Economia
Megaburla ao Estado angolano acaba sem culpados
Empresário Álvaro Sobrinho e filho de ministro angolano foram suspeitos num processo relacionado com o desvio de 136 milhões de dólares. Acabou arquivado. Ministério Público diz que Angola fez queixa, mas depois não mandou mais elementos.
O novelo começa com a falsificação de vários ofícios do Ministério das Finanças angolano. A assinatura do governante fora forjada em genuíno papel timbrado do ministério. E com a garantia do selo branco da instituição. É com base nestes documentos que o governador do Banco Nacional de Angola ordena 17 pagamentos no montante global de 136 milhões de dólares (actualmente perto de 111 milhões de euros) entre 2007 e 2009.
Tudo teria decorrido sem sobressaltos, não fosse o caso de, no final de 2009, o vice-ministro das Finanças ter estranhado um saldo negativo na conta “impostos petrolíferos”, com sede no Banco Espírito Santo, em Londres. A conta era habitualmente usada para pagar bens e serviços adquiridos pelo Estado angolano no estrangeiro e deveria apresentar um saldo confortável. Mas, na realidade, estava em dívida.
O alerta deu origem a uma auditoria que revelou 17 pagamentos injustificados, sem qualquer correspondência a compras feitas pelo Estado angolano. A análise dos movimentos mostrava que o dinheiro teria sido transferido para múltiplas contas em nome de empresas, algumas em offshores.
Muitas dessas contas estavam sediadas em Portugal ou tinham como titulares portugueses, o que levou o Estado angolano, pela mão do advogado Paulo Blanco — neste momento a ser julgado por corrupção no caso conhecido por Operação Fizz, que envolve o ex-vice-presidente de Angola — a apresentar uma queixa-crime ao Ministério Público português. A participação envolveu dúzia e meia de empresas e mais de 50 pessoas.
Em 2010, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) abriu um inquérito, que chegou a ser conduzido pelo procurador Orlando Figueira — acusado, também no âmbito da Operação Fizz, por, alegadamente, ter sido corrompido pelo ex-vice angolano para encerrar investigações em que este era visado.
O número de suspeitos envolvidos na burla levou o Ministério Público a dividir o caso em mais seis inquéritos. O primeiro terminou agora, após sete anos de investigação. Em Dezembro passado, a procuradora Ana Paula Rodrigues pôs-lhe um ponto final por não ter encontrado indícios suficientes de crime.
“Personalidades relevantes”
As 138 páginas do despacho de arquivamento desfiam um novelo volumoso. Mas por explicar fica, por exemplo, este facto: o Estado angolano queixou-se de ter transferido mais de 53 milhões de dólares para contas que identificou, mas segundo os dados bancários recolhidos pela investigação, o dinheiro nunca chegou àquelas contas (ver texto nesta edição).
Situação diferente foi a que ocorreu com outras quatro transferências, que totalizam mais de 31 milhões de dólares que foram remetidos para duas entidades distintas. A maior parte, mais de 24 milhões, acabou, em Outubro de 2009, nas contas de G — uma sociedade offshore com sede na zona franca da Madeira. Mais de metade desse dinheiro (13,6 milhões) foi depois remetido para uma conta do BIC de Angola, em nome de Sérgio, um dos alegados autores da fraude em Angola.