Opinião

Entre factos e opiniões: desafios e perspectivas do jornalismo angolano

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A Constituição da República de Angola, no seu artigo 40, consagra as liberdades fundamentais, nomeadamente a liberdade de expressão, de comunicação e de informação. Este dispositivo legal deveria, em teoria, garantir um ambiente plural e competitivo, onde as ideias se confrontam e os factos emergem sem interferências. Contudo, a realidade angolana revela uma dicotomia: por um lado, existe um arcabouço normativo que defende a liberdade de imprensa; por outro, o jornalismo estatal, historicamente, tem privilegiado a difusão de uma narrativa que enaltece apenas as conquistas governamentais, relegando a oposição e a sociedade civil a um papel de coadjuvantes ou mesmo de “elementos indesejados”.

Historicamente, a evolução do panorama mediático em Angola tem sido marcada por um prolongado controlo estatal, herdado de períodos de instabilidade e de regimes autoritários. Durante décadas, os meios de comunicação oficiais serviram de megafones para o Estado, promovendo uma imagem homogénea que minimizava críticas e omitia factos que pudessem contrariar a narrativa oficial. Esta situação gerou um espaço em que a opinião, muitas vezes articulada por analistas alinhados com o poder, se sobrepõe à verificação rigorosa dos factos. Estudos recentes indicam que a percepção pública da imparcialidade dos media permanece baixa, refletindo a necessidade urgente de um jornalismo que vá além das fronteiras impostas por uma política de autopromoção.

Paralelamente, a emergência das redes sociais tem-se configurado como um “escape” para a procura de informações genuínas. Num cenário em que os mesmos nomes e discursos se repetem incessantemente nas televisões estatais, os cidadãos recorrem a plataformas digitais para descobrir realidades alternativas, onde factos antes ignorados ou distorcidos ganham voz. Contudo, este ambiente digital não está isento de desafios. A propagação de desinformação e a polarização das opiniões constituem riscos reais, pelo que se impõe a necessidade de um escrutínio constante e de políticas que promovam a literacia mediática.

Neste contexto, a distinção entre facto e opinião não pode ser encarada como uma mera questão semântica, mas sim como um pilar da credibilidade jornalística. O facto, suportado por dados verificáveis e por metodologias robustas de investigação, deve prevalecer na construção de narrativas que orientem a população. A opinião, por sua vez, é legítima na medida em que se apresenta como uma análise ponderada dos factos, mas nunca deve disfarçar ou confundir o que é comprovado com o que é interpretado. A prática jornalística, ao descurar esta distinção, arrisca-se a contribuir para um ambiente de desinformação e manipulação.

Para reverter este quadro, é imprescindível a implementação de medidas que promovam a pluralidade e a independência dos media. A criação de mecanismos autónomos de regulação e de financiamento, a formação contínua dos profissionais da comunicação com enfoque na ética e na metodologia jornalística, bem como a promoção de espaços de debate que integrem diversas vozes, são estratégias que poderão contribuir para um jornalismo mais equilibrado. Além disso, a colaboração entre organismos internacionais e entidades locais pode facilitar a transferência de conhecimentos e o estabelecimento de padrões que assegurem a veracidade das informações.

Num país em constante transição, onde os desafios políticos e sociais se entrelaçam com a necessidade de transparência, a transformação do panorama mediático angolano passa pela reconquista do compromisso com a verdade. A distinção entre facto e opinião deve ser rigorosamente preservada, constituindo o alicerce de um jornalismo que, ao mesmo tempo, informe e forme a consciência crítica da sociedade. Este é o caminho para que, futuramente, o discurso público seja construído com base em evidências robustas e numa pluralidade de perspetivas, promovendo assim uma democracia efetiva e inclusiva.

A tarefa que se impõe não é apenas técnica, mas profundamente ética e política. A construção de um ecossistema mediático que privilegie os factos e que permita a divergência de opiniões – sem os estigmas que hoje atingem os críticos do Estado – é uma aposta para que as gerações vindouras possam desfrutar de um ambiente de comunicação verdadeiramente livre e enriquecedor.

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