Crónica
Dois caminhos, um mesmo sentimento
Há músicas que nos tocam pela melodia, outras pelas palavras. Mas há aquelas que, de forma misteriosa, parecem falar directamente connosco, como se o artista tivesse vivido o mesmo momento, sentido a mesma dor ou enfrentado o mesmo dilema que um dia atravessou o nosso peito. Foi assim que me encontrei entre duas canções com o mesmo título: “Walking Away”, de Craig David e Justin Bieber. Duas vozes, duas épocas, dois estilos e um mesmo espelho emocional.
A primeira, Walking Away de Craig David, nasceu nos anos 2000, uma era em que a música R&B carregava um toque de honestidade crua e urbana. Craig canta com serenidade sobre afastar-se de problemas, de relações que já não acrescentam, de um ambiente onde o amor deixou de ser abrigo e se tornou peso. Ele não grita, não acusa, apenas se retira. É o hino da maturidade emocional, do homem que percebe que o silêncio e a distância podem ser a forma mais elegante de resistência.
A segunda, Walking Away de Justin Bieber, surge num contexto completamente diferente. É o reflexo de uma geração digital, onde o amor é instantâneo, a exposição é pública e o coração vive entre mensagens e gostos. Justin fala de desapego, de cansaço emocional, mas também de vulnerabilidade. Há uma luta entre o querer ficar e o precisar partir. É um adeus moderno, onde o sentimento se mistura com a ansiedade e o medo de perder-se de si mesmo.
E é aqui que as duas músicas se encontram em mim. Craig David representa o meu lado racional, aquele que aprendeu, com o tempo e a dor, que há relações, pessoas e lugares dos quais precisamos simplesmente caminhar para longe. Justin Bieber fala ao meu lado emocional, o que hesita, que sente falta, que olha para trás mesmo sabendo que o certo é seguir em frente.
Ambas as canções falam de libertação. De uma forma ou de outra, “walking away” é um acto de coragem. É reconhecer que o amor, a amizade ou o sonho que um dia nos fez florescer já não cabem na versão que hoje somos. É aceitar o fim sem rancor, apenas com a certeza de que, às vezes, caminhar para longe é a única forma de reencontrar a paz.
No fundo, essas duas músicas, separadas por tempo e estilo, cruzam-se dentro de mim como duas fases da mesma estrada. Craig David fala ao homem que aprendeu a deixar ir; Justin Bieber fala ao rapaz que ainda aprende a não se perder. E entre os dois caminhos eu, entre o passado que já não me serve e o futuro que ainda me chama.
Porque, afinal, “walking away” não é desistir.
É apenas escolher continuar.