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Opinião

Governança digital em Angola: desafios e perspectivas

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A transformação digital é um pilar fundamental para o desenvolvimento económico e social de qualquer país. No entanto, Angola enfrenta graves desafios na governança de TI, caracterizados por fragmentação dos sistemas, falta de interoperabilidade entre serviços públicos, ausência de uma cultura digital consolidada, aplicação deficiente da Lei de Protecção de Dados e a má qualidade de algumas empresas prestadoras de serviços de TI.

A ausência de um planeamento estratégico digital tem resultado em ineficiências, desperdício de recursos e um atraso significativo na modernização do país. Para reverter essa situação, é fundamental implementar uma Base de Dados Única Nacional, promover a digitalização dos processos administrativos e garantir a aplicação efectiva da Lei de Protecção de Dados.

1. A Fragmentação dos Sistemas e a Falta de Interoperabilidade

Um dos principais problemas da actual estrutura digital de Angola é a falta de integração entre os sistemas de TI dos diversos órgãos do Estado. Actualmente, cada ministério e instituição pública contrata soluções tecnológicas de forma isolada, sem alinhamento estratégico.

Um exemplo crítico dessa fragmentação é o sistema de Bilhete de Identidade Civil, que não se comunica com bancos, registos de propriedade, telecomunicações, energia e água. Isso resulta em burocracia excessiva, dificuldades no acesso a serviços essenciais e falta de fiabilidade dos dados administrativos.

Segundo Weill e Ross (2004), uma governança eficaz de TI deve garantir a interoperabilidade entre os sistemas para permitir a partilha segura e eficiente de informações. A fragmentação digital em Angola compromete a prestação de serviços públicos, a formulação de políticas eficazes e a modernização do Estado.

Casos de Sucesso no Mundo

Outros países enfrentaram desafios semelhantes e superaram-nos com estratégias digitais bem definidas:

Estónia: Criou o sistema X-Road, que integra dados de identificação, saúde, segurança social e impostos para permitir que os cidadãos acedam a serviços públicos digitalmente. Isso reduziu significativamente a burocracia e os custos administrativos (Paananen, 2019).

Singapura: Implementou uma Plataforma Nacional de Identidade Digital para permitir aos cidadãos um único acesso para diversos serviços públicos e privados, garantindo maior segurança e eficiência.

Ruanda: Tornou-se um exemplo africano de digitalização, investindo em infraestruturas tecnológicas, identidade eletrónica e digitalização de serviços públicos e melhorou significativamente a sua eficiência administrativa.

2. A Base de Dados Única Nacional: Eficiência e Segurança

Uma solução urgente para a fragmentação digital em Angola é a criação de uma Base de Dados Única Nacional, que centralize informações de identificação civil, fiscal, criminal, patrimonial e empresarial.

Sob a tutela dos órgãos de defesa e segurança, esta base de dados permitiria que as instituições públicas e privadas acedam a informações de forma padronizada, promovendo transparência, eficiência e segurança.

Além disso, a implementação desta plataforma deve estar alinhada com a Lei de Protecção de Dados Pessoais, garantindo a privacidade dos cidadãos e evitando o uso indevido das informações.

3. A Qualidade Deficiente das Empresas de TI

Outro obstáculo à digitalização do país é a baixa qualidade de algumas empresas prestadoras de serviços de TI, que muitas vezes não seguem boas práticas de desenvolvimento, segurança da informação e manutenção de sistemas.

A ausência de critérios rigorosos na selecção de fornecedores tem resultado em sistemas instáveis, inseguros e vulneráveis a ataques cibernéticos, comprometendo a confiança na digitalização do Estado.

Para resolver este problema, o governo deve exigir certificações internacionais, garantir auditorias periódicas e criar mecanismos de responsabilização para empresas que não cumprem padrões de qualidade.

4. A Cultura da Digitalização e o Fim da Dependência de Documentos Físicos

A transformação digital não se resume apenas à modernização tecnológica, mas também requer uma mudança cultural na forma como os serviços são prestados.

Angola ainda depende excessivamente de cartões físicos e processos burocráticos manuais, enquanto muitos países já adoptaram identificação digital e processos automatizados.

Um exemplo claro é o Bilhete de Identidade, que poderia ser actualizado digitalmente, eliminando a necessidade de renovações físicas desnecessárias. Isso permitiria que os esforços do Estado fossem concentrados na atribuição do documento pela primeira vez, em vez de desperdiçar recursos na repetição de processos administrativos.

5. A Implementação Efectiva da Lei de Protecção de Dados

A recolha, armazenamento e utilização de dados crescem diariamente, mas a protecção desses dados ainda é um grande desafio em Angola. Embora o país tenha aprovado a Lei de Protecção de Dados Pessoais, a sua implementação é frágil, permitindo o vazamento de informações, acessos indevidos e uso comercial não autorizado.

A protecção de dados deve ser uma prioridade, pois nenhuma transformação digital será eficaz sem garantias de segurança e privacidade para os cidadãos.

Finalmente, é necessário referir que Angola enfrenta graves falhas na sua governança digital, o que impede o país de avançar em direcção a um modelo de administração pública moderna e eficiente.

Para corrigir essa trajectória, é fundamental:

1. Adoptar uma estratégia digital unificada para garantir a interoperabilidade entre os sistemas públicos e privados.

2. Criar uma Base de Dados Única Nacional, gerida pelos órgãos de defesa e segurança para promover segurança e eficiência digital.

3. Promover a cultura de digitalização para reduzir dependência de documentos físicos e modernizar os processos administrativos.

4. Exigir padrões rigorosos para as empresas de TI, garantindo qualidade, segurança e eficiência nos serviços prestados ao Estado.

5. Implementar efectivamente a Lei de Protecção de Dados, garantindo privacidade e segurança das informações dos cidadãos.

Se essas medidas forem adoptadas, Angola poderá finalmente superar o atraso digital e construir um sistema tecnológico eficiente, seguro e alinhado às melhores práticas internacionais. Caso contrário, o país continuará atolado num caos digital que prejudica o desenvolvimento económico e social de toda a nação.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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