Entrevista
Gigantes europeias do petróleo acusadas de alimentar crise climática e social na África e Médio Oriente
Investigação expõe como Shell, BP e outras multinacionais lucram com a queima de gás, intensificando a poluição e prejudicando milhões de pessoas.
Uma investigação jornalística inédita revelou o lado obscuro da indústria petrolífera europeia na África e no Médio Oriente. Gigantes como Shell, BP, ENI, TotalEnergies e Perenco, em busca de lucros exorbitantes, estão a intensificar a crise climática e social ao queimar rotineiramente gás natural durante a produção de petróleo.
A informação foi revelada pelo Environmental Investigative Forum (EIF) e pela rede de mídia European Investigative Collaborations (EIC), Daraj Media, SourceMaterial e Oxpeckers Investigative Environmental Journalism, num artigo denominado “Céus em chamas: por trás das chamas tóxicas das grandes petrolíferas“.
A queima de gás, um dos principais causadores do efeito estufa, libera na atmosfera toneladas de gases tóxicos que contaminam o ar, a água e o solo. As consequências para a saúde das populações locais são devastadoras, com um aumento significativo de doenças respiratórias, cancro e outras enfermidades.
A investigação, segundo o documento divulgado pelo consórcio, apoiado por outros 14 parceiros de media, é resultado de mais de um ano de acompanhamento de emissões de queimadas em dezoito países entre 2012 e 2022, no que está a ser considerado como o maior estudo até o momento sobre o assunto.
“As emissões de queima são amplamente subestimadas pelos padrões internacionais actuais – e às vezes até mesmo subnotificadas pelas próprias multinacionais, como as gigantes do petróleo, como BP, TotalEnergies e ENI”, alega o consórcio internacional, no artigo a qual o Correio da Kianda teve acesso.
O documento disponível online cita ainda Angola, Iraque, Egipto, Tunísia e Argélia, como países com consequências devastadoras para a população local exposta no solo contaminado.
Até o momento, as empresas citadas pelo consórcio não se manifestaram sobre a investigação.
Recordar que, conforme destaca o artigo internacional, a “queima de gás natural, que consiste na queima de gás natural como parte da cadeia de fornecimento de combustíveis fósseis, é um dos principais impulsionadores das mudanças climáticas e tem custos catastróficos para as biosferas e populações locais“.
Sobre o assunto, o Correio da Kianda consultou o coordenador da organização ambiental Minuto Verde, Rafael Lucas. Leia a entrevista abaixo.
Como a queima de gás natural contribui para a degradação ambiental?
A queima de gás natural é uma prática comum nas indústrias de petróleo e gás, especialmente na África e no Oriente Médio, e contribui de forma alarmante para a degradação ambiental, assim como também para as mudanças climáticas. O artigo do consórcio traz o resultado de uma investigação a empresas como a Total Energia, a ENI, classificadas infelizmente, entre as maiores poluidoras a nível da região, e outras também. Diante desta situação, entendemos nós ser urgente acções para mitigar, digamos, esses efeitos devastadores.
O resultado é preocupante?
É com grande preocupação que o resultado da investigação mostra como a queimada, ou as queimadas, impactam de forma profunda no ambiente e as populações locais. A prática de queimar gás natural acaba sendo um dos subprodutos da extração de petróleo e resulta em grande quantidade de emissões de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono, ou seja, o CO2, e o metano. Ambos contribuem de forma directa para o aquecimento global.
Logo, com essas emissões temos um impacto directo nas mudanças climáticas…
Essas emissões, na verdade, muitas das vezes submetidas ou subnotificadas pelas grandes empresas, não só aceleram as mudanças climáticas, como também têm consequências directas na saúde pública das nossas populações, afectando de forma directa as comunidades próximas às operações petrolíferas.
Quais as consequências para Angola?
De forma concreta em Angola, país com grande dependência no sector petrolífero, as consequências da queimada são particularmente severas. A exposição constante aos poluentes afecta a qualidade do ar e gera sérios problemas de saúde para as populações locais, além de degradar, digamos, o ecossistema ao redor do campo de extracção.
Ou seja, é necessário uma intervenção urgente.
É importante fazer referência que há mesmo necessidade de continuarmos a preservar e proteger o ambiente, visto que esta é uma situação que deixa de forma alarmante e exige uma intervenção imediata, digamos, não só do governo local, assim como também das organizações não governamentais.
Quais seriam os custos disso?
O Banco Mundial fez referência de que é necessário 200 bilhões de dólares para acabar com a prática, mas entendemos não ser uma fração dos lucros astronómicos obtidos pelas indústrias de combustíveis fósseis. Este investimento seria, na verdade, uma medida de justiça climática e ambiental, protegendo assim tanto o clima global, bem como também as populações locais.
Pensa que actual legislação ambiental angolana é suficiente?
Queremos enfatizar que é necessário também que o Governo angolano procure optar por políticas mais rigorosas de regulação e fiscalização sobre emissões geradas pela queima de gás. É essencial que se exija maior transparência das políticas multinacionais e que se busque alternativas energéticas mais limpas e renováveis, como a solar, a eólica, assim como também para diversificar a matriz energética do nosso país e reduzir a sua dependência de petróleo. Contudo, queremos dizer que a queima de gás natural é uma prática insustentável, cujos efeitos se fazem sentir, tanto no clima global quanto na saúde das comunidades mais vulneráveis.