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O espião português que tem a vida (quase) toda no Facebook
Frederico Carvalhão Gil, o agente do SIS suspeito de passar informação confidencial a um agente russo em Roma em maio de 2016, tinha na altura uma página no Facebook em nome pessoal, com várias imagens da Rússia, da família do último czar e de bailarinas russas vestidas como princesas. O ex-operacional mostrava várias fotos suas, atuais e quando era mais novo, e com alguma paciência é até possível traçar um roteiro das suas últimas viagens: Albânia, Geórgia, Ucrânia e, talvez, Rússia.
Na semana em que foi detido, um antigo elemento dos serviços explicou que o principal arguido da Operação “Top Secret” começou por violar as mais elementares regras do bom senso: “Não é suposto que um operacional dos serviços de informação se exponha em redes sociais acessíveis a qualquer pessoa”.
Carvalhão Gil, que foi detido numa esplanada na capital italiana quando se preparava para trocar informação com um espião russo a troco de dinheiro, nem sequer usava as ferramentas de privacidade do Facebook: qualquer pessoa pode aceder às fotos e aos posts que publicou ao longo dos últimos anos. “Esses meios podem e devem ser utilizados pelos agentes, mas no contexto da atividade dos serviços e não à sua revelia”, insiste a mesma fonte.
Contudo, o Expresso sabe que há indicações informais dos serviços em relação a este ponto: as redes sociais podem ser usadas pelos agentes em nome pessoal desde que não exponham a sua atividade.
Carvalhão Gil estava nos SIS desde a fundação dos serviços, ainda nos anos 80. Chegou a ser chefe de divisão, mas foi demitido do cargo de chefia no final dos ano 90 na sequência de uma “viagem de estudo” com um grupo que tinha acabado o curso. “Acompanhou-os ao estrangeiro e teve um comportamento pouco profissional”, explica outra fonte. “Devia acompanhá-los mas preferiu fazer turismo com uma senhora que o acompanhou.”
A senhora em questão era uma namorada georgiana com quem Carvalhão Gil tinha uma relação afetiva. Uma fonte conhecedora do processo conta que o agente aceitou a punição e passou a trabalhar na recolha e análise de informação. Carvalhão Gil mudou de comportamento quando passou, primeiro, por um divórcio e depois por um susto relacionado com a saúde.
Da Rússia à Prússia
Por mais do que uma vez teria vendido informação classificada aos russos a troco de dinheiro, tendo viajado para outros países europeus com a missão de se encontrar com o agente russo Sergey Nicolaevich Pozdnyakov. Cada informação valia 10 mil euros. O caso foi descoberto pelo então chefe das secretas, Júlio Pereira, que denunciou o agente à PJ.
O advogado do ex-espião negou sempre que Carvalhão Gil tenha vendido segredos de Estado a troco de dinheiro, garantindo que o dinheiro que recebeu do russo era apenas de natureza comercial.
Quase dois anos depois do encontro em Roma, a página do Facebook de Carvalhão Gil continua ativa. O último post data de novembro de 2017. “Ao reler a “Técnica do Golpe de Estado”, de Cruzio Mslaparte, que lhe valeu uma passagem por Regina Coeli, lembrei-me que em Portugal existem organizações que já nem sequer podem utilizar a máxima de Maria Teresa, relarivamente à Polónia, e a que se cingia Pilsudski :” Agir à prussiana, conservando as aparências da honestidade”, escreveu o ex-espião condenado a 7 anos e 4 meses de prisão e que está em prisão domiciliária.
Quanto ao espião russo do SVR (os serviços secretos russos, que até aos anos 90 eram conhecidos por KGB), que chegou a estar em prisão preventiva na mesma cadeiade alta segurança do português, acabou por ser extraditado de Roma para Moscovo, contra a vontade das autoridades de Lisboa. No Ocidente, poucos saberão do do seu paradeiro.
Carvalhão Gil foi condenado esta quinta-feira a pena de prisão.