Opinião
Justiça ou burocracia? O poder oculto da resolução extrajudicial em Angola
A resolução de conflitos constitui um pilar essencial para a construção de uma sociedade justa e equilibrada. Em Angola, a morosidade dos tribunais e os elevados custos da litigância impõem a necessidade urgente de promover métodos alternativos, como a mediação, a conciliação e a arbitragem. Estes mecanismos extrajudiciais não só aliviam a sobrecarga do sistema judicial, como também fortalecem a coesão social, dinamizam o ambiente de negócios e fomentam uma cultura de diálogo.
Segundo Karl Popper (1994), “a democracia deve ser edificada sobre a base do debate e da resolução pacífica de conflitos”. Este princípio reforça a necessidade de Angola investir em mecanismos alternativos para a resolução de litígios, prevenindo a escalada de tensões e contribuindo para um Estado mais eficiente e transparente.
A Crise do Sistema Judicial e a Urgência de Alternativas Eficazes
O sistema judicial angolano caracteriza-se por um modelo excessivamente centralizado e sobrecarregado, o que se traduz em atrasos significativos na tramitação dos processos e dificuldades no acesso à justiça por parte da população. Boaventura de Sousa Santos (2007) salienta que “o acesso à justiça não se limita à existência de tribunais, mas exige igualmente a criação de mecanismos que garantam uma resposta célere e acessível aos cidadãos”.
Vários países têm apostado na resolução extrajudicial de conflitos como forma de tornar a justiça mais eficaz e inclusiva. Em Angola, contudo, a resistência cultural e a falta de conhecimento sobre estes mecanismos constituem desafios a superar.
Além disso, o conceito de justiça restaurativa ganha relevância no âmbito da resolução extrajudicial de conflitos. Ao contrário do modelo punitivo tradicional, a justiça restaurativa privilegia a reparação do dano e a reconstrução das relações entre as partes envolvidas. John Braithwaite (2002) afirma que “a justiça restaurativa reduz a reincidência ao envolver directamente as partes na construção de soluções justas e sustentáveis”. Este modelo pode ser particularmente útil em conflitos comunitários, juvenis e no sistema prisional, promovendo uma justiça mais humanizada e eficaz.
No contexto angolano, a justiça restaurativa pode ser um instrumento complementar na luta contra a corrupção. Para além da punição, este modelo propõe a responsabilização directa dos envolvidos, a reparação dos danos e a reconstrução da confiança social. Em crimes económicos e de corrupção, poderia ser aplicada através de acordos que garantam a devolução dos recursos desviados, a confissão dos factos e a imposição de sanções alternativas, como restrições ao exercício de cargos públicos. Ao adoptar esta abordagem, Angola poderia transformar a luta contra a corrupção num processo mais eficiente, voltado para a recuperação dos prejuízos causados ao Estado e à sociedade, reforçando a integridade das instituições.
Mediação, Conciliação e Arbitragem: Caminhos para a Paz Social e Económica
1. Mediação
A mediação é um processo voluntário e sigiloso, no qual um terceiro imparcial – o mediador – auxilia as partes na busca de um acordo mutuamente benéfico. Este método assenta no diálogo e na construção de soluções negociadas.
Segundo Howard Raiffa (1982), “um bom mediador não impõe soluções, mas facilita a construção de alternativas que beneficiem ambas as partes”. Assim, a mediação é um processo mais flexível e humanizado, adequado para disputas familiares, comunitárias e comerciais.
Em países como Brasil e Portugal, a mediação já está integrada na cultura jurídica, reduzindo consideravelmente o número de processos judiciais. A sua implementação mais ampla em Angola poderia acelerar a resolução de litígios e restaurar a harmonia social.
2. Conciliação
A conciliação assemelha-se à mediação, mas distingue-se pelo facto de o conciliador poder sugerir soluções para o conflito. Este método é amplamente utilizado em disputas laborais e empresariais, onde a necessidade de acordos pragmáticos e eficientes é premente.
John Rawls (1971) argumenta que “uma sociedade justa deve assegurar mecanismos que permitam a resolução de disputas sem recorrer a processos judiciais prolongados”. A conciliação desempenha este papel, promovendo acordos justos sem necessidade de uma decisão judicial impositiva.
Em Angola, conflitos entre consumidores e fornecedores, empregadores e trabalhadores, e até disputas de terras poderiam ser resolvidos de forma célere através da conciliação, evitando processos judiciais morosos.
3. Arbitragem
A arbitragem é um mecanismo em que as partes escolhem um árbitro ou um tribunal arbitral para decidir o litígio. A decisão arbitral tem força vinculativa, equivalendo a uma sentença judicial.
Lon Fuller (1964) defende que “a arbitragem permite que as disputas sejam resolvidas por especialistas, garantindo decisões mais técnicas e eficientes”. Este método é particularmente relevante em conflitos comerciais e contratuais, promovendo um ambiente de negócios previsível e seguro.
Em Angola, onde o sector empresarial enfrenta desafios como a burocracia e a insegurança jurídica, a arbitragem pode desempenhar um papel crucial na atracção de investimentos e no fortalecimento da economia.
A Necessidade de Expandir os Centros de Resolução de Litígios
Actualmente, a maioria dos centros de mediação, conciliação e arbitragem está concentrada em Luanda e nas capitais provinciais, dificultando o acesso da população residente nos municípios e zonas rurais. Para se promover uma verdadeira cultura de pacificação extrajudicial, torna-se imperativo expandir estes centros a nível municipal.
A desconcentração traria benefícios como:
✅ Maior acesso à justiça: Permitiria que cidadãos de áreas remotas resolvessem litígios sem necessidade de deslocações longas e dispendiosas.
✅ Descongestionamento do sistema judicial: A redução do volume de processos nos tribunais permitiria que estes se concentrassem em casos mais complexos.
✅ Fortalecimento do ambiente de negócios: Empresas locais disporiam de mecanismos mais céleres e eficazes para a resolução de litígios comerciais.
✅ Promoção da coesão social: Conflitos comunitários seriam resolvidos localmente, evitando a sua escalada para situações de violência.
Celso Lafer (1988) salienta que “a justiça eficiente depende da criação de espaços de negociação e pacificação que aproximem as instituições dos cidadãos”. Em Angola, isso implica um investimento estratégico na criação de centros de resolução de conflitos a nível municipal.
Conclusão: Um Novo Paradigma para a Justiça Angolana
A modernização do sistema de resolução de conflitos em Angola requer uma mudança de mentalidade e uma reforma estrutural profunda. Para que o país se afirme como um Estado moderno e eficiente, deve investir em mecanismos extrajudiciais que garantam uma justiça mais célere, acessível e eficaz para todos os cidadãos.
Os benefícios da mediação, conciliação e arbitragem são evidentes: redução de custos, maior previsibilidade nos negócios, pacificação social e alívio da sobrecarga dos tribunais. A expansão dos centros de resolução extrajudicial de litígios aos municípios aproximaria a justiça das comunidades, assegurando a resolução expedita de disputas sem necessidade de processos morosos e dispendiosos.
Neste contexto, a justiça restaurativa pode desempenhar um papel fundamental, promovendo soluções que reconstroem relações e evitam a reincidência de conflitos.
Nelson Mandela (1994) afirmava que “não há caminho para a paz, a paz é o caminho”. Angola tem agora a oportunidade de transformar o seu sistema de justiça e construir uma sociedade mais pacífica, equitativa e próspera. A decisão está nas mãos de todos.