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Análise

Escalada Israel-Irão e a aposta de alto risco de Trump: implicações globais e regionais

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A decisão dos Estados Unidos, sob a liderança do Presidente Donald Trump, de bombardear três centros de enriquecimento de urânio no Irão Fordow, Natanz e Isfahan com bombardeiros B-2 marca um ponto de inflexão no conflito entre Israel e o Irão, que se intensifica há nove dias. Este ataque, que visa neutralizar o programa nuclear iraniano acusado por Washington e Telavive de estar próximo de desenvolver armas nucleares, representa a mais arriscada aposta da administração Trump na arena internacional.

O bombardeamento dos centros nucleares iranianos insere-se numa estratégia de contenção do programa nuclear do Irão, que os EUA e Israel consideram uma ameaça existencial. Embora a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) não tenha confirmado violações claras do Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA) até recentemente, a retirada unilateral dos EUA deste acordo em 2018, seguida de sanções severas, empurrou o Irão para uma postura mais agressiva no enriquecimento de urânio.

A destruição de infraestruturas críticas como Fordow, Natanz e Isfahan visa debilitar a capacidade nuclear de Teerão, mas também sinaliza uma transição de uma política de pressão económica para uma intervenção militar direta, algo inédito desde os conflitos no Iraque e Afeganistão.

A aposta de Trump, embora previsível face ao seu alinhamento com Israel e à retórica belicista, eleva o conflito a um nível de imprevisibilidade. Esta escalada não apenas intensifica as tensões com o Irão, mas também desafia a ordem internacional, testando as alianças e a capacidade de resposta de actores globais como a Rússia e a China.

Implicações Regionais e Globais

1. Retaliação Iraniana e o Estreito de Hormuz
O Irão prometeu retaliar, com ameaças de bloquear o Estreito de Hormuz, por onde passa cerca de 20% do comércio global de petróleo. Tal ação provocaria uma disrupção significativa nos mercados energéticos, resultando num aumento abrupto dos preços do petróleo e impactos em cadeias de abastecimento globais. Além disso, o Irão dispõe de capacidades assimétricas, incluindo mísseis balísticos e proxies regionais como o Hezbollah e milícias xiitas no Iraque, que podem intensificar ataques contra alvos americanos e israelitas, prolongando e expandindo o conflito no Médio Oriente.

2. Reações das Grandes Potências

A Rússia e a China, aliados estratégicos do Irão, condenaram veementemente os ataques. Vladimir Putin classificou-os como uma “violação da Carta da ONU”, enquanto Xi Jinping apelou à diplomacia. A Rússia, ligada ao Irão por um acordo estratégico assinado a 17 de junho, e a China, dependente do petróleo iraniano, têm interesses claros em apoiar Teerão. Contudo, é improvável que se envolvam militarmente, dado o risco de um confronto directo com os EUA. Em vez disso, optarão por medidas indirectas, como fornecimento de armamento, apoio diplomático no Conselho de Segurança da ONU ou sanções económicas retaliatórias. Esta dinâmica reforça a polarização entre blocos geopolíticos EUA/Israel versus Rússia/China/Irão, agravando a fragmentação do sistema internacional.

3. Risco de Conflito Global

Embora os receios de uma terceira guerra mundial sejam compreensíveis, a probabilidade de um conflito global no curto prazo é reduzida. A Rússia está focada na guerra na Ucrânia, que consome os seus recursos, enquanto a China, apesar da sua retórica assertiva, prioriza a estabilidade económica devido à sua interdependência com os mercados ocidentais. Contudo, o risco de erros de cálculo como uma retaliação iraniana que provoque baixas significativas em alvos americanos ou israelitas é real. Tal cenário poderia desencadear uma resposta militar mais robusta dos EUA, arrastando a região para um conflito prolongado com ramificações globais.

Considerações 

A decisão de Trump de atacar directamente o Irão é um marco nas relações internacionais, com consequências que transcendem o Médio Oriente. A curto prazo, a escalada militar intensifica a instabilidade regional, ameaça os mercados energéticos e acentua a polarização entre grandes potências. A longo prazo, a destruição parcial do programa nuclear iraniano pode retardar as ambições de Teerão, mas também alimenta o sentimento antiamericano, potenciando a radicalização de actores estatais e não estatais.

Para mitigar o risco de uma escalada catastrófica, é crucial reabrir canais diplomáticos, possivelmente através de mediação por potências neutras ou da ONU, embora a eficácia destas iniciativas seja limitada pela actual fragmentação geopolítica. A aposta de Trump, alinhada com uma visão de projeção de força, coloca o sistema internacional numa encruzilhada perigosa, onde a prudência e a diplomacia são indispensáveis para evitar um conflito de proporções imprevisíveis.

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