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Opinião

O Bioterrorismo como ameaça global: a segurança e defesa alimentar

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Os vários ataques bioterroristas que causam um número considerável de mortes e doenças demonstram que os movimentos terroristas têm crescido e que continuam a querer combater pelas suas causas sejam elas motivadas por ideologias políticas ou religiosas, e que as populações estão cada vez mais expostas a perigos.

No caso do bioterrorismo o perigo é definido, segundo o Codex Alimentarius “como um agente biológico, químico ou físico presente no alimento ou situação por ele causada que tenha um efeito adverso na saúde”. As novas formas de terrorismo e os respetivos métodos operacionais exigem mais eficácia nos planos de prevenção das entidades governamentais, polícias e comunidades de inteligência, assim como das entidades vocacionadas para a defesa e segurança das cadeias alimentares.

A articulação entre os serviços e forças de segurança deve realizar-se cada vez mais dentro de um quadro de cooperação internacional que ofereça resposta eficaz a um fornecimento de alimentos seguro, e que permita ser implacável perante a ação das organizações terroristas. A definição clássica de bioterrorismo é “o uso intencional e a disseminação de qualquer agente biológico para causar doença ou morte em humanos, animais, plantas ou qualquer outro ser vivo” com o objetivo de intimidar ou exercer a coerção à população civil e influenciar políticas governamentais. O bioterrorismo é uma ameaça crescente temida por governos e tem sido motivo de alerta para aquilo que podem ser chamadas as novas guerras.

A discussão das ameaças biológicas é uma tarefa sensível que caberá aos políticos, estrategistas militares, cientistas e académicos. Tudo isso deverá servir o grande objetivo de criar uma barreira contra ameaças menos prováveis, mas com consequências bastante mais amplas.

Neste artigo, trago-vos o caso do ataque bioterrorista de Rajneshee.

Trata-se do protagonista de um dos maiores ataques bioterrorista da história dos Estados Unidos da América em 1984, no Oregon em que o agente utilizado foi a Salmonela. Iremos ainda falar da segurança alimentar, defesa alimentar e os restantes conceitos. Esqueçamos as guerras de trincheiras, uma das conhecidas estratégias militares usadas na Primeira Guerra Mundial. Os novos conflitos são sofisticados e uma parte deles passam despercebidos. É o caso do bioterrorismo ou guerra bacteriológica.

Para se entender um dos casos de bioterrorismo, basta relembrar o documentário da Netflix Wild Wild Country- baseado no ataque bacteriológico de Ohio em 1984 que afetou cerca de 750 pessoas. Em meados dos finais dos anos 1970 na Índia, um movimento místico/religioso de seguidores de um guru chamado Rajneesh tinha-se formado na cidade de Pune. Este movimento oriundo dos movimentos new-age pregava um conjunto de filosofias e modos alternativos de se viver em sociedade, e teve um grande impacto em jovens ocidentais abastados que deixavam tudo nos Estados Unidos da América ou na Europa para se juntarem à comunidade na Índia. Em 1981 o guru e o seu círculo íntimo decidiram fugir da Índia devido a perseguições de natureza jurídica, e fugiram para os EUA onde tentaram recriar a 2 / 7 comunidade Rajneeshpuram comprando para tal efeito um grande terreno no estado do Oregon, condado de Wasco.

A comunidade rapidamente se desenvolveu com milhares dos seguidores sannyasins a instalarem-se ilegalmente no terreno e começaram a criar a toda a velocidade uma cidade autossuficiente. Em pouco tempo começou a haver conflitos locais entre a população do condado que se sentiu invadida e a comunidade new-age que se instalou na vizinhança.

A comunidade estava a tentar obter o estatuto de cidade autónoma a fim de se poder autogovernar, e rapidamente se criou um clima de polarização entre as diversas cidades do condado e a comunidade, nessa época, criada.

