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Golpes de Estado: os revolucionários africanos que em nada abonam

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Diferente dos revolucionários do continente berço dos séculos passados (que se batiam pelo fim do colonialismo), os actuais destacam-se pela realização de golpes de Estado. A seguir a esse passo, nada mais de relevante fazem, senão blindar o seu poder com a falsa justificativa de que sejam alvo de potências ocidentais. Entretanto, o remédio para esses males talvez fosse a receita sugerida por João Lourenço na ONU.

A definição do homem revolucionário em África parece estar a mudar do sentido original. Anteriormente, o revolucionário no continente era uma pessoa nobre, a quem se identificava devoção à causa comum e amor à pátria, dado que lutava para a libertação do povo. Ou seja, para, primeiro, o fim da escravatura, e mais tarde, contra a ocupação colonial.

Por hoje, em muitos casos, o título está a ser atribuído a jovens ou a velhos militares golpistas, uma prática que acaba por ferir a ordem e os fundamentos constitucionais.

Vários relatórios de inteligência concluem que, em muitas realidades, a vaga de golpes de Estado ocorre em resposta à fuga ao limite de mandatos por parte de diferentes presidentes, e como exemplo são apontados o Chade, o Gabão, a Guiné, Sudão e o Zimbabué, países cujas presidências tiveram uma duração média de 30 anos por mandato.

No entanto, todos esses golpes iniciados a partir de 2015, não ”devem ser interpretados como reformistas”. Na verdade, foram golpes perpetrados por actores que faziam parte do regimes anteriores ou com o quais trabalhavam em estreita colaboração, sendo directamente co-autores das políticas que angustiaram a população durante décadas.

No cômputo geral, são uma continuação das estruturas de poder que dominavam e que contribuíram para o menosprezo dos limites do mandato presidencial constantes na Lei Magna.

Já os mais recentes golpes de Estado contra líderes democraticamente eleitos no Níger, Mali e Burkina Faso são apontados, em relatórios, como tentativas de restaurar a governança militar em países com longos (e desastrosos) legados de regime militar.

Nestes casos, estes golpistas têm justificado o caos causado à ordem constitucional com a necessidade de se ”devolver o poder ao povo”, ”restaurar o país”, bem como ‘afastar os imperialistas ocidentais”.

Mas, depois de meses ovacionados, constata-se que estes líderes militares aumentaram a repressão contra o seu próprio povo, não têm permitido uma oposição funcional, asfixiando assim qualquer possibilidade de funcionamento democrático, mantêm uma justiça nada objectiva e sufocaram a economia de mercado.

E ao invés de trabalharem no sentido de em pouco tempo devolverem o poder aos civis, conforme é exigido pela comunidade internacional, blindaram-se com forças paramilitares especializadas, sendo o Grupo Wagner a preferência, uma organização criada e financiada pelo governo russo.

Portanto, é urgente que a ONU, a maior tribuna política mundial, bem como as organizações regionais encontrem mecanismos dissuasores para deixar muito claramente que acções deste tipo não são toleradas. Talvez um dos caminhos a seguir seja o sugerido pelo Presidente angolano, João Lourenço, na 78.° Assembleia Geral da ONU, em que referiu que a maior tribuna política global não devia dar assento a actores golpistas.

“[Esses golpistas] não devem ser premiados com a possibilidade de partilharem connosco os mesmos palcos políticos, sob pena de estarmos a passar uma mensagem errada, contrária aos princípios que defendemos”, reafirmou o presidente angolano.

De lá para cá, João Lourenço tem demonstrado coerência ao lhe dar com os regimes militares resultantes de golpes. Mantém clara distância e, naquilo em que pode, tem optado por estratégias que acabam por funcionar como sanções contra estes.

Por exemplo, em resposta ao golpe de Estado contra Ali Bombo, no Gabão, em 2023, sob orientação de Luanda, o diplomata angolano e na qualidade de presidente da Comissão Económica dos Estados da África Central (CEEAC), deu início a um processo de transferência da sede da entidade de Libreville, no Gabão, para Malabo, na Guiné Equatorial. A medida visava dar mostras claras de que Angola não pretende premiar golpes constitucionais.

Em acto contínuo, as representações diplomáticas angolanas no Gabão deixaram de lhe dar directamente com as autoridades daquele país, dado que resultaram de um golpe de Estado.

Precisamente a 11 de Novembro de 2023, período em que se celebrou mais um ano de independência de Angola, a Embaixada angolana no Gabão realizou um evento a propósito em que convidou diplomatas de outros países, mas não estendeu convite a nenhum membro do governo do regime militar. O facto elevou a ira do governo agora liderado pelo general Brice Oligui Nguema.

Porém, Luanda mantém a postura, e só não alarga posições fortes contra outros golpistas no continente por estarem regionalmente longe da esfera angolana.




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