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Politica

“Fui ingénuo”, diz Carlos Saturnino

Falta de abastecimento provocou sérios problemas e acabou com saída do presidente da Sonangol. Que reconhece: “Fui ingénuo”

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“Apagar o incêndio com baldes de gasolina”. Esta imagem retrata, na perfeição, a forma desastrosa como foi gerida a maior crise de combustíveis que esta semana atingiu Angola e que culminou com o afastamento de Carlos Saturnino do cargo de presidente do Conselho de Administração da Sonangol. O antigo homem forte da petrolífera angolana, sucedendo no cargo a Isabel dos Santos, protagonizou uma guerra aberta com a filha de Eduardo dos Santos, mas não conseguiu resistir ao vendaval de descontentamento popular provocado por uma crise que mergulhou o país num generalizado apagão sem precedentes. “Era demasiado egocêntrico e vaidoso e sendo outros os tempos, não percebeu que não poderia ser um segundo Manuel Vicente”, disse ao Expresso fonte da Presidência angolana.

Depois de uma primeira crise de combustíveis ter estalado há mês e meio, os sintomas do seu agravamento acentuaram-se e nem mesmo os alertas do Ministério da Energia parecem ter sido suficientes para despertar a atenção da liderança da Sonangol. A partir do fim de semana, uma atrás da outra, as bombas de gasolina foram ficando sem combustíveis e longas filas de viaturas imobilizadas à entrada dos postos de abastecimento passaram a simbolizar o quotidiano de várias cidades do país.

“Sem transportes públicos a funcionar, deixei de poder estar a horas no emprego e de poder também levar os meus filhos a escola”, queixa-se Belmiro dos Santos, empregado de uma agência bancária localizada na zona de Talatona.

A falta de combustível provocou também a paralisação da atividade em vários estabelecimentos hospitalares e indústrias que funcionam com base na energia fornecida por grupos geradores. Se o país ficou literalmente paralisado, como reconhece o economista Aurélio José, São Tomé e Príncipe, que depende também do fornecimento de combustível de Angola, acabou igualmente por ser afetado.

Carlos Saturnino é acusado de ter cometido um pecado capital ao ter omitido ao Presidente informação referente à iminência da rutura, que culminou no caos instalado no país. “Reconheço que, neste aspeto, fui ingénuo”, confessou ao Expresso o antigo presidente da Sonangol. Com essa omissão, Carlos Saturnino, segundo alguns analistas, terá sentenciado o seu destino.

Acossado com o aumento dos protestos da população, o Presidente, impaciente, ‘deu um murro na mesa’ e não teve outra saída senão afastá-lo da liderança da petrolífera num momento em que esta regista um aumento significativo da prestação do upstream (extração de petróleo) e poderá, pela primeira vez em muitos anos, distribuir uma pequena quota de lucros aos acionistas.

Não estando em causa a sua competência, Carlos Saturnino reconhece que a logística da distribuição de combustível era o calcanhar de Aquiles da sua gestão mas não deixa de endossar o cheque à Prodel — Empresa Nacional de Distribuição de Energia —, subsidiárias e outros organismos do Estado, que têm contraída uma elevada dívida junto da Sonangol. “Devem o equivalente a mais de mil milhões de dólares (€892 milhões)”, revelou ao Expresso um alto responsável do Ministério das Finanças.

Nalguns meios, ao ancorar a sua defesa numa alegada falta de divisas, a posição da Sonangol foi censurada por entrar em aparente contradição com a política de liberalização sustentada pelo Banco Nacional de Angola que permite agora que a comercialização dos bilhetes de passagem no exterior de Angola possa ser feita em kwanzas.

“A questão de fundo pode residir em parte na falta de liquidez em moeda nacional”, explica o economista Carlos Rosado. A permanência de Saturnino à frente da Sonangol, começou a tornar-se insustentável depois de se ter oposto à criação da Agência Nacional de Petróleos, que, enquanto secretário de Estado dos Petróleos, defendia para esvaziar a Sonangol, então dirigida por Isabel dos Santos.

“Começou aqui o clima de tensão permanente com o ministro e não percebeu que a corda acabaria por partir do seu lado”, explica fonte do Governo. E partiu agora num momento em que era também evidente “a guerra surda” com o presidente da recém-criada Agência Nacional de Petróleos, liderada por Paulino Jerónimo. O seu lugar será ocupado por Gaspar Martins, que é visto como tendo tido uma passagem pouco edificante à frente da área da Pesquisa e Produção.

Perante a sucessão de trapalhadas que estão a contribuir para o esboroamento do capital de confiança depositado pela população na sua governação, esta pode ser a primeira de uma série de outras mudanças que o Presidente João Lourenço vai encetar a partir do Congresso Extraordinário do MPLA marcado para 15 de junho próximo.

 

Gustavo Costa / Expresso