Análise

Multipolaridade ou multiexploração: Angola está a jogar o seu Futuro ou a ser jogada pelas potências?

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1. O fim das ilusões europeias e o reposicionamento global

A conjuntura geopolítica actual devolveu Angola ao centro da disputa internacional por recursos estratégicos. A análise feita a 29 de Setembro de 2024 mostrou-se premonitória. A Ucrânia encontra-se num impasse militar praticamente irreversível e a Europa expõe as suas fragilidades energéticas, diplomáticas e estratégicas. A União Europeia, outrora segura do seu lugar no sistema internacional, vê-se hoje forçada a reconsiderar prioridades e a buscar novas alianças.

Como afirma Kenneth Waltz, fundador do neorrealismo, “quando a estrutura internacional muda, os Estados têm de se adaptar, sob risco de perderem relevância e segurança”. É exactamente isso que estamos a assistir. A Europa ajusta-se não por vontade, mas por necessidade.

2. A Cimeira de Luanda e o regresso urgente da Europa a África

Nos dias 24 e 25, a presença de Emmanuel Macron, Olaf Scholz e António Costa em Luanda não foi um acto meramente protocolar. Foi, acima de tudo, um reflexo da ansiedade estratégica europeia. A perda de influência no Sahel, com a expulsão francesa do Mali, Burkina Faso e Níger, impulsionada por líderes como Ibrahim Traoré, deixou a Europa órfã de zonas estratégicas e de recursos vitais.

Joseph Nye, ao teorizar o poder inteligente, lembra que “o poder é a capacidade de influenciar resultados a favor do próprio interesse”. A Europa, fragilizada, procura reconstruir essa capacidade através de Angola, cujo potencial energético e mineral é hoje disputado pelas grandes potências.

Este interesse europeu por Angola não é acidental. O país possui petróleo e gás, cobalto, manganês, grafite, terras raras e uma posição geoestratégica relevante na África Austral. Tudo isto faz de Angola uma peça valiosa no tabuleiro mundial.

3. A nova corrida pelos minerais críticos: África no centro do tabuleiro global

A transição energética europeia depende de minerais críticos que se encontram abundantemente em África, e em particular em Angola. Carros eléctricos, baterias, turbinas eólicas, sistemas de comunicação, satélites, defesa e inteligência artificial dependem de matérias-primas que o continente possui.

Zbigniew Brzezinski advertia que “quem controla os recursos controla o futuro”. Hoje, essa frase ecoa com força em Luanda.

Ao perder o acesso privilegiado ao Sahel, a Europa vira-se para Angola com expectativa estratégica. Esta corrida aos recursos acontece numa altura em que a influência europeia está em declínio e outras potências como China, Rússia, Índia, Turquia e Emirados Árabes Unidos ganham terreno.

Assim, Angola deve compreender que o interesse europeu não é casual, mas profundamente calculado.

4. Lições da história: quando acordos inofensivos preparam a perda de soberania

A história é clara. Nenhum país perde soberania da noite para o dia. A perda é sempre gradual, suave e mascarada de boa vontade. Walter Rodney, crítico do colonialismo, alertou que “a dependência económica é sempre o primeiro estágio da dominação política”.

Exemplos recentes confirmam este padrão:
Djibouti, onde dívidas externas abriram as portas para múltiplas bases militares.
O arquipélago de Chagos, cedido aos Estados Unidos com pretextos estratégicos.
Cabo Delgado, onde a exploração de recursos abriu brechas para ingerências externas.

A Europa, no passado, também iniciou o colonialismo com acordos comerciais que pareciam inocentes. Samir Amin recorda que “o imperialismo nasce quando as relações económicas deixam de ser simétricas”. O colonialismo português começou com comércio, depois protectorados e, por fim, domínio territorial e político.

Angola não pode permitir que a história se repita por via de novos mecanismos: financiamento, dependência tecnológica, projectos opacos ou controlo das cadeias de valor.

5. Multipolaridade: a era da oportunidade e do perigo

Vivemos num mundo multipolar. Isto é simultaneamente uma vantagem e um risco.

Henry Kissinger explica que “a multipolaridade aumenta a liberdade de acção dos Estados, mas multiplica também as fontes de pressão sobre eles”.

Para Angola, isto significa mais opções de parceiros, maior poder negocial, mais competição entre potências pelo país, mas também mais tentativas de influência externa.

A dívida tornou-se o grande instrumento desta disputa. A China usa, os Estados Unidos usam, a Europa usa. David Harvey lembra que “a dívida moderna é uma forma sofisticada de dominação”.

Por isso, Angola deve equilibrar inteligentemente as relações com todos, evitando cair num novo ciclo de dependência.

6. O que Angola precisa para não repetir erros históricos

Angola encontra-se numa posição ímpar. O país pode, pela primeira vez na história, negociar em pé de igualdade com grandes potências. Mas isso exige inteligência estratégica e visão de longo prazo.

Angola deve priorizar:

1. Negociação equilibrada e transparente: Nada de acordos unilaterais ou dependências tecnológicas disfarçadas.

2. Transferência de tecnologia e capacitação nacional: Não basta vender recursos brutos. É preciso industrializar e formar quadros.

3. Protecção dos sectores estratégicos: Energia, telecomunicações, defesa e minerais críticos devem ser blindados.

4. Diversificação de parceiros: Nem só Europa, nem só China. É necessário um equilíbrio que garanta autonomia real.

5. Controlo rigoroso da dívida pública: Rejeitar financiamento que comprometa activos estratégicos ou soberania.

6. Diplomacia firme e coerente: Angola deve conversar com todos, mas aceitar apenas o que protege o interesse nacional.

7. Conclusão: a missão da geração actual

Frantz Fanon escreveu que “cada geração deve descobrir a sua missão, cumpri-la ou traí-la”.
A missão de Angola hoje é cristalina e exige a adopção de posturas relacionais que assegurem:

Cooperação sem subserviência.
Crescimento sem endividamento tóxico.
Parcerias sem perda de autonomia.
Abertura ao mundo sem renunciar à soberania.

A Europa precisa de Angola mais do que nunca. Mas Angola deve decidir que tipo de relação quer construir.

Se será parceira estratégica ou dependente.
Se será actor central ou peça de substituição no jogo das potências.
Se será soberana ou subalterna.

O futuro de Angola não depende da Europa, nem da China, nem de outra potência.
Depende da inteligência com que, neste momento histórico, os seus líderes interpretam o mundo e defendem a pátria.

Angola tem hoje uma oportunidade única.
Mas também enfrenta um perigo silencioso.
Saber distinguir um do outro é o verdadeiro desafio estratégico da nossa geração.

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