Crónica

O espelho dos nossos dedos!

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Vivemos numa sociedade em que apontar o dedo aos outros se tornou quase um desporto colectivo. Julgar, criticar, condenar, muitas vezes com fervor, parece dar-nos um certo alívio, como se ao expor a falha do vizinho pudéssemos ocultar as nossas próprias imperfeições. Mas, no fundo, este gesto de acusação é, quase sempre, um espelho que devolve a imagem dos nossos próprios defeitos.

Carl Jung lembrava que aquilo que mais nos irrita nos outros pode ser justamente a chave para compreendermos melhor a nós mesmos. E é nessa linha que a hipocrisia se revela: criticamos nos outros aquilo que, muitas vezes, carregamos em silêncio dentro de nós. É mais fácil condenar a vaidade do colega, quando, no fundo, também desejamos secretamente ser reconhecidos. É mais cómodo ridicularizar o erro do próximo, quando carregamos fracassos que escondemos a sete chaves.

O dedo que aponta acusa, mas também denuncia. Denuncia a nossa incapacidade de encarar de frente os nossos próprios limites. Denuncia a fragilidade de um ego que prefere projectar-se nos outros a assumir as próprias sombras. E, quanto mais alto levantamos a voz contra o erro alheio, mais alto gritamos, sem querer, sobre a ferida que carregamos dentro de nós.

Talvez fosse mais sábio, antes de levantar o dedo, levantar um espelho. Em vez de julgar a pressa do outro, reconhecer a nossa própria impaciência. Em vez de condenar o orgulho alheio, aceitar a nossa vaidade disfarçada. Em vez de rir do tropeço do vizinho, recordar os nossos próprios escorregões.

Julgar os outros pode dar-nos a ilusão de superioridade, mas compreender a nós mesmos dá-nos a verdadeira liberdade. Porque, no fim das contas, o dedo que aponta pode ser também o dedo que acusa e a hipocrisia nada mais é do que a confissão silenciosa de que ainda não aprendemos a lidar com as nossas próprias falhas.

Antes de acusar, talvez devêssemos perguntar: o que é que este gesto do outro está a revelar sobre mim?

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