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A escola no Neves Bendinha “escondida” ao Presidente

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“Passaram com o Presidente aqui mesmo, defronte à escola, mostraram a vala, mas não mostraram à esco-la”, desabafa Evaristo, que tem a casa contigua a parede da escola. 

O quintal está enfaixado por chapas de zinco, encravadas na vertical, fazendo uma altura de quase três metros. Mas nenhuma chapa está isenta de ferrugem e frinchas. Nenhuma está isenta do banho de pó e dos homens do alheio que, no silêncio da noite, arrancam e põem-se em fuga.  

Quem passa pela rua, dificilmente consegue descortinar o que está por detrás daquelas chapas: uma escola em estado avançado de obras. A sua conclusão tiraria centenas de crianças fora do sistema do ensino. A escola 16, situada no Neves Bendinha, foi tutelada, no passado, pela Administração do Município do Kilamba Kiaxi, agora é adstrita a Luanda. 

O estabelecimento escolar está encerrado há mais de seis anos. As obras estão paralisadas há mais de três anos. Uma construtora chinesa abandonou os trabalhos sem colocação de portas e janelas, mas deixou um funcionário sem salário, para guarnecer o local.  

O edifício tem um andar, paredes rebocadas e telhas vermelhas. Na semana passada, encontramos um cadeado, pendurado por fora, no extenso portão de chapas. Havia uma viatura ligeira de cor branca, lixo espalhado pelo quintal. Parte das paredes esverdeadas das salas da antiga 16 está intacta. Já a nova escola, construída em forma de L, precisa de portas, janelas e carteiras para acolher meninos de batas brancas.

A porta da casa defronte à escola está entreaberta. Uma mulher, dos seus cinquenta e tal anos, na companhia de umas raparigas e crianças, informou que o guarda ausenta-se para fazer trabalhos de venda de água com a motorizada de três rodas, também conhecida por “avó chegou”. 
A mulher tem um vestido azul e pano pintalgado. Não se levanta do chão, enquanto fala em tom agudo sobre a falta gritante que a escola está a fazer aos moradores do antigo Bairro Popular. “Os nossos filhos e netos pequenos têm de ir longe para estudar. A escola falta pouco, mas não sabemos porque não acabaram”, diz. 

Mal balbucia para lançar novas ideias, a jovem com o bebé no colo acrescenta: “Não nos podem dizer que é falta de dinheiro, isto é problema de gestão”.

Esta semana, voltámos à escola pela segunda vez. A rua é ingreme, onde os buracos fazem ondulação. Ou seja, há mais buracos do que asfal-to. Esta rua liga o bairro Cassequel do Buraco e a estrada Machado Saldanha. 

A degradada via é estreitada pelas crateras. Escorre água pútrida, muito escura, na pequena vala de esgoto aberta rente à parede de residências. O passeio deste lado mede uns seis palmos. 
Além das chapas, o quintal é também suportado por um pequeno muro sem reboque e antigo. Os tijolos quebrados pelo tempo mantêm-se firmes. Há árvores frondosas. À distância nada indica que seja escola. 
Alguns cabos eléctricos estão submersos no passeio esburacado, confiscado pela areia. Os condutores dirigem com o pé no travão e com o coração alinhado aos custos em caso de quebra de sobressalentes. 

A rua tem movimento de carros velhos que fazem serviço de táxi. Alguns postes hasteiam bandeira cor ma-genta alaranjado, marcando o dia em que o Presidente da República passou por ali. Um dia que também ficou marcado pelos moradores das redondezas, uma vez que, se soubessem da visita, gostariam de manifestar com panfletos para verem concluída a escola. 

“Mas não sabíamos que o Presidente passaria por este caminho”, conta Evaristo, que trabalha no Cuando Cubango, mas a gozar férias em Luanda.Ao nosso regresso, o portão está sem cadeado. Observa-se uma tabuleta, fixada na parte superior das chapas. Não condiz com as obras, nem com a construtura, nem com o dono da obra, nem com os prazos da obra. 

É um reclame de chapa, pintado em branco, com letras azul e vermelho. Pertence a um centro de formação profissional que dá aulas de explicação, algures no bairro, de matemática, química e física. 

Batemos o portão por 15 minutos. Ninguém abre. Transeuntes e moradores olham atentamente para o repórter. Tentamos forçar a entrada. Esforço em vão.. A porta de chapa está pesada, parecendo presa por algum objecto. No interior, além da viatura de cor branca, há uma Toyota Hyace azul e branco. As matrículas das viaturas não são visíveis.  

Pela ranhura do portão, vê-se um  homem de tronco nu, numas das salas do rés-do-chão. Ele espreita, mas continua mudo. Talvez seja o guarda. Ele não quer saber de “intrusos”.

  Espaço privilegiado para velório e outros cultos religiosos

Mal nos despedíamos da mulher, um jovem aproxima-se e faz outras revelações. “Este lugar servia de velório e cultos religiosos dos cidadãos congoleses”, conta.

Os moradores ao arredor já tiveram noites mal dormidas, causadas pelas preces ensurdecedoras e pelos óbitos tumultuosos, realizados no local. “Haviam dias que o barulho era tanto e, nos dias de funerais, a rua era intransitável”, lembra-se a anciã.

A chefe de secção de Educação de Luanda, Joana Neto, confirma tal facto, por telefone, e afirma que tais actividades eram realizadas no local, mas fruto de uma denúncia a situação foi regularizadas.
O guarda arrendava o espaço para eventos em conluio de alguns membros da Comissão de Moradores.  

Os moradores contam que o guarda não aufere salário e, por não ter onde morar, a construtora chinesa deixou-o para controlar o lugar, para que se evite vandalização.  
“Não temos guardas suficientes, por isso não temos lá os nossos”, afirma a chefe de secção de Luanda,Joana Neto, que lembrou que as obras paralisaram por falta de verbas.

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