Análise

Higino Carneiro e o MPLA: Sonho de poder ou erro de cálculo político?

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A mais recente edição do Novo Jornal trouxe à tona uma notícia que está a agitar os bastidores da política angolana: Higino Carneiro teria comunicado oficialmente ao presidente do MPLA, João Lourenço, a sua intenção de concorrer à presidência do partido, e, consequentemente, à chefia do Estado.

De acordo com o jornal, a reunião entre ambos decorreu na sede do MPLA, na segunda-feira, 2 de junho, e durou cerca de uma hora. A notícia, embora não confirmada oficialmente por fontes do partido, “incendiou” as redes sociais, onde rapidamente circulou um vídeo de Higino a praticar exercícios físicos ao lado do seu personal trainer – uma encenação cuidadosamente orquestrada para transmitir vitalidade, disposição e prontidão para assumir as rédeas do poder.

Um gesto ousado, mas arriscado

Na política, a ambição é legítima. O problema, porém, está na leitura do momento e da estrutura interna do partido que se pretende liderar. E neste caso, tudo indica que Higino Carneiro pode estar a cometer um erro estratégico.

O MPLA, ao longo dos seus quase 50 anos de poder, construiu uma cultura de fidelidade à liderança e de disciplina interna que raramente tolera rupturas, muito menos desafios diretos à figura do presidente em funções. A ideia de concorrência aberta à liderança é, no seio do partido, vista quase como um acto de insubordinação.

João Lourenço, que assumiu a presidência do MPLA e da República com a promessa de combate à corrupção e de renovação institucional, mantém um controlo firme sobre o aparelho partidário. Todos os sinais indicam que irá recandidatar-se à liderança do partido no próximo Congresso ordinário, agendado para 2026, e que sairá vencedor com relativa tranquilidade.

Entretanto, a aposta de João Lourenço, ao que tudo indica, será no reforço da transição geracional. Fontes internas do partido já dão conta de um movimento silencioso para remover veteranos do Comité Central e abrir espaço para novos rostos, uma estratégia que visa garantir a perenidade do MPLA com um rosto renovado, mas alinhado ao actual projeto político.

Nesse contexto, a investida de Higino Carneiro não só parece precipitada, como também desalinhada com o espírito do partido. A forma como se posiciona pode ser interpretada como uma quebra das regras tácitas que sempre governaram o MPLA: os processos de sucessão são conduzidos de dentro para fora, com consenso interno, e não por autoafirmação pública.

O silêncio dos militantes e o barulho nas redes

Curiosamente, embora o nome de Higino tenha voltado a ganhar destaque, internamente, o MPLA mantém-se em silêncio absoluto. Nenhuma figura de peso se manifestou publicamente. Isto revela uma realidade incontornável: no MPLA, a crítica interna raramente é vocalizada. Os descontentamentos existem, é verdade, mas expressam-se nos murmúrios de corredores, e não em pronunciamentos públicos.

Já nas redes sociais, o movimento que se formou em torno do vídeo de Higino revela um esforço de criar perceção pública de força, ainda que descolado da realidade interna do partido. A imagem de um líder forte, saudável e pronto pode ter algum apelo popular, mas é insuficiente para mobilizar as estruturas internas do MPLA, que continuam fiéis à ordem estabelecida.

É caso para dizer que, a ambição de Higino Carneiro é compreensível, sobretudo num momento em que o país vive desafios económicos, sociais e políticos profundos. No entanto, para quem conhece os meandros do MPLA, é difícil imaginar que esta candidatura possa prosperar. A cultura política do partido exige paciência estratégica, jogos de bastidores, construção de alianças internas, e sobretudo, respeito à hierarquia vigente. A menos que esteja disposto a romper com tudo, o que implicaria uma saída do partido ou uma cisão interna. Entretanto, Higino Carneiro pode estar a arriscar não apenas a sua carreira política, mas também o seu lugar dentro de um MPLA que, por mais que mude de discurso, continua a funcionar com as mesmas engrenagens de sempre.

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