Numa tentativa de se apoderarem dos órgãos políticos do condado com o intuito de terem margem de manobra para se imporem aos restantes cidadãos, um grupo de extremistas dentro da comunidade congeminou um plano que visava garantir uma vitória eleitoral. Esse plano que foi levado a cabo ficou conhecido como o primeiro ataque bioterrorista nos EUA. Um grupo de líderes da comunidade planeou infetar os cidadãos de uma cidade vizinha, The Dalles, cidade mais populosa do condado de modo a tentarem garantir que uma grande parte dos eleitores não fosse votar, dando assim a vitória eleitoral aos representantes dos sannyasins. Assim construíram um laboratório na comunidade, e adquiriram a uma empresa de suprimentos médicos em Seattle, no Estado de Washington, a bactéria Salmonella enterica Typhimurium que começaram a cultivar em laboratório.

Depois, membros da comunidade empenhados em levar a cabo o plano, foram à cidade The Dalles onde conseguiram infiltrar-se em 10 restaurantes locais e contaminaram os “salad-bars”, pulverizando a bactéria nos alimentos de modo a contaminar o máximo de consumidores possível. Houve também tentativas de contaminar as fontes de abastecimento de água da cidade através de patogénicos, assim como a contaminação de indivíduos-alvo através de introdução de patogénicos em chocolates, por exemplo. Rapidamente começaram a aparecer cada vez mais pessoas na cidade a ficarem doentes com salmonelose até se perceber a origem do ataque com as investigações.

Algumas das pessoas afetadas foram hospitalizadas em estado grave. Felizmente não houve registo de casos mortais devido à bactéria. O objetivo do ataque também não foi atingido pois os representantes da comunidade sannyasins não conseguiram vencer as eleições. Após este caso houve um conjunto de investigações e rapidamente começou a descobrir-se a origem do surto de salmonela, como tendo sido deliberadamente introduzido nos restaurantes com objetivo político-ideológico. Descobriram-se igualmente um conjunto de irregularidades e crimes praticados no seio da comunidade e tornou-se um caso tão mediático que levou a que o governo federal interviesse levando ao encerramento da comunidade naquele local. Alguns dos autores foram presos, o líder da seita foi extraditado para a Índia onde acabou por morrer uns anos depois. Ainda hoje os herdeiros desta comunidade encontram-se um pouco por todo o mundo em comunidades semelhantes.

Este caso deve ser dos casos mais bem estudados e documentados de bioterrorismo, e foi um caso pioneiro para o desenvolvimento da cadeira de Food Defense/ Defesa Alimentar.

Histórico de guerras biológicas

“O ataque biológico mais antigo que se conhece data do início do século XV a.C. em que houve a introdução propositada de troncos infetados com esporos de Bacillus anthracis no Egipto, vitimando dezenas de pessoas, incluindo o próprio faraó. Este ataque é descrito na Bíblia como a quinta praga e é o primeiro ataque biológico documentado. Tendo em conta vários estudos, a utilização de fezes de animais nas flechas, por parte do Homem Neandertal, de forma a aumentar a letalidade das suas armas, é dos exemplos mais antigos de utilização de armas biológicas encontrados na literatura (Cardoso & Cardoso, 2011). No século XIV a.C. os Hititas, um povo indo-europeu, enviavam carneiros infetados com Tularémia para os seus inimigos, de forma a enfraquecê-los (Barras & Greub, 2014).”

A segurança alimentar, defesa alimentar e conceitos relacionados

Os vários agentes biológicos podem ser espalhados intencionalmente pelo ar, água ou introduzidos nos alimentos estão divididos em diferentes categorias.
O CDC, Centers for Disease Control and Prevention dos Estados Unidos da América separa os agentes/doenças por três categorias.:
· Agentes/Doenças
· Categoria A
· Anthrax (Bacillus anthracis)
· Botulism (Clostiridium botunilum toxin)
· Plague (Yersinia pestis)
· Filoviruses (Ebola, Marburg)

Os agentes da Categoria A são definidos por agentes facilmente disseminados ou transmitidos de pessoa para pessoa;
Resultam em alta mortalidade e têm um impacto elevado no sistema de saúde;
Podem causar pânico no publico e perturbação da ordem social.

