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Opinião

O alvoroço dos Magistrados na sociedade das elites intocáveis

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É o segundo “motim jurídico” que assistimos, em menos de seis meses, envolvendo operadores do direito, nomeadamente, advogados, juizes, procuradores e a Polícia Nacional, enquanto corporação.

No primeiro episódio, vindo de Benguela, o “busilis da questão” tinha que ver com a detenção de um advogado, com todos baldes de tinta que aquilo produziu e sabido por todos, por isso, aqui fica!

O segundo caso é o que está, infelizmente, a dominar e a nos desviar do foco, a discussão pública, até ao ponto de os órgãos de comunicação social terem retirado, instantaneamente, das pautas, assuntos sobre a covid-19, para dar lugar a uma discussão absurda, em nosso entender, mas que resulta de uma mentalidade elitizada construida há anos e que as elites, como é o caso dos magistrados, recusam a disconstruir.

É sobre esse segundo “motim” que queremos deixar o nosso ponto de vista, sem que, entremente, entremos no discurso de legítima ou ilegítima actuação da comissão multissetorial que decidiu dizer o pecado e o respectivo pecador.

Não entraremos na discussão jurídica, de se saber se o juiz pode ou não circular, se foi bem ou mal impedido de viajar, se tem ou não imunidades, pois, entendemos que o problema não reside ali. Reside, quanto a nós, no facto de juizes e procuradores, a semelhança de alguns políticos, pensarem que a eles a Lei não se aplica ou sobre eles o direito de informar e ser informado não pode ser exercido. Aliás, é sobre essa matéria que muitos jornalistas foram processado, no âmbito de interpretações forçadas.

É a conclusão que se pode tirar ao ler os comunicados dos sindicatos que, inclusive, consideram a comissão multissetorial de desconhecer à Lei. Ou para mais, consideram a Polícia, no caso, desconhecer a Lei, mesmo sabendo que, muitos dos que eles maltratam, hoje por via dos comunicados foram colegas seus de carteiras, nas faculdades de direito em Angola e não só.

A reflexão elitizada que fazem demonstra que o País, no geral, está longe de evoluir na matéria de informar e ser informado na senda dos direitos de personalidade. Longe porque não vemos, nem de longe nem de perto, o problema de se informar que um juiz infringiu à Lei e dentro dos critérios da publicação de uma notícia ou informação

O alvoroço em voga demonstra que, para os juizes, infringir uma disposição legal e informar à sociedade sobre tais actos é só para raia miuda. Dito de outro modo, sobre magistrados, políticos de relevo, governantes, pastores e outras individualidades não se pode informar, mesmo que estejam envolvidos em actos susceptíveis disso mesmo.

Aliás, a certificação disso reside na luta corporativa que os magistrados estão a fazer numa situação normal para sociedades cujas mentalidades não são elitizadas.

Não é à toa que o País conta com trinta casos positivos da COVID-19 e, até aqui, ninguém conhece as pessoas. Ou seja, ninguém sabe quem são. E, é assim, porque o raciocínio sobre o direito à vida privada que construimos, infelizmente, é na base de uma cultura de segregação tal que não nos permite, sequer, estabelecer um estudo comparado com realidades conexas, mesmo que, para tal, reconheçamos que o nosso direito vem da mesma escola. Curioso!

Aqui ao lado, na África do Sul, por exemplo, em Portugal, onde vão passar licenças disciplinares, dizer quem acuspu positivo na covid-19 é completamente normal. Dizer que juiz tal, procurador tal infingiu a Lei, sem olhar para mérito ou demérito da acção – porque depende do julgador do caso – é, igualmente, normal. Para nós, é escandaloso, como o que vemos agora.

Certamente, é escandaloso porque nos dirão que a consciência colectiva nosssa difere daquelas sociedades. Pois, bem, difere porque os magistrados e outras elites que deveriam suportar o processo de mudança desta consciência, regeição à estigmatização, também não evoluíram.

Precisando, a sonegação de informações úteis, no jornalismo, acoberto da presunção da inocência e de vida privada, é elemento forte na manutenção da consciência de regeição e estigmatização.

Antes, não nos esqueçamos que da maneira que se defende a não divulgação de nomes das elites é da mesma que teremos que defender a não divulgação de quaisquer nomes, mesmo que isso venha atentar contra o direito de informar e ser informado, nos termos da ciência jornalística, por exemplo.

Enfim, precisamos evoluir, dizer quem violou o quê, quando violou, como violou porque isso deve constar da informação salvaguardada pela CRA, 2010. O que não se deve dizer é, eventualmente, porquê, já que as motivações no cometimento de qualquer crime, difere de autor para autor, como se depreende em direito penal e em vitimologia.

Recordem que o impacto do SIDA passou a ser outro a partir do momento em que alguns entenderam dar o rosto e assumiram campanhas de sensibilização. Esse assumir deve vir das elites pois, as sociedades dependem, grandemente, dos actos do alto da montanha.

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