Ligar-se a nós

Crónica ideal ao Domingo

O (de)legado do IMEL

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Por: Edson Kassanga
                                      “A escola não transforma a realidade, mas pode ajudar a formar os sujeitos capazes de fazer a transformação da sociedade, do mundo, de si mesmos…”
Paulo Freire

Do primeiro ao duro derradeiro suspiro de vida, é na fase da infância, essencialmente entre os zero aos cinco anos de idade, em que se forma a personalidade de todos cujo conjunto chama-se humanidade, de acordo com os entes que têm em mente a mente dos seres humanos como objecto de estudo. Nesse período, onde a cândida dá largas à utopia moldando a demasiada dor num tom brando e bastante rente ao divertido, as características intrínsecas do então tão novo hóspede do mundo sofre influências dos próprios semelhantes que o cercam, geralmente seus familiares mais lado a lado.

Embora tais influências contribuem, sobremaneira, para a maneira como esse olhará, entenderá e reagirá às múltiplas telas da vida, a instituição social que, mais ou menos, sucede a família não desempenha um papel de somenos no processo de formação da sua personalidade. Para qualquer indivíduo, a sociedade também imprimi marcas e metamorfoses que nem a véspera da velhice, porventura nem mesmo a própria velhice, consegue apagá-las.

Amiúde, a nossa interacção com a sociedade inicia por via da escola. Essa apresenta-se como o mordomo que nos escancara a porta à sociedade, porém não permanece especado à espera pelo nosso regresso, um retorno cujo o quando, bem como o como sabem da inequívoca inexistência das respectivas noivas. Muito antes de qualquer igreja ou associação, a escola foi a instituição com a qual mantivemos contacto em primeira mão, não obstante inicialmente esse acto ter sido fruto de estímulos externos. As nossas pioneiras e saudosas idas à escola emanaram da obediência às ordens de quem se sentiu na responsabilidade de zelar por um porvir portentoso para nós e dos estímulos que determinadas pessoas -intimamente interligadas a nós e com idades cronológicas superiores às nossas- faziam-nos sentir sempre que as víssemos, gordas e grávidas de satisfação, a se aviarem para irem à instituição acima citada.

Mais tarde, aportou a nossa vez. A nossa idade deu-nos luz verde para finalmente irmos à escola. Porém, volvidos diminutos anitos, uma extensa nuvem densa encobriu a diapasão que tínhamos desse lugar, deixando nossa visão vencida pela confusão feito uma vidraça embaciada. Já não sabíamos se os nossos “dikotas” demonstravam disposição disfarçada nos momentos em que se preparavam para “bazarem na escola”, ou se as nossas límpidas vistas vislumbravam o que realmente não existia, pois que, a brandura com a qual conhecemos as nossas professoras esvaia, a passos de tartaruga antiga nos anos, perante o recrudescimento de suas repreensões e outros sons explicitamente diferentes do efeito relaxante do dó.

À guisa de exemplos, para além das horas de aulas aumentarem, as brincadeiras e as canções foram substituídas por letras e números difíceis de arrumar nas gavetas da memória; as palminhas divertidas abriram alas largas para as palmatoadas amargas com a chaga “maria das dores”; a frase “não faz isso menino” passou a causar azia em demasia às professoras e, causalmente por isso, cambiaram-na com a “estás de castigo”, anunciando trouxas de troça a flutuarem sobre um lago de lágrimas. Enfim, as professoras pacientes e sorridentes iam revelando-se em professoras opressoras.

Contudo, desistimos de desistir da escola. Os conhecimentos que nela havíamos recebido naquela altura -quer através do envolvimento aprazível do entretenimento, quer devido ao medo de ser o abrigo de todos os castigos, quer por conta da tamanha vergonha que os segue atrás- permanecemos de kimbalas erguidas viradas para o céu. Já conseguíamos ver tais conhecimentos a transporem a fronteira do abstracto. Eles ganharam estrutura e sobre o seu conjunto nós sentíamo-nos hábeis em alargar o horizonte para onde os nossos olhos eram incapazes de incidir luzes, ou seja, eles muniram-nos de objectivas pelas quais perpassamos a observar o mundo de modo mais profundo, mais amplo e mais múltiplo, assim como quem visualiza a natureza do zênite de um monte imponente.

Perante esse cenário, o nosso eu não continuou ileso. A frequência na escola colocou-nos em frente de diversos desafios pelos quais tivemos de espremer a areia molhada para não morrermos de sede. Tal esforço nos conduziu à descoberta do nosso carácter -na medida em ficamos a saber do grau de facilidade e de dificuldade que ele oferecia-nos na realização de certas actividades- e à busca de caminhos para aligeirar ou eliminar as nossas debilidades, mediante as metas que incessantemente íamos estabelecendo para a nossa vida, segundo os impasses que impediam o alcance das mesmas. Por conseguinte, as nossas características peculiares adquiriram novas perspectivas e novas performances de reacção a tudo que nos acontecia, em comparação à época caduca em que a escola não passava da saudade por um passado nunca vivenciado.

Nesse processo de formação ou afirmação de personalidade, existem escolas cujos impactos na nossa vida foram mais compactos do que em outras. O aroma de algumas deixou-se logo esvoaçar pelo vento lasso no mesmo espaço temporal em que o abraço foi desfeito. Já o aroma das demais, instalou-se nas instâncias mais íntimas do nosso eu, depois de adentrar todas as irmãs dermes com te(n)são e afeição, atiçando-nos a sentí-lo sempre e sempre e para sempre. Colocando-me numa posição de objecto concreto de estudo, tenho a íntegra certeza, face às repetidas ocasiões em que águas de variegados lados foram desaguar no mesmo lago, que não existe outra instituição de ensino que me tenha transmudado tanto tal qual o IMEL, Instituto Médio de Economia do Lubango.

Durante um percurso arco-íris de dois pares de anos, essa insígne instituição posicionou poderosos desafios na minha ainda miúda estrada; apresentou-me a pessoas cuja visão e compromisso com a nação desafiam a existência do demónio; ela deu-me a sentir sensações que dada a sua sublime intensidade cicatrizaram amenamente a minha alma; ela estendeu-me a mão e nela pude achar as chances e as ferramentas de que eu necessitava para superar os obstáculos que eu gerava aos meus próprios sonhos; nela aprendi lições que metamorfosearam as plantas dos meus pés em férteis sementes; enfim, nela deu-se a revolução da minha vida.

Em síntese, dada a idade com a qual iniciamos a frequentar a escola e o tempo em que nela permanecemos, a sua importância na nossa vida vai para além das cercas do saber científico. Enorme metade de tudo quanto ocorre na escola, enquanto estamos no seu recinto, impulsiona variações no nosso estado de ânimo. Alguns desses acontecimentos chegam a ser tão fortes que marcam a nossa personalidade por toda eternidade. Não é menos verdade que ao longo dos quatros anos em que estudei no IMEL estive debaixo de inúmeras influências que sabem a mel. Essas estiveram no cerne do estudante visível no qual me tornei, mas principalmente no centro das qualidades que passei possuir como indivíduo, como munícipe, como cidadão, como…

CRÓNICA DEDICADA A TODOS OS (EX)PROFESSORES E (EX)ESTUDANTES DO IMEL, ESSENCIALMENTE E MUI AFECTUOSAMENTE AOS DO PRIMEIRO CURSO DE CIÊNCIAS HUMANAS.

Edson Kassanga, O DELEGADO




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