CATEGORIA B
Food safety threats (Salmonella species, Shighella)
Ricin toxin from Ricinus communis (castor beans)
Typhus fever (Rickettsia prowazekii)
Water safety threats (Vibrio chlorae, Cryptosporodium parvum)
Na categoria B os agentes ou doenças caracterizam-se por serem:
· Consideravelmente fáceis de disseminar;
· Resultam em taxas de mortalidade baixas.

CATEGORIA C
Doenças emergentes como o hantavírus e o vírus Nipah.
Na categoria C, a terceira prioridade mais alta inclui peptógenos emergentes que podem ser disseminados em massa num futuro próximo devido a:
· Disponibilidade;
· Facilidade na produção e disseminação;
· Elevada taxa de mortalidade e impacto na saúde.
· O Bioterrorismo não tem como principal objetivo a morte de um grupo de seres humanos.
Como em todos os sistemas de defesa e segurança, deve-se priorizar o que se quer proteger identificando os perigos que ameaçam as cadeias alimentares.
A definição de food defense de acordo com a Food and Drug Administration (FDA) corresponde ao “conjunto de atividades direcionadas à proteção de atos intencionais de adulteração de qualquer tipo de alimentos.” É a proteção de produtos alimentares de contaminação ou adulteração que vise causar disrupção no sistema económico.

A adulteração ou contaminação de um alimento pode ser classificado como bioterrorismo que visa afetar seres humanos por intermédio de agentes biológicos ou com o objetivo subverter a ordem social económica ou política. As ameaças bioterroristas exigem planos de defesa adequados às mesmas.

A FDA, por exemplo, emitiu em maio de 2016 um plano sobre estratégias de mitigação para proteger alimentos contra a adulteração intencional, com requisitos para instalações cobertas para preparar e implementar planos de defesa alimentar.

Este plano visa a prevenção contra a contaminação intencional e atos que visem causar danos a uma larga escala à saúde das populações, da disseminação do medo e de um impacto psicológico através de atos de terrorismo direcionados ao fornecimento de alimentos.

O plano de defesa deve ser um plano alargado que abranja toda a indústria alimentar e os respetivos reguladores desde a produção de documentos relevantes à identificação e implementação de estratégias de mitigação e procedimentos para a defesa alimentar.

A globalização requer planos de defesa fortes e bem elaborados tendo em conta a elevada circulação de bens e serviços sendo assim a fiscalização de transporte de alimentos muito importante.

De igual forma, será sempre essencial a articulação da defesa alimentar com outros conceitos.
É frequente surgir a dúvida entre os mesmos.

A defesa alimentar consiste nas medidas para proteger os alimentos de atos deliberados de contaminação dos alimentos. O conceito de defesa alimentar refere-se sempre ao ato de contaminação intencional enquanto que na segurança alimentar a intoxicação é não intencional e consiste nas boas práticas e condições de preparação e conservação da qualidade dos alimentos ou refeições como forma de prevenir doenças e a fraude alimentar.

Segundo o U.S Department of Agriculture o conceito de food safety refere-se “às condições e práticas que permitem preservar a qualidade dos alimentos para evitar a contaminação e doenças transmitidas por alimentos.” Este conceito refere-se à contaminação não intencional.

O conceito de food security refere-se à segurança do transporte alimentar desde o local de produção dos géneros alimentícios até às superfícies comerciais ou restaurantes. É também a certeza que a população tem acesso aos alimentos de forma segura e que os mesmos atendam às suas preferências alimentares proporcionando assim uma vida saudável.

O conceito de food fraud consiste nas práticas intencionais de adulteração de alimentos ou ingredientes, embalagens e informação falsa sobre um produto que cause um impacto na saúde de quem vai consumir esses alimentos.

A criação da Autoridade Nacional de Inspeção Económica e Segurança Alimentar enquanto estratégia de segurança alimentar
Cumprindo os poderes delegados pelo titular do poder executivo, Presidente João Lourenço, a direcção da Aniesa tomou posse, dando assim início a uma missão formalizada pelo decreto presidencial 276/20 publicado a 16 de Outubro de 2020.

