Análise
Êxodo Rural e seu impacto na dinamização da agricultura familiar em Angola
A agricultura familiar é, em muitas regiões de Angola, o coração silencioso que alimenta comunidades inteiras.
Não são grandes fazendas nem multinacionais do agronegócio que sustentam o prato do cidadão comum — são as pequenas lavras, as famílias camponesas, os agricultores que fazem da enxada um instrumento de sobrevivência. Mas esse modelo vital de produção está em risco.
O êxodo rural — o abandono das zonas rurais em direção às cidades — está a desarticular lentamente, e com gravidade crescente, a base humana da agricultura familiar no país.
Quando o campo perde braços, a lavra perde força
A agricultura familiar depende da permanência e da transmissão do saber entre gerações. No entanto, os jovens deixam o campo, desmotivados por falta de escolas, acesso à terra com segurança jurídica, falta de assistência técnica e escassez de oportunidades. O que era uma tradição produtiva e comunitária transforma-se num espaço abandonado, onde apenas os mais velhos permanecem — muitas vezes sem força para manter a produção.
O resultado é direto: menos produção, menor diversidade alimentar, maior dependência de produtos importados.
O paradoxo urbano: fome nas cidades, terra abandonada no campo
Enquanto os centros urbanos se enchem de vendedores informais a lutar pela sobrevivência, muitas áreas rurais veem as suas terras deixadas ao abandono. O paradoxo salta aos olhos: temos terra fértil sem gente e gente sem terra útil. O êxodo rural, ao esvaziar o campo, cria um desequilíbrio na lógica alimentar e económica do país.
A agricultura familiar, que deveria estar a crescer como solução para a segurança alimentar, definha por falta de braços, de políticas e de atenção governamental.
A cultura agrícola em risco
O impacto do êxodo não é apenas económico — é também cultural. Perdem-se práticas agrícolas sustentáveis, saberes ancestrais sobre o manejo da terra, o plantio e a colheita, o uso de sementes tradicionais. O êxodo rural não está só a esvaziar o campo, está a apagar a memória viva da agricultura camponesa.
E se valorizássemos quem fica?
A solução não passa apenas por dizer “fiquem no campo” — mas por tornar o campo um lugar digno de se viver e produzir. Algumas medidas possíveis:
Construção de escolas rurais funcionais e adaptadas à realidade agrícola.
Criação de programas de incentivo à juventude camponesa (formação + financiamento).
Acesso real à terra, com segurança jurídica para agricultores familiares.
Apoio à comercialização dos produtos locais, com mercados acessíveis e justos.
Inclusão da agricultura familiar nas estratégias nacionais de desenvolvimento.
Conclusão: Sem agricultura familiar, não há soberania alimentar
O êxodo rural não é apenas uma escolha individual — é um reflexo da exclusão estrutural das comunidades rurais. Se o país continuar a ignorar essa realidade, caminhará para uma dependência alimentar cada vez maior, com consequências sociais graves.
Valorizar a agricultura familiar é manter viva a terra, o alimento e a dignidade de quem planta.
E isso começa por estancar a fuga silenciosa que seca as aldeias — e ameaça o futuro da nossa mesa.