Opinião
Kwenda: do assistencialismo à sustentabilidade
Desde a sua implementação em 2020, o Programa KWENDA tem sido um marco na protecção social em Angola, oferecendo assistência directa a famílias em situação de vulnerabilidade e promove a inclusão produtiva como estratégia para a redução da pobreza. Concebido para responder às dificuldades socioeconómicas agravadas pela pandemia da COVID-19 e pelas condições agroclimáticas adversas, o programa destacou-se pela sua abordagem inovadora, que alia transferências sociais monetárias, incentivo à geração de renda, desconcetralização da acção social e fortalecimento do Cadastro Social Único.
No entanto, à medida que Angola avança para consolidar as suas políticas de desenvolvimento, torna-se imperativo que o KWENDA vá além da assistência emergencial e se transforme num instrumento sustentável de empoderamento económico e social. Para que os impactos positivos gerados até agora sejam mantidos e ampliados, o programa precisa evoluir para um modelo que reduza progressivamente a dependência das famílias dos apoios financeiros directos e fortaleça a sua capacidade de auto-sustento.
A sustentabilidade do KWENDA dependerá de reformas estratégicas que integrem inovação tecnológica, transparência na gestão, fortalecimento da inclusão produtiva e um compromisso contínuo com a capacitação das comunidades. A implementação de pagamentos digitais, sistemas de monitorização avançados e parcerias estratégicas com o sector privado poderá ampliar a eficiência do programa para garantir que os recursos cheguem de forma ágil e segura a quem realmente precisa. Da mesma forma, o desenvolvimento de projectos estruturantes, como o acesso facilitado ao microcrédito e a capacitação em gestão de negócios, permitirá que os beneficiários invistam nos seus próprios meios de subsistência, reduzindo a sua vulnerabilidade económica e promover a autonomia financeira.
A equidade de género também deve estar no centro das melhorias do KWENDA. Com mais de 64% dos beneficiários a serem mulheres, o programa tem um potencial significativo para impulsionar o empoderamento feminino, mas precisa ir além das transferências monetárias e criar mecanismos que garantam igualdade de oportunidades, acesso a financiamento e maior participação das mulheres na economia local.
Diante deste cenário, esta análise apresenta um conjunto de propostas para transformar o KWENDA de um programa de assistência emergencial em uma política pública estruturada, integrada ao desenvolvimento nacional e capaz de gerar impactos sociais e económicos duradouros. A construção de um sistema de protecção social moderno, digitalizado e alinhado às realidades do país será essencial para garantir que cada família beneficiada tenha as condições necessárias para prosperar de forma independente para garantir que o KWENDA não seja apenas um alívio temporário, mas um verdadeiro motor de transformação social em Angola.
Melhorias essenciais para consolidar o KWENDA como um verdadeiro motor de transformação social:
1. Fortalecimento da Inclusão Produtiva e Autossuficiência Económica
A inclusão produtiva é um dos pilares mais promissores do programa, mas para gerar um impacto real e duradouro, deve ser reforçada com:
✅ Microfinanciamento e acesso a crédito rural: Criar um fundo de microcrédito para beneficiários do programa, permitindo que pequenos negócios cresçam e reduzam a dependência das transferências monetárias.
✅ Parcerias com o sector privado e cooperativas: Estabelecer acordos com empresas e cooperativas agrícolas para facilitar a inserção dos beneficiários no mercado de trabalho e incentivar o escoamento da produção local.
✅ Capacitação para gestão de negócios e cooperativismo: Oferecer formações para que os beneficiários possam gerir os seus rendimentos de forma estratégica para incentivar o empreendedorismo comunitário.
2. Digitalização e Transparência na Gestão do Programa
Para aumentar a eficiência do KWENDA e reduzir os desafios burocráticos, é essencial modernizar a sua infraestrutura de gestão. Algumas soluções incluem:
✅ Carteira digital e pagamentos móveis: Implementar plataformas de pagamentos digitais para reduzir custos e evitar fraudes no repasse das transferências monetárias.
✅ Monitorização em tempo real via inteligência artificial: Criar um sistema de monitorização que permita acompanhar o impacto dos pagamentos e ajustar estratégias conforme necessário.
✅ Plataforma de feedback comunitário: Estabelecer um canal digital onde beneficiários possam relatar desafios, sugerir melhorias e ter acesso a informações sobre o programa.
3. Empoderamento Feminino e Inclusão Social Sustentável
O programa tem um forte componente de apoio às mulheres, mas precisa ampliar as acções de empoderamento económico e social para garantir um impacto mais profundo:
✅ Criação de grupos de poupança e investimento para mulheres: Incentivar redes comunitárias onde beneficiárias possam acumular recursos e investir colectivamente em pequenos negócios.
✅ Apoio a mães solteiras e mulheres chefes de família: Oferecer programas específicos para mulheres que sustentam os seus lares, incluindo formação em áreas estratégicas como agroindústria e comércio digital.
✅ Promoção de igualdade de oportunidades: Estabelecer incentivos para que mulheres tenham acesso facilitado a crédito, formação técnica e participação activa nos conselhos comunitários de gestão do programa.
4. Infraestrutura e Sustentabilidade dos Centros de Acção Social (CASI)
Os Centros de Acção Social Integrados (CASI) desempenham um papel crucial na municipalização da assistência social, mas precisam ser fortalecidos para atender melhor às comunidades:
✅ Expansão da rede de CASI para mais municípios e comunas: Aumentar a cobertura dos serviços sociais e descentralizar o atendimento.
✅ Incorporação de serviços complementares: Integrar serviços de saúde, educação financeira e orientação profissional nos CASI para oferecer um suporte mais completo aos beneficiários.
✅ Sustentabilidade financeira dos CASI: Criar mecanismos de financiamento local para manter os centros operacionais a longo prazo, reduzindo a dependência exclusiva do governo e de doadores internacionais.
5. Sustentabilidade Financeira e Expansão do Programa
Para que o KWENDA continue a ser um modelo de referência, é essencial consolidar a sua sustentabilidade financeira:
✅ Aumento do orçamento para protecção social no OGE – Assegurar que uma parte maior do Orçamento Geral do Estado (OGE) seja destinada ao fortalecimento do programa.
✅ Parcerias estratégicas com organizações internacionais – Explorar novos acordos com o Banco Mundial, ONU e outras entidades para expandir a cobertura do programa e fortalecer a sua estrutura técnica.
✅ Criação de incentivos fiscais para empresas que apoiem o KWENDA – Envolver o sector privado no cofinanciamento de iniciativas voltadas para o desenvolvimento económico dos beneficiários.
Portanto, o KWENDA deve ser visto não apenas como um programa de assistência social, mas como um instrumento de transformação estrutural da sociedade angolana. A sua evolução para um modelo mais robusto e sustentável pode posicioná-lo como um referencial de políticas de protecção social em África, demonstrando que é possível combater a pobreza com eficiência, transparência e inclusão económica.
Ao garantir que cada beneficiário tenha as ferramentas necessárias para crescer, empreender e tornar-se independente, o KWENDA deixará de ser apenas um programa de transferência de renda para se tornar um verdadeiro motor de desenvolvimento humano e económico em Angola, cumprindo o seu propósito de “caminhar” rumo a um futuro mais digno, justo e sustentável para todos.