Análise
Endividamento e ostentação: Angola à sombra da Namíbia
O recente pagamento, em apenas um dia, pela Namíbia de US$ 750 milhões (aproximadamente N$ 14,3 bilhões) para liquidar um eurobón demonstra, para além de um feito financeiro, uma declaração de política pública: a prioridade à disciplina orçamental, à credibilidade internacional e ao bem-estar interno. Para Angola, país com trajectórias e desafios similares, este evento traz lições que não podem ser ignoradas.
1. Disciplina fiscal e planeamento estratégico
Um dos aspectos mais visíveis é a capacidade da Namíbia de cumprir um grande compromisso financeiro num prazo curto, sinalizando uma gestão orçamental concertada. Para Angola, isto implica que os níveis de endividamento externo e interno devem sempre ser conjugados com um plano de amortização credível, bem como com mecanismos de controlo de défices.
No contexto académico, a noção de sustentabilidade da dívida pública assume especial relevo. Segundo Jonathan D. Ostry, Xavier Debrun, Tim Willems e Charles Wyplosz, “não são todas as dívidas iguais: a composição cambial, a maturidade, o tipo de credor e a titularidade afetam a exposição ao risco de refinanciamento e de liquidez” (Ostry et al., 2019). Assim, Angola deve não só controlar o montante, mas também gerir a qualidade da dívida, prazos, taxas, moeda e garantias.
2. Credibilidade internacional e independência financeira
Ao liquidar essa dívida, a Namíbia transmite uma mensagem clara aos mercados e aos credores: “somos um mutuário fiável e disciplinado”, nas palavras do economista Almandro Jansen. Para Angola, cada incumprimento, moratória ou necessidade de reestruturação fragiliza a confiança dos investidores e torna mais caro o acesso a financiamento externo.
Como lembra Ludger Schuknecht, “policy errors can prompt a loss of confidence, destabilisation and crisis” (Schuknecht, 2022). O reforço da credibilidade é, portanto, uma meta estratégica. Angola deveria, assim, adoptar uma política de dívida transparente, com divulgação pública clara dos compromissos e das amortizações programadas, de modo a reforçar a confiança.
3. Prioridade ao interesse nacional – investimento produtivo, não ostentação
A declaração da Presidente da Namíbia, Netumbo Nandi-Ndaitwah, de que “chega de pedir esmola no exterior enquanto o nosso povo carrega o peso dos empréstimos”, sublinha uma filosofia de Estado centrada no povo e no desenvolvimento, e não na ostentação ou no consumo público financeiramente irresponsável.
Angola tem sido muito dependente de empréstimos para financiar tanto infraestruturas produtivas quanto gastos correntes elevados, como manutenção de estruturas públicas e custos operacionais do Estado. A lição aqui é dupla: primeiro, garantir que a dívida seja orientada para investimento com retorno económico e social; segundo, evitar que a dívida sirva para financiar consumo público permanente ou projectos sem retorno claro.
Tal como salientam Chara Vavoura e Ioannis Vavouras, “o desenvolvimento social é uma condição necessária para assegurar a sustentabilidade da dívida pública no longo prazo” (Vavoura & Vavouras, 2021). Assim, Angola não pode dissociar dívida de resultados sociais, o cidadão e as gerações futuras pagam.
4. Gestão rigorosa das reservas e risco cambial
A Namíbia mostrou que conseguir liquidez para amortização de dívida não se verifica apenas por vontade política, mas também por reservas adequadas, boa gestão das finanças externas e controlo das vulnerabilidades cambiais. Angola, devido à forte dependência das receitas petrolíferas e às oscilações cambiais, encontra-se com fragilidades maiores.
Na literatura, a análise de sustentabilidade da dívida alerta para o facto de que “when the real interest rate is higher than the GDP growth rate, debt/GDP tends to increase” (Azizi et al., 2013). Ou seja, se o custo da dívida cresce mais rapidamente que o crescimento da economia, o rácio dívida/PIB torna-se insustentável.
Para Angola, isso significa manter reservas internacionais suficientes como amortecedor, diversificar a economia para reduzir vulnerabilidade às receitas voláteis e preferir contrair dívida em condições favoráveis, evitando acumular encargos que pesem sobre receitas futuras.
5. Transparência, responsabilidade e participação democrática
A gestão da dívida não pode ficar restrita ao círculo exclusivo dos palácios ou dos técnicos financeiros. A sociedade angolana deve estar informada, participar no debate e exigir prestação de contas. Um sistema de dívida opaco gera desconfiança, reduz credibilidade e eleva o custo de financiamento.
Conforme a publicação da United Nations Department of Economic and Social Affairs, “prudent macroeconomic policies and public debt management are necessary conditions for maintaining sustainable debt burdens, but debt sustainability can be derailed by global economic and financial instability and unexpected shocks”. Portanto, para Angola, além da disciplina interna, importa criar mecanismos públicos de monitorização, auditoria, transparência e responsabilização.
6. Risco de complacência e efeito da «árvore que não cresce para o céu»
Embora o pagamento da dívida da Namíbia seja digno de elogio, não pode haver complacência. A lição de Herbert Stein, “If something cannot go on forever, it will stop”, ressoa no campo fiscal: ciclos de endividamento indefinido tendem a terminar em crise. Angola não pode adiar indefinidamente a reforma orçamental, a diversificação económica ou o reforço institucional.
7. Conclusão: Transformar dívida em desenvolvimento sustentável
O caso da Namíbia evidencia que um país de média dimensão, com contexto regional desafiante, pode dar um salto estratégico importantíssimo: transformar dívidas em demonstração de disciplina, credibilidade e prioridade ao povo. Para Angola, a mensagem é clara: cada dívida contratada deve ser um investimento com retorno económico e social mensurável, e não apenas um mecanismo de liquidez temporária ou de consumo público.
Angola tem a obrigação de rever práticas de endividamento, fortalecer a gestão fiscal, garantir transparência e prestação de contas, diversificar a economia e orientar o Estado para servir as pessoas, não para financiar estilos de vida públicos dispendiosos ou estruturas sem retorno.
Se Angola aprender e aplicar estas lições, pode não apenas evitar crises futuras, mas também construir credibilidade internacional, reduzir custos de financiamento e colocar o bem-estar do povo acima de interesses meramente financeiros ou políticos.