um ambiente empresarial saudável atrai capital estrangeiro e fortalece a economia local”.
5. Incentivo às Exportações e Produção Nacional
O governo deve investir na produção nacional, reduzindo a dependência de importações e estimulando as exportações. A criação de incentivos fiscais e o apoio à industrialização podem contribuir para um maior equilíbrio da balança comercial.
Finalmente, a desvalorização do Kwanza não é um fenómeno isolado, mas sim o reflexo de uma estrutura económica fragilizada por políticas inadequadas e uma dependência excessiva do sector petrolífero. Se Angola não adoptar reformas económicas profundas e sustentáveis, a moeda nacional continuará a sofrer pressões depreciativas, impactando negativamente a economia e o poder de compra da população.
A valorização do Kwanza não ocorrerá de forma automática, mas sim como resultado de um esforço estratégico e bem coordenado. Com uma gestão económica mais eficiente, um compromisso firme do governo e um ambiente de negócios mais competitivo, é possível recuperar o valor da moeda nacional e garantir um crescimento económico sustentável.