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Opinião

Educação superior gratuita em Angola: um privilégio insustentável?

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O ensino superior é um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento de qualquer nação, servindo como catalisador do progresso económico, tecnológico e social. Nos últimos anos, Angola tem testemunhado uma expansão significativa do acesso ao ensino superior, com a criação de várias Instituições de Ensino Superior (IES) públicas e privadas. Contudo, a sustentabilidade financeira deste sistema continua a ser um dos principais desafios do Governo e das universidades, especialmente num contexto de restrições orçamentais e dificuldades económicas.

A gratuidade do ensino superior, embora seja um direito desejável e amplamente defendido, tem-se mostrado insustentável em diversos países, levando à adopção de modelos híbridos de financiamento. Segundo Altbach (2013), a sustentabilidade financeira das universidades requer estratégias diversificadas que combinem financiamento público, propinas, apoio do sector privado e mecanismos inovadores de captação de recursos. A experiência internacional mostra que há diversas formas de garantir o equilíbrio entre a acessibilidade e a viabilidade financeira do ensino superior.

Diante deste cenário, torna-se imperativo analisar a realidade angolana e discutir possíveis modelos adaptáveis ao nosso contexto para garantir a continuidade e a melhoria da qualidade do ensino superior sem comprometer o acesso dos estudantes mais vulneráveis.

Os desafios da sustentabilidade financeira do ensino superior em Angola

O ensino superior gratuito representa um custo elevado para o Estado angolano. A manutenção das universidades envolve despesas significativas, incluindo salários dos professores, infra-estruturas, laboratórios, bibliotecas, pesquisa e inovação. Em países com economias emergentes, como Angola, onde os recursos públicos são limitados e há múltiplas áreas prioritárias que exigem financiamento, a gratuidade irrestrita pode gerar ineficiência na alocação de recursos.

Além disso, a dependência exclusiva do financiamento público pode resultar na degradação da qualidade do ensino. Sem fontes de receita alternativas, as universidades enfrentam dificuldades para modernizar os seus currículos, investir em tecnologia educativa e desenvolver projectos de pesquisa de ponta. Como apontam Psacharopoulos e Patrinos (2018), um ensino. superior sustentável deve contar com fontes diversificadas de financiamento para garantir a sua continuidade e competitividade.

Um dos exemplos dessa necessidade de sustentabilidade pode ser visto na implementação da cobrança de propinas no regime pós-laboral em algumas IES angolanas, o que tem demonstrado que as universidades podem ser auto-suficientes financeiramente sem depender exclusivamente do Estado. A experiência de. outros países oferece modelos que podem ser adaptados à realidade angolana..

Modelos internacionais de financiamento do ensino superior e sua aplicação em Angola

Vários países implementaram estratégias diferentes para garantir a sustentabilidade financeira do ensino superior sem comprometer o acesso. A seguir, analisamos alguns modelos relevantes que podem ser adaptados para Angola.

1. Modelo de co-financiamento (Brasil e Portugal)

Nos sistemas do Brasil e de Portugal, o ensino superior público é financiado parcialmente pelo Estado, mas os estudantes contribuem com propinas ajustadas à sua condição socioeconómica. Esses países também contam com programas de bolsas de estudo e financiamento estudantil, como o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) no Brasil e a Acção Social no Ensino Superior em Portugal (Schwartzman, 2014).

Possíveis adaptações para Angola:

Implementação de um sistema de propinas diferenciadas, onde os estudantes contribuam com valores ajustados ao seu rendimento familiar;.

Expansão dos programas de bolsas do Instituto Nacional de Gestão de Bolsas de Estudo (INAGBE) para atender a um maior número de estudantes carenciados;

Estímulo à captação de recursos do sector privado para financiar bolsas e estágios.

2. Modelo de financiamento contingente à renda (Austrália e Reino Unido)

Na Austrália e no Reino Unido, os estudantes recebem financiamento público para cobrir as propinas, mas o reembolso só ocorre após a graduação e quando atingem um determinado nível de rendimento. Esse modelo reduz as barreiras financeiras ao ensino superior e evita o endividamento excessivo dos estudantes (Barr, 2004).

Possíveis adaptações para Angola:

Criação de um fundo nacional de crédito educativo, em que os estudantes paguem pelo ensino apenas após obterem um rendimento mínimo estipulado;

Implementação de um sistema de reembolso progressivo, de acordo com o nível de rendimento do graduado;

Parcerias com bancos e instituições financeiras para operacionalizar esse financiamento de forma segura e acessível.

3. Modelo de ensino superior gratuito condicionado (Alemanha e Noruega)

Na Alemanha e na Noruega, o ensino superior público é gratuito, mas o direito à gratuidade está condicionado ao desempenho académico e ao cumprimento do tempo regulamentar do curso. Esse modelo garante equidade e eficiência na alocação de recursos públicos (Teixeira, 2017).

Possíveis adaptações para Angola:

Manutenção da gratuidade apenas para os estudantes que atingirem padrões elevados de desempenho académico;

Implementação de critérios rigorosos para a renovação da gratuidade, garantindo que apenas os alunos comprometidos com os estudos sejam beneficiados;

Introdução de subsídios para habitação, alimentação e transporte, a fim de auxiliar os estudantes de baixa renda a permanecerem na universidade.

4. Modelo de parcerias público-privadas (Estados Unidos e África do Sul)

Nos Estados Unidos e na África do Sul, muitas universidades operam com apoio financeiro de empresas, doações privadas e cobrança de propinas. Esse modelo permite às instituições diversificar as suas fontes de receita e reduzir a dependência exclusiva do financiamento público (Johnstone, 2006).

Possíveis adaptações para Angola:

Criação de um fundo nacional de investimento para o ensino superior, financiado por empresas e organizações internacionais;

Incentivos fiscais para empresas que financiem bolsas de estudo e estágios para estudantes universitários;

Estabelecimento de parcerias estratégicas entre universidades e o sector privado para o desenvolvimento de pesquisa e inovação.

Finalmente, a sustentabilidade financeira do ensino superior em Angola exige um modelo híbrido, que combine financiamento público, participação dos estudantes e apoio do sector privado. A experiência internacional demonstra que a gratuidade irrestrita pode ser insustentável e comprometer a qualidade da educação superior.

Como apontam Barr (2004) e Psacharopoulos (1994), a educação superior deve ser vista como um investimento, e não apenas como uma despesa pública. O equilíbrio entre equidade e sustentabilidade financeira pode ser alcançado por meio de um sistema de co-financiamento, programas de bolsas e mecanismos de crédito educativo, assegurando que nenhum jovem talentoso seja privado do acesso ao ensino superior.

Se Angola pretende desenvolver uma economia baseada no conhecimento e na inovação, é fundamental que o financiamento do ensino superior seja repensado de forma estratégica, garantindo tanto a acessibilidade quanto a qualidade e a competitividade das instituições de ensino.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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