Politica
Joe Biden: o político que marcou o seu tempo
Foram cinco décadas de política activa. No mundo, Joe Biden viu ascenderem vários líderes políticos, e conhece-os todos, desde americanos, europeus, africanos e asiáticos. Tornou-se presidente dos EUA na recta final de sua vida política, deu outra dinâmica à economia norte-americana, uniu a NATO – a maior aliança militar do mundo, e estremeceu o chão de líderes autoritários, o que leva ao questionamento sobre o que seria do mundo/destes líderes se Biden tivesse força e lucidez para comandar a Casa Branca por mais quatro anos.
Joe Biden é um político refinado. Pessoas próximas a ele acreditam que o próprio tenha nascido para o trabalho que se comprometeu a desenvolver durante e depois a eleição de 2020 , na qual venceu Donald Trump, que procurava uma reeleição.
Senador hábil, Biden conseguiu combinar a serenidade e a autoridade quando Trump e um grupo significativo de sua equipa rejeitavam a derrota eleitoral e, à semelhança de diferentes líderes africanos, recusava-se a largar o poder. Passados quatro anos, sabe-se lá se por convicção ou mera demagogia, Donald Trump insiste que não perdera as eleições de Novembro de 2020, apesar de não mostrar provas.
Entretanto, Biden, que foi investido como Presidente norte-americano em Janeiro de 2021, encontrou um país dividido, entre ideias liberais e radicalismo, sobretudo na questão da gestão das fronteiras, face à entrada de migrantes ilegais.
Outros assuntos que representaram sérios desafios para a administração Biden foram o da economia interna – com o aumento da inflação, a perda de confiança de seus parceiros europeus, tendo em conta o estrago na relação feita por Donald Trump, que decidira competir com os próprios parceiros, tendo aumentado taxas para os seus produtos que entram para o território norte-americano, além de ter abandonado o Acordo de Paris sobre as alterações climáticas – um acordo que foi a bandeira da moral e da responsabilidade europeia ocidental. Entre outras acções contrárias aos interesses tradicionais dos EUA, Donald Trump ameaçou abandonar a NATO, a maior aliança militar do mundo liderada pelos pelos próprios norte-americanos – e que tem servido de uma tábua de protecção para os europeus e alargamento do poder e influência dos americanos.
Outro assunto difícil que a Administração Biden teve de lidar foi recuperar o poder e a influência americana no mundo, onde várias outras nações emergiram e passaram, ao longo que algumas Administrações que o antecederam, a fazer chacota da nação americana.
A China enriqueceu, melhorou em termos de qualidade e quantidade as suas forças armadas, e passou a ignorar certos apelos norte-americanos, sobretudo ligados aos direitos humanos em Hong Kong, bem como aumentou a sua pressão sobre Taiwan para assumir o seu controlo, o que significaria consequentemente o fim da democracia pujante naquele pequeno espaço com pouco mais de 24 milhões de habitantes.
Foram muitos os desafios que se colocaram à frente de Biden, mas o político tocou neles um a um. E há quem se questiona sobre o que seria do mundo se o democrata assumisse a Casa Branca uma década mais novo que lhe permitisse lutar para uma reeleição na América.
A economia interna
Ao assumir a Administração, Biden fez algo negativamente inédito para a imagem de grandeza/o cowboy incansável norte-americano ao tirar quase em fuga os soldados americanos do Afeganistão – enquanto território a território o grupo Talibã assumia o controlo do país.
Foi uma jogada, mas o mundo não percebeu no momento. Em primeiro lugar, Biden procurou sarar as feridas internas e acabar com as lamentações das famílias americanas, que queriam os seus filhos, esposos/esposas, pais, mães e sobrinhos de regresso a casa, dado que os EUA estavam naquele país asiático há 20 anos, e não haviam resolvido a questão de instabilidade, tendo em conta que as forças governamentais locais haviam se conformado com a defesa norte-americana e negligenciaram o processo de aprendizado para a segurança de seu próprio Estado.
Em segundo lugar, Biden queria ter tempo para olhar para a economia de seu país, que se recuperava dos estragos causados pela Covid-19.
De acordo com os dados estatísticos da país, os EUA experimentaram, durante a pandemia, um colapso dramático no PIB por conta do encerramento de muitas empresas.
Após esse período, a economia se recuperou fortemente ainda sob Trump. E isso continuou com Biden, com os EUA apresentando a recuperação mais forte da pandemia dentro do G7.
Crescimento económico
Desde o início do mandato de Biden até agora, a economia norte-americana cresceu 2,2%, sendo 1 ponto percentual abaixo do período da Administração Trump.
Inflação
O ritmo com que os preços vêm subindo passou a ser uma grande questão na campanha presidencial deste ano.
Segundo as estatísticas, os preços aumentaram significativamente nos dois primeiros anos do Governo Biden, atingindo um pico de 9,1% em Junho de 2022.
Mas a tendência do aumento nos preços caiu cerca de 3% nos últimos 12 meses, embora continue mais alta do que quando Trump deixou o cargo.
Empregos
O Governo Biden tem apontado como uma grande conquista, o crescimento do emprego.
Antes das perdas em 2020 devido à covid, a Administração Trump tinha registado um aumento do emprego em quase 6,7 milhões de empregos – considerando dados de trabalhos não agrícolas (que são de cerca de 80% da mão-de-obra).
Contudo, houve um aumento de quase 16 milhões de empregos desde que Biden assumiu o cargo.
