Sociedade
Munícipes apelam retorno da Turma do Apito no Sambizanga
Moradores do distrito urbano do Sambizanga questionam a razão do Estado (um agente de bem) permitir o regresso do caos para as famílias daquela zona com o encerramento da Brigada de Vigilância Turma do Apito.
”Os agentes do Governo que eliminam a Turma do Apito, fazem-no sem remorso porque as gangues que lutam, ferindo-se umas as outras, inclusive gente inocente, afectam directamente a nós e não a eles”. Esse é o lamento quase generalizado dos munícipes do Sambizanga, que, sem tirar mérito à Polícia Nacional, admitem que a brigada de vigilância “foi a melhor estratégia das autoridades para o combate ao crime naquela circunscrição”.
Os moradores reconhecem que as gangues, quer as que já não existem do ponto de vista prático, quer as que estão a emergir, são compostas por filhos do bairro, e com humildade aceitam que têm sido incapazes de sozinhos travar os próprios filhos, sublinhando que com a Turma do Apito, os pais passaram a ter maior autoridade sobre os jovens do bairro, e os ”meninos por si só optaram por abandonar as más práticas”.
”Estamos a ler em jornais de que as autoridades desmentem que a criminalidade no Sambizanga esteja a aumentar. Não façam isso, por favor! Quando encerraram a Turma do Apito pela primeira vez, houve uma série de violações sexuais, assaltos e agressões. O facto cessou porque as autoridades aceitaram a reabertura da brigada, mas depois voltaram a encerrar, reabriram outra vez, e voltaram a encerrar. Portanto, esse vai e vem é que, nalgumas vezes inibe os meliantes porque depois perdem o controlo sobre se a Turma está aberta ou não, mas quando percebem que não, intensificam suas acções. É triste”, lamentou o ancião Alfredo Paulo.
Na mesma senda, Áurea Rogério, 25 anos, lembrou que a polícia é um órgão de segurança que actua na base da cientificidade, ou seja, que aborda segundo as ocorrências (os dados que lhe chegam), tendo sublinhado não ser praxe dos moradores do Sambizanga levar os casos à polícia, ”muito por conta do passado”.
De referir, que as autoridades não encerraram a Turma do Apito na totalidade, sendo que o grupo adstrito ao bairro da Madeira está a funcionar junto da Comissão de Moradores, mas, de acordo com as fontes no local, estão proibidos de operar os grupos da Turma do Apito das zonas do Santo Rosa, Mota e lixeira.
O Correio da Kianda procurou apurar junto da polícia a razão da discriminação, mas não tivemos sucessos. Entretanto, aquando da desactivação da brigada, há quatro meses, as autoridades justificaram com o facto de que os mesmos praticavam actos não abonatórios, que chegam mesmo a usurpar as funções da Polícia, segundo o porta-voz da DIIP, Inspector Chefe Quintino Ferreira.
O distrito urbano (antes município) do Sambizanga, circunscrição que viu nascer José Eduardo dos Santos, antigo Presidente da República, já foi, ao longo de muitos anos, considerada a zona mais perigosa de todo o país, face ao alto índice de criminalidade.
Já houve um período em que jovens marginais eram executados a tiro, embora a Polícia Nacional nunca tenha admitido a autoria. Mas o facto não inibiu o surgimento de mais grupos.
De 2004 a 2018, Sambizanga era uma zona de terror. Havia lutas constantes de gangues, assaltos a mão armada, frequentes violações sexuais, onde estudantes nocturnas eram presas fáceis. Houve um período, no bairro da Lixeira, precisamente na zona da linha-férrea, em que jovens mulheres estudantes eram violadas à luz do dia, a caminho da escola.
”Muitos de nós só continuamos a viver aqui esse tempo todo, porque já não havia para onde ir”, atirou um dos munícipes.
Nomeado administrador do Sambizanga em 2019, pelas mãos do então governador de Luanda, Luther Rescova (já falecido), Tomás Bica, foi quem concebeu a estratégia, em 2020, que tem servido de meio inibidor ao crime. Uma estratégia que, segundo os munícipes, funcionou sem que fosse necessária a execução de marginais.
Entretanto, os munícipes apelam ao retorno da segurança para poderem ”ir e vir” sem preocupação de serem assaltados ou violadas, no caso das mulheres.