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Opinião

O fim da USAID e as suas implicações para África: uma abordagem realista

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A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) tem sido, desde a sua criação em 1961, um dos principais instrumentos da política externa norte-americana, promovendo o desenvolvimento global através de assistência financeira, técnica e humanitária. O seu eventual fim, seja por cortes orçamentais, mudanças estratégicas na política externa dos EUA ou realocação de fundos para outras prioridades, teria implicações significativas, especialmente para África, onde a agência desempenha um papel central em áreas como saúde, segurança alimentar, democracia e governação.

Este artigo analisa, sob uma abordagem realista e prática, as possíveis repercussões do encerramento da USAID no continente africano, explorando os impactos económicos, políticos e sociais, bem como as oportunidades e desafios que se colocam aos Estados africanos na redefinição das suas estratégias de desenvolvimento.

1. A USAID e a sua Relevância em África

A USAID opera em vários sectores críticos no continente, destacando-se:

Saúde pública: Financiamento de programas de combate ao VIH/SIDA, malária e tuberculose, além do fortalecimento dos sistemas de saúde.

Segurança alimentar: Apoio a programas agrícolas e de resiliência climática, incluindo o programa Feed the Future.

Democracia e governação: Financiamento de eleições, capacitação de instituições estatais e promoção dos direitos humanos.

Ajuda humanitária: Resposta a crises humanitárias, incluindo apoio a deslocados internos e refugiados.

A retirada ou extinção da agência interromperia fluxos financeiros essenciais, deixando lacunas que os Estados africanos teriam de preencher com soluções alternativas.

2. Impactos Económicos: Dependência e Reconfiguração

A USAID injeta anualmente milhares de milhões de dólares em África. O seu desaparecimento afetaria economias dependentes da ajuda externa, podendo levar a:

Redução do financiamento ao sector da saúde: Países como Moçambique, Uganda e a República Democrática do Congo enfrentariam dificuldades na manutenção de programas de saúde pública.

Queda no investimento agrícola e insegurança alimentar: Pequenos agricultores, que dependem do apoio técnico e financeiro da USAID, poderiam sofrer com a falta de assistência.

Impacto no financiamento de infraestruturas e PME: Iniciativas voltadas para o empreendedorismo africano perderiam fontes de financiamento, limitando a criação de emprego.

Contudo, esta situação também pode forçar os governos africanos a diversificar as suas fontes de financiamento e apostar em parcerias estratégicas com outras potências emergentes, como a China, a Rússia e os Estados do Golfo.

3. Implicações Políticas e Geoestratégicas

A retirada da USAID reconfiguraria a influência dos EUA em África. A longo prazo, isso poderia:

Reduzir a presença norte-americana na governança africana, abrindo espaço para maior influência da China e da Rússia, que já intensificam as suas relações com o continente.

Diminuir a capacidade de monitorização e apoio aos processos democráticos, afetando a credibilidade das eleições em países instáveis.

Enfraquecer parcerias de segurança e combate ao terrorismo, comprometendo a estabilidade regional em zonas como o Sahel e a região dos Grandes Lagos.

Do ponto de vista realista, a política externa norte-americana não se baseia apenas na ajuda ao desenvolvimento, mas também na manutenção da sua influência geopolítica. Assim, mesmo com o fim da USAID, os EUA podem optar por fortalecer a sua presença através de mecanismos militares e comerciais, como o AFRICOM e a Millennium Challenge Corporation.

4. Alternativas para África: Entre a Autonomia e a Cooperação Internacional

O fim da USAID representa um desafio, mas também uma oportunidade para os países africanos repensarem os seus modelos de financiamento e desenvolvimento. Algumas estratégias incluem:

Aumento do investimento interno: Fortalecimento das economias locais por meio da industrialização e da diversificação económica.

Reforço da cooperação Sul-Sul: Parcerias estratégicas com economias emergentes, como Brasil, Índia e os países do Médio Oriente, reduzindo a dependência ocidental.

Maior integração regional: O fortalecimento da Zona de Comércio Livre Continental Africana (AfCFTA) pode incentivar o crescimento económico intra-africano.

Captação de fundos junto a organismos multilaterais: O Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) podem assumir um papel mais relevante no financiamento do desenvolvimento.

Conclusão

O eventual fim da USAID marcaria uma mudança na relação entre os EUA e África, enfraquecendo financeiramente diversos sectores e reconfigurando alianças geopolíticas. Contudo, este cenário deve ser encarado como um alerta para que os Estados africanos reforcem a sua autonomia económica e diversifiquem as suas parcerias internacionais.
Ao invés de permanecerem reféns da ajuda externa, os países africanos devem transformar esta crise potencial numa oportunidade para fortalecer as suas instituições, impulsionar o comércio regional e consolidar um modelo de desenvolvimento sustentável e independente.

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