No domínio da segurança alimentar as atribuições da Aniesa, centram-se na avaliação de riscos alimentares.

A natureza da criação desta autoridade, foca-se no combate à fraude alimentar, á circulação de produtos adulterados e possível disrupção na cadeia alimentar.
Sabendo que qualquer tipo de disrupção causa um impacto na continuidade de um negócio, a recolha e análise de dados que visem a caracterização e avaliação de riscos que impactem a segurança da cadeia alimentar, a atuação de uma entidade deste tipo pode contribuir na produção científica de medidas de defesa.

A fusão de vários inspetores distribuídos por vários órgãos num só, permite também aclarar o modus operandi e as competências exercidas numa área que há muito necessitava de um modelo de atuação claro.

Assegurar que existe uma uniformidade e padrões de segurança na cadeia alimentar, é claramente um sinal de avanço e de visão estratégica face ao contexto económico que se pretende.

Mais do que olhar para a estabilidade de parte do setor económico, a criação desta autoridade cria uma base para o combate eficaz a uma das tão faladas ameaças híbridas.
A eficácia de todas as ações de defesa alimentar, de fiscalização e de mitigação passarão, também, pela sensibilização dos riscos junto dos consumidores finais.

Desta forma, os planos de defesa alimentar tornar-se-ão fundamentais para a condução desta nova política de segurança introduzida no modelo governativo angolano.
O modelo, sendo eficaz no seu pensamento, planeamento, conceção e prática, poderá constituir uma mais valia não só no que ao domínio da segurança alimentar, mas também ao bom funcionamento das atividades económicas.

Certamente de que não existe um plano totalmente eficaz, seja em que domínio da segurança for, o respetivo desenvolvimento passará sempre pela definição de etapas que não podem ser esquecidas.

A nomeação de um responsável deve ser atribuída a uma equipa de defesa alimentar com a missão de tomada de decisão. Nesta fase deve-se desenvolver o sistema de defesa alimentar.

Posteriormente passa-se pelos critérios do plano, determinando responsabilidades e sensibilizando trabalhadores que sejam participantes ativos na cadeia de produção e distribuição alimentar.

A análise e avaliação de riscos é essencial para a eficácia do plano. A execução do plano de defesa alimentar executa-se de acordo com as medidas adotadas anteriormente, seguindo-se o teste com medidas apropriadas.

Durante todo este processo o fator humano está no centro do mesmo. A questão humana enquanto fator leva-nos a analisar a intenção, ou a ausência dela.
A contaminação de alimentos de forma deliberada é, muitas vezes, uma vulnerabilidade que não se identifica devido ao não cumprimento de certos procedimentos.

O background check e o vetting permitem conhecer o histórico dos trabalhadores, e consequentemente perceber se poderão ter/desenvolver alguma motivação terrorista ou que vise causa disrupção. Questões como o interior e exterior das instalações são também relevantes, na medida em que se deve analisar as vulnerabilidades a elas associadas.

As fontes de energia, geradores, sistemas de ventilação e reservas de água são pontos críticos e que podem ser determinantes na preservação da segurança e defesa dos alimentos que são transportados. A questão da segurança alimentar deve ser vista e analisada para além da salvaguarda de questões económicas.

O bioterrorismo e agroterrorismo deve ser associado ao papel da comunidade de informações, polícias e autoridades sanitárias e às formas como estas entidades poderão dar resposta a estes problemas. Uma verdadeira ameaça à segurança humana e à economia global merece uma abordagem direcionada aos problemas atuais e futuros.
Desta forma, é importante assinalar e elogiar a criação da Aniesa num ponto de vista estratégico.

Havendo um quadro legal e mecanismos para o combate à fraude alimentar, aos atentados à segurança humana e disrupção da economia, o país estará mais próximo do desenvolvimento e de garantir a segurança e independência nacional.

Daniel Lara

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