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Opinião

O campo esvazia, a cidade colapsa: até quando Angola vai ignorar o êxodo rural?

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O êxodo rural é um fenómeno que ocorre em diversos países, caracterizando-se pela migração em larga escala da população do campo para as cidades. Esse deslocamento, embora muitas vezes motivado pela busca de melhores condições de vida e acesso a serviços essenciais, gera uma série de desafios socioeconómicos e ambientais, tanto nas áreas urbanas, que sofrem com o crescimento desordenado, quanto nas zonas rurais, que enfrentam despovoamento e estagnação económica. Segundo Milton Santos (1994), o êxodo rural é um reflexo das desigualdades territoriais, nas quais o desenvolvimento é concentrado nos centros urbanos, em detrimento do campo. No contexto angolano, o fenómeno tem contribuído significativamente para a superlotação das cidades e o abandono das áreas agrícolas, comprometendo a sustentabilidade e o equilíbrio do desenvolvimento nacional.

Os Problemas do Êxodo Rural pelo Mundo

Em diversas partes do mundo, o êxodo rural tem sido um dos principais motores da urbanização acelerada. De acordo com Davis (2006), a urbanização global é resultado directo da falta de oportunidades no campo e do crescimento das economias industriais e de serviços nas cidades. No Sul Global, esse processo tem ocorrido de maneira desordenada, gerando favelização, desemprego e sobrecarga nos serviços públicos.

Na Índia, por exemplo, a migração rural-urbana tem levado a um crescimento explosivo de megacidades como Nova Deli e Mumbai, onde milhões de pessoas vivem em assentamentos informais sem acesso a infra-estruturas básicas. De acordo com Bhagat (2011), as políticas de industrialização e modernização da agricultura na Índia reduziram a necessidade de mão-de-obra rural, expulsando milhares de trabalhadores do campo.

Na América Latina, países como Brasil e México enfrentam problemas semelhantes. No Brasil, o declínio da população rural foi acelerado a partir da década de 1970, com a mecanização da agricultura e a falta de incentivos para a permanência dos trabalhadores no campo (Graziano da Silva, 1999). Como resultado, cidades como São Paulo e Rio de Janeiro viram sua população explodir, acompanhada pelo crescimento de favelas e aumento da criminalidade.

Na Europa, o problema manifesta-se de forma diferente. O despovoamento do interior tem levado governos a oferecer incentivos para que as pessoas permaneçam no campo, incluindo subsídios para a agricultura familiar e investimentos em infra-estruturas digitais. Segundo Cloke e Goodwin (1992), a revitalização rural na Europa passa pela diversificação económica e pelo fortalecimento do turismo rural e das pequenas indústrias.

A Realidade Angolana: Superlotação Urbana e Desvalorização do Campo

Em Angola, o êxodo rural tem sido um dos principais factores para o crescimento desordenado das cidades, especialmente Luanda, Benguela e Lubango. A urbanização acelerada, sem o devido planeamento, resulta em bairros periféricos sem infra-estruturas básicas, contribuindo para o aumento do desemprego, da pobreza e da criminalidade. O economista angolano Justino Pinto de Andrade (2015) destaca que a falta de políticas estruturadas para o desenvolvimento rural tem sido um dos factores que mais impulsionam a migração do campo para a cidade, agravando a desigualdade socioeconómica.

Além dos desafios urbanos, o despovoamento das áreas rurais compromete a produção agrícola e a segurança alimentar do país. Segundo o Banco Mundial (2020), Angola possui vastas terras aráveis e recursos hídricos abundantes, mas a sua produção agrícola é insuficiente para atender às necessidades da população, tornando o país dependente da importação de alimentos. Esse quadro é agravado pela falta de investimentos no sector agrícola e pelo envelhecimento da população rural, uma vez que os jovens, sem perspectivas de futuro no campo, migram para as cidades.

