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Opinião

INAAREES: fiscalizador ou refém do Ministério? O futuro da qualidade do Ensino Superior em Angola

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A qualidade do ensino superior é um pilar fundamental para o desenvolvimento sustentável de qualquer nação. Em Angola, o Instituto Nacional de Avaliação, Acreditação e Reconhecimento de Estudos do Ensino Superior (INAAREES) desempenha um papel central na garantia dessa qualidade. No entanto, a sua subordinação directa ao Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação (MESCTI) suscita debates sobre a necessidade de uma maior autonomia para assegurar uma fiscalização mais eficaz e imparcial das instituições e dos cursos oferecidos no país.

A Importância da Autonomia nas Agências Reguladoras

A autonomia das agências de acreditação é amplamente reconhecida como essencial para a manutenção da qualidade e credibilidade do ensino superior. Segundo o Conselho Nacional de Educação de Portugal, a autonomia institucional é vital para que as instituições possam responder de forma eficaz às demandas sociais e científicas, garantindo uma gestão mais eficiente e transparente (CNE, 2023).

Além disso, a Associação Europeia para a Garantia da Qualidade no Ensino Superior (ENQA) destaca que a independência das agências de acreditação é crucial para assegurar avaliações imparciais e baseadas em critérios técnicos, livres de influências políticas ou económicas (ENQA, 2022).

Modelos Internacionais de Sucesso

Ao analisar práticas internacionais, observamos que a autonomia das agências reguladoras contribui significativamente para a excelência académica:

Portugal: A Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), criada pelo Decreto-Lei n.º 369/2007, é uma fundação de direito privado instituída pelo Estado Português. A sua estrutura independente permite avaliações objectivas das instituições e dos cursos, promovendo a confiança pública nos processos de acreditação (A3ES, 2023).

Brasil: O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), instituído pela Lei n.º 10.861/2004, é coordenado pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES) e operacionalizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Embora vinculado ao Ministério da Educação, o INEP possui autonomia técnica para conduzir avaliações, assegurando processos baseados em critérios científicos e pedagógicos (INEP, 2023).

Cabo Verde: A Agência Reguladora do Ensino Superior (ARES), estabelecida pela Lei n.º 121/VIII/2016, é uma autoridade administrativa independente com autonomia administrativa, financeira e patrimonial. A ARES é responsável pela avaliação, acreditação e fiscalização das instituições de ensino superior, garantindo a qualidade e a credibilidade do sistema educativo cabo-verdiano (ARES, 2023).

Desafios e Perspectivas para o INAAREES

A actual subordinação do INAAREES ao MESCTI pode limitar a sua capacidade de actuação independente, essencial para uma fiscalização rigorosa e imparcial. A experiência internacional sugere que a autonomia administrativa e financeira das agências reguladoras é fundamental para:

Imparcialidade nas Avaliações: Uma estrutura independente minimiza influências externas, garantindo que as decisões sejam baseadas em critérios técnicos e objectivos.

Transparência nos Processos: A autonomia facilita a implementação de processos claros e acessíveis, fortalecendo a confiança pública nas avaliações realizadas.

Eficiência Operacional: Agências autónomas podem adaptar-se rapidamente às mudanças e necessidades do sector educacional, promovendo inovações e melhorias contínuas.

O Risco do Isomorfismo na Educação Superior Angolana

Apesar da necessidade de elevar os padrões de qualidade no ensino superior, Angola não deve cair na tentação do isomorfismo institucional, ou seja, copiar modelos estrangeiros sem considerar a realidade socioeconómica, tecnológica e científica do país. A teoria do isomorfismo institucional, de acordo com DiMaggio e Powell (1983), descreve como as organizações tendem a tornar-se semelhantes quando submetidas às mesmas pressões regulatórias e culturais, muitas vezes sem uma adaptação real às necessidades locais.

Um exemplo disso foi a extinção de vários cursos de Medicina em Angola, decisão que, embora baseada na necessidade de garantir a qualidade do ensino, pode não ter levado em conta a realidade do acesso à saúde e à formação de profissionais no país. O encerramento desses cursos, em vez de uma reformulação pedagógica e estrutural, pode agravar o défice de médicos no país. Como destaca Altbach (2020), “a regulação do ensino superior deve buscar um equilíbrio entre padrões internacionais de qualidade e as particularidades do desenvolvimento nacional” (Altbach, 2020).

Portanto, o INAREES deve buscar um modelo de regulação que valorize a conformidade com padrões internacionais sem comprometer as necessidades estratégicas do país. Acreditar que apenas a replicação de modelos externos garantirá qualidade pode ser um erro que comprometerá o desenvolvimento do ensino superior em Angola.

Recomendações para o Fortalecimento do INAAREES

Para alinhar-se às melhores práticas internacionais e fortalecer o sistema de ensino superior em Angola, é recomendável que o INAAREES:

1. Adquira Autonomia Administrativa e Financeira: Rever o marco legal para garantir que o INAAREES possa operar de forma independente, com recursos próprios e gestão autónoma.

2. Estabeleça Parcerias Internacionais: Colaborar com agências de acreditação de outros países para partilhar experiências e harmonizar critérios de qualidade.

3. Implemente Processos Transparentes de Avaliação: Desenvolver e divulgar metodologias claras de avaliação par permitir que todas as partes interessadas “stakeholders” compreendam os critérios e procedimentos adoptados.

4. Promova a Capacitação Contínua: Investir na formação dos avaliadores e do corpo técnico do INAAREES para assegurar que estejam actualizados com as melhores práticas e tendências internacionais em educação superior.

5. Evite o Isomorfismo Cego: Criar políticas de adaptação dos critérios internacionais à realidade socioeconómica e científica de Angola, garantindo que a avaliação da qualidade do ensino não resulte em prejuízos para O desenvolvimento do país.

Finalmente, a necessária autonomia do INAAREES é um passo crucial para assegurar a qualidade e a credibilidade do ensino superior em Angola. Inspirando-se em modelos internacionais bem-sucedidos, mas sem cair no erro do isomorfismo, é possível promover um sistema educativo robusto, capaz de formar profissionais competentes e reconhecidos globalmente.

A revisão da estrutura actual, conferindo maior independência ao INAAREES, reflectirá o compromisso de Angola com a excelência educacional e o desenvolvimento sustentável. Como defendido por Marginson (2021), “as políticas de ensino superior devem ser dinâmicas e sensíveis às realidades locais, sem perder a conexão com os padrões globais” (Marginson, 2021).

Se almejamos um ensino superior de qualidade, é imperativo dotar o INAAREES da autonomia necessária para cumprir a sua missão com eficácia e imparcialidade, sempre adaptando os padrões internacionais à realidade de Angola.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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