Fora das fronteiras norte-americanas
Depois de mais ou menos estabilizada as questões internas, Joe Biden olhou para o mundo – uma opção que estremeceu o chão de vários líderes tomados por autocratas, estes que ao longo do mandato dos dois últimos antecessores de Biden, nomeadamente Barack Obama e Donald Trump, aumentaram sua ilusão de bravata.
Em 2016, por exemplo, de acordo com a observação da revista Forbes, Vladimir Putin, presidente russo, era o homem mais poderoso do mundo em quatro anos consecutivos.
“De seu país natal até a Síria, passando pelas eleições americanas, o dirigente russo continua alcançando seus objetivos”, escrevera a revista na sua fundamentação.
Putin já tinha sido indicado o homem mais poderoso do mundo em 2014, período em que anexara Crimeia, um território ucraniano, além de ter sido o responsável inequívoco pela protecção da vida e manutenção do poder de Bashar al-Assad, na Síria, apesar da oposição de Barack Obama.
“A nova ‘guerra fria’ entre os EUA e a Rússia tem o mesmo vencedor, há dois anos, na lista dos homens mais poderosos do mundo, publicada anualmente pela revista Forbes. O presidente russo Vladimir Putin volta a triunfar na selecção dos mais poderosos, à frente de Barack Obama e do secretário-geral do partido Comunista chinês, Xi Jiping, em terceiro lugar”, lê-se num texto da Euronews, no qual o órgão europeu difundia a observação da Forbes.
Uma escolha justificada pela editora da revista, Caroline Howard: “é impossível considerar Putin como uma personalidade sem poder, quando é o líder indiscutível, imprevisível e inabalável de um país rico em energias, com um grande poder nuclear”.
Entretanto, é esta sensação de inabalável que acabou quebrada por Joe Biden, da Europa à Ásia.
Alguns sectores de inteligência e segurança referem que se os EUA não permitissem a Putin anexar a Crimeia em 2014, provavelmente não ousaria invadir a Ucrânia oito anos depois.
Mas como se lhe permitiu, julgou que, nesta nova investida iniciada a 24 de Fevereiro de 2022, os EUA limitar-se-iam a olhar para o lado. Ledo engano.
A nova acção de Putin encontrou na chefia da Casa Branca um velho “falcão”.
Antes da invasão russa, Biden avisou a Putin, através de emissários, que os EUA não ficariam a olhar a chacina acontecer, mas o lado russo ignorou as advertências feitas através dos canais existentes.
Acreditando que, face ao poder bélico à disposição, os russos acreditaram que a intervenção na Ucrânia faria menos de 14 dias, tanto é que alcunharam a referida guerra como uma mera “Operação Militar Especial”. Porém, tal como Joe Biden prometeu, Washington não ficou a olhar, e apoiou em quantidade e qualidade a Ucrânia com equipamento militar, o que levou o país a resistir por pelo menos agora – faz dois anos.
Talvez, desde a Segunda Guerra Mundial, a Rússia nunca tenha perdido tantos quadros militares como nesta intervenção na Ucrânia, o que levou Putin a pedir apoio a Kim Jong-un, presidente norte-coreano, para cedência de militares deste país asiático.
Além de seu empenho pessoal na ajuda à Ucrânia, Joe Biden uniu a NATO mobilizando-a para um único objectivo.
Nunca, na última década, a maior aliança militar do mundo esteve tão unida como agora.
Além de Putin, Xi Jiping, na China, também viu seus intentos dominador em risco.
Sob sua Administração, a China está mais próxima de invadir Taiwan para a sua anexação, mas, diferente do que ocorreu com Putin/Rússia, na Ucrânia – Washington avisou Pequim que se entrar em Taipé, os EUA não apoiarão a Ilha com envios de armas, mas que será um envolvimento directo na guerra. Ou seja, com a participação de tropa norte-americano no campo de combate.
O caso de Angola…
Um outro feito notável de Biden foi o modo como destronou a relação da Rússia com certos parceiros tradicionais, em especial Angola, em África.
A Rússia, maior potência nuclear do mundo, sempre foi o mais importante parceiro do MPLA e do Governo angolano à face da terra. Apoiou os ‘camaradas’ na luta contra a ocupação colonial portuguesa, na luta contra a UNITA, esta apoiada pelos EUA para a expansão da ideologia democrática, e manteve uma parceria fiel ao amigo, sem questionar a transparência da gestão dos empréstimos e/ou sobre direitos humanos.
Diferente da Rússia, os EUA queriam o fim do MPLA enquanto governo. Mas, como hábeis players da política internacional, os norte-americanos viraram tacitamente as costas à UNITA e estabeleceram relações com o Governo angolano em 1993.
O novo relacionamento fixou-se mais na perspectiva comercial, sobretudo no mercado petrolífero, sendo que no campo político-diplomático a Rússia, numa analogia xadrezista, era evidentemente o ‘Rei’.
Entretanto, uma realidade que acabou alterada com a entrada em cena de Biden na Casa Branca.
Obviamente que a aproximação entre os norte-americanos e angolanos já era “algo possível” para Joe Biden na altura em que ainda era senador.
Embora não tenha havido explicitamente um ‘xeque-mate’ contra os russos, os norte-americanos passaram a ocupar vários espaços antes dominados por Moscovo.
No campo militar, por exemplo, o Governo angolano já manifestou a intenção de substituir o material bélico russo pelo equipamento da NATO, organização transatlântica liderada pelos EUA. E na arena internacional, Angola passou a posicionar-se a favor das posições que vão de encontro aos interesses dos EUA e do Ocidente Alargado.
Como nunca antes, Angola tornou-se na nação “mais importante de África” para os EUA, segundo fez saber o próprio Joe Biden.