Diante desse cenário, as Administrações Municipais desempenham um papel fundamental na promoção da permanência dos cidadãos nos municípios rurais. Segundo Oliveira (2018), a descentralização administrativa e o fortalecimento da governação local são essenciais para o desenvolvimento sustentável das regiões rurais. As administrações municipais devem implementar políticas de desenvolvimento local que garantam acesso a educação de qualidade, assistência médica adequada e oportunidades de emprego. Além disso, devem investir na melhoria das infra-estruturas básicas, como estradas, electrificação e abastecimento de água, criando um ambiente propício para que as famílias optem por permanecer e prosperar nas suas comunidades de origem.

Como parte das iniciativas governativas para desencorajar o êxodo rural, Angola tem apostado na criação de vilas agrárias, que visam oferecer melhores condições de vida para as populações do interior. Estas vilas são concebidas como comunidades agrícolas sustentáveis, equipadas com habitação digna, escolas, centros de saúde e mercados locais para o escoamento da produção. Segundo o Ministério da Agricultura e Florestas (2022), essas vilas têm o objectivo de fixar a população no campo, garantindo não apenas infra-estruturas, mas também apoio técnico e financeiro para os agricultores. Essa estratégia segue o modelo de países como Ruanda e China, onde programas semelhantes têm contribuído para a revitalização das zonas rurais e o desenvolvimento equilibrado entre o campo e a cidade.

Caminhos para Reverter o Êxodo Rural

O combate ao êxodo rural exige uma abordagem estratégica e multidimensional. Para tornar as áreas rurais mais atractivas, é fundamental investir em infra-estruturas, garantindo acesso a estradas de qualidade, electrificação, saneamento básico e telecomunicações. Programas de incentivo à agricultura familiar e à mecanização agrícola podem melhorar a produtividade e garantir melhores condições de vida para os agricultores.

Além disso, a descentralização económica, com a criação de pólos industriais no interior, pode gerar empregos e reduzir a necessidade de migração para os grandes centros urbanos. O fortalecimento da educação e da formação profissional voltada para o desenvolvimento rural também é essencial para criar novas oportunidades no campo. Segundo Amartya Sen (1999), a ampliação das liberdades individuais passa pelo fortalecimento da educação e da capacidade produtiva das comunidades locais, permitindo que os cidadãos escolham onde viver e trabalhar sem imposições económicas.

Outra estratégia importante é o incentivo ao turismo rural e ao ecoturismo, aproveitando as riquezas naturais e culturais das regiões do interior. De acordo com Lane (2009), o turismo rural pode ser uma alternativa viável para a geração de rendimento, especialmente em países com vastos territórios rurais e biodiversidade rica, como Angola.

Finalmente, o êxodo rural não é um problema exclusivo de Angola, mas a sua intensificação no país exige soluções urgentes. Se não forem implementadas políticas eficazes para equilibrar o desenvolvimento urbano e rural, as cidades continuarão a enfrentar superlotação e colapso dos serviços públicos, enquanto o campo permanecerá estagnado. A modernização da agricultura, o fortalecimento das infra-estruturas rurais e a criação de oportunidades económicas fora dos grandes centros são passos fundamentais para reverter essa tendência. Como defende Jeffrey Sachs (2004), um desenvolvimento sustentável e inclusivo deve garantir que todas as regiões de um país tenham acesso a oportunidades de crescimento, reduzindo as desigualdades e promovendo uma economia equilibrada.

Em Angola, a responsabilidade recai sobre o governo central e as administrações municipais, que devem priorizar investimentos estratégicos para tornar o campo um espaço economicamente viável e socialmente atractivo. Somente assim será possível conter o êxodo rural e garantir um futuro mais sustentável e equilibrado para o país.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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1 Comentário

1 Comentário

  1. francisco santos

    02/04/2025 em 2:03 pm

    O problema e que quase ninguém indica uma ideia prática para o retorno dessas pessoas de regresso ao campo.
    No caso de Angola,a criação de um 4 ramo das Forças Armadas com a única finalidade de repovoar as zonas rurais,com a criação de novos assentos (aldeias rurais), para esses jovens que teriam como recrutas formação de interesse na reconstrução nacional ( pedreiros, carpinteiros, mecânicos, tractoristas, práticos agrícolas etc ).
    Isto porque sabemos que o retorno não é voluntário, mesmo que no futuro se diga que vão ser criadas condições de vida condignas nas regiões rurais.

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