Opinião
O cisne negro na justiça angolana
A condenação do Rei do Bailundo, a 6 anos de prisão maior, impeliu um amplo debate público de juristas e não só, sobre a convivência entre o direito positivo e o direito consuetudinário na nossa ordem jurídica.
Este facto, por ser inédito na justiça angolana, é razão da qualificação de cisne negro, pela sua raridade nas decisões dos nossos tribunais. Por razões de ordem epistemológica, manifesto que sou um leigo no direito, embora a fronteira entre a minha filiação intelectual com o direito ser tênue. Essa análise surge, por força da minha intensa e larga convivência com o Poder Tradicional.
Convenhamos admitir que o Poder tradicional é anterior ao Estado na sua configuração moderna. O Poder tradicional tem uma existência secular e que, seus usos e costumes é que ordenava e ordena toda relação com os demais sujeitos. Em África, pela sua tradição de comunicação oral e ausência da escrita antes da presença colonial, a questão é ainda mais concreta. Para Bobbio, a sobrevivência de costumes jurídicos em ordenamentos dos Estados hodiernos, constitui o testemunho da existência de antigos ordenamentos pré-estaduais de caráter consuetudinário.
O Direito consuetudinário, tem reconhecimento no Direito Internacional, conforme ensina Rezek, não existe uma hierarquia entre direito internacional consuetudinário e as normas positivadas, ambas ee derogam. O costume internacional, traduz-se pela repetição de actos, comportamentos e opiniões na administração de suas relações externas ou da organização interna, pelos sujeitos de Direito Internacional. O artigo 38.1b do Estatuto da Corte Internacional de Justiça define como Costume internacional a “evidência de uma prática geral aceita como lei conforme Benigno Novo. Adiciona Novo, que o Costume possui dois elementos para que se verifique:
1 – Corpus (material): repetição constante e uniforme de uma prática social;
2 – Animus (psicológico): é a convicção de que a prática social reiterada constante e uniforme é necessária e obrigatória;.
Incidindo especialmente sobre a nossa realidade costumeira, a questão da condenação do Rei Ekuikui parece ser um ponto de partida sobre uma reflexão mais extensiva onde não se deve ignorar o diálogo epistemológico em que, as várias áreas do saber, são chamadas a debitar
contribuições, para uma nova arquitectura do poder tradicional. A dimensão de um Rei no poder tradicional é enorme, em muitos casos, o Rei serve de instância de recurso, nas situações em que, outras autoridades tradicionais dentro do reinado recorrem ao Rei para julgar àqueles casos mais complexos na estrutura da corte.
O problema do nosso poder tradicional, pode estar na genética do nosso constitucionalismo, por este, não comportar muita percentagem do ADN dos nossos costumes enquanto fonte do direito. Uma lei não escrita chega a ter mais alcance e praticidade que a formal. A tradição constitucional britânica é um exemplo bem conhecido. A Common Law de origem no direito consuetudinário, em que os actos dos tribunais, do poder legislativo e executivo são baseados nas práticas anteriores à vida colectiva, pode ser um caso de base empírica. É claro que em África, temos também casos bem conseguido.
Em algumas comunidades do Uíge, onde tive oportunidade de testemunhar pela minha observação participada, as autoridades tradicionais julgam os actos publicamente numa espécie da Ágora ateniense, em que, toda comunidade era convocada a participar e cada um, poderia fazer uso da palavra. Os indivíduos acusados de roubos ou de violação da conduta da moral, eram punidos na praça pública, e o sobado decretava uma pena que variava em função da gravidade do actos praticados. Uns eram estipulados um número exacto de palmatória, outros expulsão da comunidade por tempo determinado ou ainda o sobado convertia a pena em multa à favor dos ofendidos e da corte do sobado. É um pequeno exemplo de realização da justiça e da prática democrática. Temos uma rica experiência consuetudinária, que poderíamos estudar e harmonizar com o direito positivo.
Precisamos discutir com alguma urgência, os limites explícitos e implícitos, que separam um do outro, de modo a oferecer maior segurança jurídica dada sua clareza. E não se pode isolar esse assunto a mera discussão e contribuição jurídica como de costume.
Por: Benjamim Dunda
Politólogo