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Opinião

Gestores ou políticos? O verdadeiro papel dos Secretários de Estado e Directores Nacionais, Provinciais e Municipais

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A distinção entre cargos políticos e administrativos é um debate essencial para a boa governação em Angola. No contexto da estrutura governativa, Secretários de Estado, Vice-Governadores, Directores Nacionais, Provinciais e Municipais são frequentemente vistos como cargos políticos, sobretudo pela forma como são nomeados e pela sua relação directa com os titulares do poder executivo. No entanto, uma análise mais aprofundada revela que estas funções pertencem predominantemente à esfera administrativa e técnica, desempenhando um papel crucial na implementação das políticas públicas.

O modelo de governação angolano assenta numa estrutura hierárquica onde as decisões estratégicas são definidas pelo Presidente da República e pelo Conselho de Ministros, cabendo aos gestores intermédios garantir a operacionalização dessas orientações. Segundo Chiavenato (2014), a administração pública deve ser entendida como um processo técnico de gestão de recursos, no qual a função dos gestores é optimizar a execução das políticas previamente estabelecidas, garantindo eficiência e transparência.

A Função Administrativa e Técnica dos Secretários de Estado, Vice-Governadores e Directores

Os Secretários de Estado desempenham um papel de coordenação e supervisão técnica dos sectores ministeriais, sendo responsáveis por assegurar a implementação eficiente das políticas públicas sob orientação directa dos Ministros. Diferente dos Ministros, que têm atribuições políticas e estratégicas, os Secretários de Estado assumem uma função essencialmente operacional, garantindo a continuidade das acções governativas dentro dos ministérios.

No nível provincial, os Vice-Governadores desempenham funções semelhantes, com responsabilidades específicas que variam conforme a área a que estão afectos (sector político, económico, social ou técnico). Embora sejam nomeados politicamente, a sua actuação é predominantemente administrativa e técnica, assegurando a implementação das directrizes do governo central a nível provincial.

Os Directores Nacionais, Provinciais e Municipais, por sua vez, são os responsáveis pela gestão efectiva dos sectores públicos nos diferentes níveis de governação. Enquanto os Directores Nacionais garantem a aplicação das políticas sectoriais em todo o país, os Directores Provinciais e Municipais são encarregues de adaptar e operacionalizar estas políticas dentro das especificidades locais. Mintzberg (1993) destaca que, numa estrutura governativa, os gestores intermédios têm o papel de assegurar a operacionalização das decisões superiores, mas sem autonomia para formular estratégias políticas independentes.

Nomeação Política vs. Critérios Técnicos

Uma das grandes discussões sobre estes cargos reside no facto de serem nomeados pelo Presidente da República, Governadores Provinciais ou Ministros, o que pode gerar a percepção de que são meramente políticos. No entanto, idealmente, a nomeação destes gestores deve seguir critérios técnicos e meritocráticos, garantindo que os ocupantes tenham qualificação e experiência adequadas para desempenhar as suas funções com eficiência.

A teoria da burocracia de Weber (1922) enfatiza que uma administração pública moderna deve assentar na competência técnica e profissionalismo, e não apenas na influência política. No caso de Angola, onde a reforma da administração pública e o fortalecimento da governação local são desafios constantes, a valorização do mérito e da especialização técnica nestes cargos é essencial para melhorar a qualidade dos serviços prestados à população.

Além disso, a valorização do papel dos Secretários-Gerais dos Ministérios, Governos Provinciais e Municipais deve ser uma prioridade para garantir a sustentabilidade e estabilidade do cargo para reduzir interferências políticas que comprometam a eficiência da gestão pública. Um sistema de nomeação e progressão baseado no mérito e na experiência permite consolidar a legitimidade burocrática, assegurando que a administração pública funcione como um pilar independente do Estado e não como um instrumento de interesses político-partidários. Quando estes cargos são constantemente politizados, o risco de instabilidade aumenta, afectando a continuidade das políticas públicas e minar a confiança da sociedade nas instituições. Portanto, é necessário estabelecer criterios técnicos para o perfil desejável do exercício do cargo de Secretário- Geral e sua permanência mediante mandatos burocráticos.

A Continuidade Administrativa para garantir Estabilidade Governativa

Outro aspecto essencial é a continuidade administrativa destes cargos. Em muitos países, gestores administrativos de alto nível mantêm-se nas suas funções independentemente das mudanças políticas para garantir a estabilidade da governação e a continuidade dos projectos públicos.

Em Angola, Directores Nacionais, Provinciais e Municipais muitas vezes permanecem nos seus cargos mesmo após mudanças governativas, o que reforça o seu carácter administrativo. Pollitt e Bouckaert (2011) argumentam que uma administração pública eficiente deve evitar interferências políticas excessivas na gestão técnica, permitindo que programas governamentais de longo prazo sejam implementados com sucesso, independentemente da alternância no poder.

Já os Secretários de Estado e Vice-Governadores podem ser mais susceptíveis a substituições por razões políticas, mas, na sua essência, continuam a desempenhar funções técnicas de gestão e coordenação administrativa.

Os Riscos da Politização Excessiva da Administração Pública

Apesar da distinção teórica entre cargos políticos e administrativos, a realidade angolana evidencia uma forte politização da administração pública, o que pode comprometer a eficiência da gestão pública. A nomeação de gestores baseada exclusivamente em critérios políticos pode levar a vários problemas, como:

● Falta de continuidade nos projectos governamentais, pois mudanças políticas podem resultar na substituição de quadros qualificados por nomeações políticas sem critério técnico;

● Enfraquecimento institucional, uma vez que a administração pública perde capacidade técnica quando os seus quadros são constantemente alterados por razões político-partidárias;

● Redução da eficiência e transparência na gestão pública, criando um ambiente onde a lealdade política pode sobrepor-se à competência técnica.

Para garantir uma administração pública moderna e eficaz, é fundamental que os gestores públicos sejam nomeados com base no mérito e na capacidade técnica, assegurando a implementação eficaz das políticas públicas e a melhoria contínua dos serviços prestados à população.

Conclusão: Gestores Técnicos ou Representantes do Poder Político?

A resposta a esta questão reside na forma como Angola estrutura a sua governação e define os critérios para a nomeação dos seus gestores públicos. Na teoria, Secretários de Estado, Vice-Governadores, Directores Nacionais, Provinciais e Municipais são essencialmente administradores técnicos, responsáveis por implementar as políticas governamentais e assegurar o funcionamento eficiente do Estado.

No entanto, a forte influência política sobre estes cargos pode, na prática, transformá-los em meros representantes do poder político, comprometendo a estabilidade e a eficiência da gestão pública. Para que Angola possa consolidar um modelo de governação eficiente, é essencial que os critérios de nomeação e desempenho nestas funções estejam alinhados com princípios de competência, profissionalismo e gestão orientada para resultados.

Desta forma, o Estado poderá garantir que os seus gestores públicos actuem verdadeiramente ao serviço dos cidadãos, e não apenas como peças estratégicas do jogo político nacional.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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