Análise
EUA – Nigéria: quando o contraterrorismo é, afinal, geopolítica pura
Esse “apoio militar dos Estados Unidos” à Nigéria numa operação conjunta contra o Estado Islâmico no estado de Sokoto não é apenas mais um episódio da luta global contra o terrorismo. É, acima de tudo, um movimento estratégico calculado, num tabuleiro africano cada vez mais disputado.
Quando Washington confirma “ataques poderosos e mortais” executados pelo Africom em coordenação com Abuja, não estamos perante um simples gesto de solidariedade militar. Estamos a assistir a uma tentativa clara de reposicionamento dos EUA na África Ocidental, numa altura em que a sua influência no Sahel está a desmoronar-se a olhos vistos, empurrada por golpes de Estado, discursos soberanistas e a crescente presença russa e chinesa.
A escolha de Sokoto não é inocente. O noroeste da Nigéria funciona hoje como zona tampão entre o país mais populoso de África e o arco de instabilidade do Sahel. Se essa região cai sob controlo jihadista, o efeito dominó seria devastador, não apenas para a Nigéria, mas para toda a África Ocidental. É contenção preventiva, não heroísmo.
O discurso de Donald Trump, ao enquadrar o Estado Islâmico como um grupo que “mata principalmente cristãos inocentes”, revela mais sobre a política interna americana do que sobre a realidade nigeriana. Esse tipo de narrativa é perigoso num país profundamente marcado por equilíbrios religiosos frágeis. O ministro Yusuf Tuggar percebeu isso rapidamente e fez bem em cortar a leitura religiosa do conflito: terrorismo não é religião, é poder armado e controlo territorial.
A verdade crua é esta: a Nigéria aceitou o apoio americano porque já não consegue enfrentar sozinha grupos como o ISWA e o Boko Haram. Estes deixaram de ser meras células terroristas; são estruturas organizadas, com financiamento, redes transfronteiriças e ambições شبه-estatais. Recusar ajuda externa, neste contexto, seria romantismo suicida.
Mas não há almoços grátis em geopolítica. Ao abrir espaço para operações conjuntas, Abuja está a ceder margem de soberania operacional em troca de sobrevivência estratégica. É uma escolha dura, mas racional. O problema é que estas operações, por mais “cirúrgicas” que sejam, não resolvem as causas profundas do terrorismo: exclusão social, governação fraca, corrupção e ausência do Estado.
Em suma, os EUA não estão a ganhar uma guerra na Nigéria. Estão apenas a evitar que a percam por completo. E a Nigéria, por sua vez, está a lutar não por vitória, mas por tempo.
Tempo para não se tornar o próximo Mali. Tempo para não ser engolida pelo caos regional. Tempo para provar que ainda é um pilar de estabilidade numa África Ocidental em convulsão.
E isso, goste-se ou não, já diz muito sobre o estado actual da segurança em África.