Politica
“Enquanto direito de cidadania, deve-se encorajar a realização de manifestações pacíficas”
Na série de entrevistas alusivas à comemoração dos 45 anos de independência de Angola, o porta-voz da UNITA, Alcides Sakala, respondeu às perguntas do Correio da Kianda, conforme a sua visão sobre Angola actual, destacando o respeito pelos direitos dos cidadãos consagrados na carta magna.
O nacionalista, que também participou da luta de libertação do jugo colonial, diz estar convencido “de que as manifestações vão continuar a ocorrer em todo o país, sobretudo protagonizadas por jovens que exigem melhores condições de vida, mais emprego, melhor saúde e educação”.
Para o porta-voz e Secretário dos Negócios Estrangeiros da UNITA, partido no qual ingressou em 1974, deputado à Assembleia Nacional e docente universitário, “os problemas políticos de Angola agravaram-se pela forma como foi outorgada a independência nacional. Não se conseguiu a unidade, a estabilidade, muito menos o desenvolvimento e o progresso social do país”, fala.
Leia a entrevista abaixo
A luta pela independência nacional intensificou-se em 1961 e veio a culminar com a proclamação da Independência Nacional, em Novembro de 1975. Passados 45 anos, Angola que se tem é a sonhada em 75?
Não é o país sonhado. O balanço que se faz destes 45 anos de independência está muito aquém das expectativas dos angolanos. Partimos divididos, em Novembro de 1975, quando o presidente Agostinho Neto proclamou a independência em nome do Comité Central do MPLA, num sinal claro de exclusão e intolerância. Os problemas políticos de Angola agravaram-se pela forma como foi outorgada a independência nacional. Não se conseguiu a unidade, a estabilidade, muito menos o desenvolvimento e o progresso social do país.
Que avanços a história de Angola já registou, e que contribuição para a afirmação de uma Angola melhor?
O fim da guerra civil, em 2002, abriu uma nova página na história de Angola. Criou novas expectativas para o país e para os angolanos. Contudo, teria sido melhor aproveitado se fossem, nessa altura, relançadas as premissas do desenvolvimento e do progresso, da reconciliação e da unidade nacional para a construção de um novo país pós conflito. Teria hoje no país a paz social. Depois de mais de uma década, agravou-se efectivamente a crise social. Como contribuição para a afirmação de uma Angola melhor, deve-se desenvolver a capacidade de se tirar lições do nosso passado para construirmos um futuro melhor para todos os angolanos e dar-se início à construção da nação angolana.
Como caracteriza a juventude angolana?
Em todos os momentos da nossa história, a juventude angolana contribuiu de forma decisiva para a afirmação do seu papel nos momentos mais importantes do país. De facto, Angola vive hoje um período de transição política e geracional, num contexto em que ela tomou consciência dos seus interesses e procura fazer ouvir a sua voz, as suas preocupações e apreensões, através de várias formas consagrados na Constituição da República.
Angola vive nos dias actuais uma tensão política com manifestações constantes. Como é que olha para estes movimentos?
As manifestações constantes, pacíficas, fazem parte dos movimentos sociais, consagrados na Constituição. É, de facto, um direito de cidadania manifestar-se para reivindicar direitos. Estamos convencidos de que as manifestações vão continuar a ocorrer em todo o país, sobretudo protagonizadas por jovens que exigem melhores condições de vida, mais emprego, melhor saúde e educação. Enquanto direito de cidadania, deve-se encorajar a realização de manifestações pacíficas. Reprimi-las com a força das armas, é aprofundar a crise social e agudizar as contradições entre ricos e pobres.
A saída dos jovens à rua numa altura em que o país vive o que podemos até agora considerar como o pico da pandemia, demonstra maturidade política, desespero da vida social ou ignorância às medidas de prevenção da covid-19?
Não se deve dramatizar. Ninguém ignora a pertinência das medidas de prevenção à covid-19. A pandemia existe. É um problema nacional, de dimensão global que vai persistir por algum tempo. A sociedade mundial tem hoje consciência da gravidade deste problema. Por conseguinte, o importante é o reforço das medidas de prevenção. Há países que realizaram eleições gerais e locais, bem como manifestações, sob fortes medidas de biossegurança.
“Se tivéssemos incentivado a produção agrícola na altura em que o barril do petróleo estava em alta, hoje teríamos uma indústria alimentar florescente”.
A luta contra a corrupção está no bom caminho?
Parece ser selectiva. Deve ser melhorada para se quebrar a percepção de que é de facto selectiva. Apesar de tudo, o combate à corrupção é transversal à sociedade. Deve-se melhorar o sistema judicial para se agir com maior independência e celeridade.
Teve contacto com o OGE 21 em discussão? Que sugestões ou reparos faria? Qual o valor/a quota que consideraria o ideal a ser atribuído para o sector social no OGE para a minimização dos problemas do país?
Para se falar do OGE é preciso fazer-se uma leitura extensiva, mais aprofundada. O OGE já foi entregue à Assembleia Nacional, na perspectiva dos deputados terem contacto com o documento. As áreas sociais devem ser naturalmente priorizadas e deve-se ter em conta, as recomendações da SADC, em relação às quotas estabelecidas para a região.
Um estudo divulgado recentemente aponta para 60% da economia angolana no sector informal. Que implicações trás esse excesso de informalidade na economia?
Primeiro, isso significa que grande parte da população em idade activa, está no desemprego; por isso, opta pela informalidade. Segundo, isso faz com que o Estado perca receitas porque não consegue arrecadar impostos. De facto, o mercado informal existe em todas as economias. Mas, a grande informalidade que aponta para 60% é característica de economias débeis, como é o nosso caso, que depende ainda do petróleo.
O que falta para que o discurso da diversificação da economia saia do papel e comece a ser sentido pela população?
Falta de vontade política, aliada à corrupção que fez com que os recursos que deviam ajudar a criar empregos e outros sectores de produção, fossem levados para o estrangeiro, por meia dúzia de indivíduos. Se tivéssemos incentivado a produção agrícola, na altura em que o barril do petróleo estava em alta, hoje teríamos uma indústria alimentar florescente.
Como é que olha para a politica externa angolana? Que avaliação faz da relação de Angola com o ocidente, especialmente com as chamadas super-potências (China, Rússia e os Estados Unidos?
Não se alterou substancialmente. Ao nível de África, Angola procura manter a sua influência, enquanto para o Ocidente, para a China e a Rússia, mantém a tónica da diplomacia económica.
Angola tem ganho notoriedade internacional, nos últimos tempos. Acha que essa notoriedade é suficiente para atracção do investimento estrangeiro?
É importante, mas não é suficiente. A desburocratização deste sector tem de ser uma meta. Ainda existe alguma relutância por parte de alguns investidores estrangeiros.
Que futuro prevê para Angola, nos próximos cinco, dez anos?
O futuro que refere tem de ser construído agora para não se cair nos mesmos erros do passado. Aprofundar a democracia e a reconciliação nacional, a tolerância e a justiça eleitoral, fundamentalmente, são metas importantes a ter em conta.