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Opinião

Investimento privado em Angola e o regime especial de capital social para as sociedades por quotas

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Uma breve reflexão sobre o regime especial de capital social para as sociedades por quotas constituídas ao abrigo do investimento privado em Angola

Para nos estrearmos nesta árdua tarefa de reflectir sobre alguns temas em torno do Direito em Angola, quer numa perspectiva histórica quer numa perspectiva actual, decidimos tratar de uma matéria que julgamos ser pertinente no âmbito do investimento privado.

Prestes há completar dois anos desde a sua entrada em vigor, o que acontecerá no próximo mês de Agosto, desafiamos-nos a apreciar, em vários artigos e com algum rigor técnico-jurídico, algumas normas da Lei n.º 14/15, de 11 de Agosto – Do Investimento Privado (adiante designada, abreviadamente, por “LIP”) que suscitam vários problemas. A questão do capital social nas sociedades por quotas constituídas ao abrigo do investimento privado insere-se neste sentido.

O nosso estudo centrar-se-á nas sociedades por quotas e anónimas, por serem aquelas de maior expressão em Angola.

A actual LIP surgiu, como o próprio legislador justifica no preâmbulo, para “(…) desburocratizar o procedimento para a admissão do investimento”, para além de outros objectivos. Julgamos que é no âmbito desta celeridade processual e com vista a conformar a Lei às regras gerais sobre o capital social exigíveis para a constituição de uma sociedade que no art.º 2, n.º 1 da LIP o legislador remete expressamente ao art.º 221 da LSC que fixa como limite mínimo do capital social, em moeda nacional, o equivalente a 1000, 00 USD. Esta norma, por sua vez, foi alterada pelo art.º 6 da Lei n.º 11/15, de 17 de Junho – De Simplificação do Processo de Constituição de Sociedades Comerciais, que estatui a livre fixação do capital social nas sociedades por quotas.

Para melhor enquadrar os nossos leitores, refira-se que o capital social é a soma das entradas dos sócios, ou seja, os bens (dinheiro ou espécie) com os quais os sócios decidem entrar para uma sociedade. Nos termos do art.º 10, n.º 1, al f) da Lei n.º 1/04, 13 de Fevereiro – Das Sociedades Comerciais (que adiante designaremos, abreviadamente, por “LSC”) é um elemento obrigatório do Contrato de Sociedade.

Classicamente considera-se que o capital social tem três funções, nomeadamente, quantificar os direitos e deveres dos sócios, permitir que se afira a situação liquida da sociedade e servir de garantir para os credores sociais. Na LSC encontramos regras que visam o arrumo do referido capital, dada a sua importância.

Propugnamos que sub-jaz às referidas regras a necessidade de se defender interesses de terceiros e não somente o dos sócios e da sociedade. Por exemplo, o legislador no art.º 32 da LSC ao limitar a distribuição de lucros entre os sócios se isso ocasionar  a perda ou qualquer outro prejuízo ao capital social pretende proteger o interesse dos credores.

Todavia, actualmente, discute-se se o capital social tem, de facto, permitido o alcance dos fins que se visam tendo em conta as funções que referimos.  No direito comparado destacam-se o Reino Unido e os EUA.

No Act Companies, diploma principal que regula a actividade das sociedades comerciais no Reino Unido não há qualquer exigência de fixação de capital social. Nos Estados Unidos Unidos as regras variam de estado para Estado, todavia, a maioria das legislações estaduais não prevêem um valor limite para o capital social. Tal verificou-se após a aprovação do Model Business Corporation Act.

Na Europa continental também se tem apontado neste sentido, tendo sido aprovado, a partir de 2003, um conjunto de medidas com vista à modernização do direito das sociedades vigente na altura e o reforço do governo das sociedades. Destaca-se, neste sentido, Portugal que através do Decreto n.º 33/2011 , de 7 de Março alterou o limite mínimo fixado para o capital social que vinha previsto no Código das Sociedades Comerciais (republicado pelo Decreto-lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março) daquele país, de Euros 5.000, 00 para Euro 1, 00.

Cremos que a alteração que se verificou em Angola com a aprovação da Lei n.º 11/15, de 17 de Junho inspirou-se no direito português. Convém referir que a alteração que se procedeu na referida ordem jurídica é aplicável a todas as sociedades comerciais do tipo social por quota, o que também se sucedeu em Angola.

Em face do exposto, surge a questão de saber se em relação às sociedades por quotas, que vierem a ser constituídas com o fito de executarem projectos de investimento ao abrigo da LIP não deveriam obedecer a um limite no que tange ao capital social. Sendo exigível qual seria o critério para a sua determinação? Do valor do investimento? Do objecto da sociedade? São assim várias as questões que se colocam.

A resposta às referidas questões não pode ser dada sem fazermos o devido enquadramento do regime do investimento privado no nosso direito.

O regime do investimento privado vigente em Angola é caracterizado por normas de direito público e de direito privado. Não nos iremos debruçar com alguma profundidade sobre os esta caracterização, mas, podemos adiantar que em relação às normas de direito privado vigoram com predominância normas de Direito Comercial e Direito das Sociedades Comerciais. Há já quem entende, pelo menos para fins académicos, uma certa autonomização da matéria, designando-o “Direito do Investimento Privado”.

Não obstante o exposto, deve considerar-se que o regime de investimento privado tem algumas regras próprias e que constituem excepção ao regime geral aplicável a todas as sociedades comerciais. Daí que, em nosso entender, há uma grande relevância do capital social no âmbito do investimento privado em relação ao regime geral, pois que, nesta sede mostra-se fundamental para se aferir a viabilidade de um determinado projecto e da capacidade dos potenciais investidores, independentemente dos outros critérios que devem ser atendidos e constam na Lei e no Regulamento do Procedimento para a Realização do Investimento Privado (Decreto Presidencial n.º 182/15, de 30 de Setembro).

Na LIP anterior (a Lei n° 20/11, de 20 de Maio), de acordo com o art.º 76, n.º 3 o capital social deveria ser proporcional. É verdade que esta norma está eivada de algum subjectivismo, todavia, julgamos que melhor seria que o legislador na actual lei tratasse de clarificar a proporcionalidade e não remeter ao regime geral, assegurando-se assim uma adequação do capital social à mesma actividade, embora não tenhamos qualquer problema em admitir que não constitui um critérios económicos seguro, porém, parece-nos ser o melhor.

Não nos devemos esquecer que em relação aos terceiros também está o Estado e nesta sede há uma grande relevância em relação ao interesse público, porquanto a LIP fixa os objectivos que devem ser perseguidos com a execução de um determinado projecto de investimento privado. O capital social será, assim, importante na transmissão de alguma confiança e salvaguarda dos interesses relevantes dos diversos sujeitos com interesse no projecto e na sociedade.  Só por isso, tradicionalmente, se mantém em relação algumas actividades um capital social mínimo, como por exemplo, as que se inserem no sector financeiro (banca e seguros).

* Mestrando em Ciências Jurídico-Empresariais e Pós-Graduando em Finanças Societárias e Governo de      Sociedades

E-mail: catiavala89@gmail.com

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