Opinião
Do partidarismo ao personalismo: será a próxima eleição em Angola um espectáculo mediático?
1. Introdução
Nos últimos dias, a ascensão de novos partidos políticos e de possíveis “novos rostos presidenciais”, remete a projecção de um cenário volátil e incerto das campanhas eleitorais em Angola, que eventualmente vão passar por uma transformação significativa, reflectindo uma tendência global de personalização da política. Tradicionalmente, os partidos políticos foram os principais mediadores entre o eleitorado e os processos eleitorais, mas, nas últimas décadas, a centralidade do candidato tem-se sobreposto à identificação partidária. Esse fenómeno, impulsionado pela ascensão da média e das novas tecnologias de comunicação, altera a dinâmica do jogo político, tornando a imagem do candidato mais determinante do que a sua ideologia ou programa de governo.
O cenário político angolano tem sido historicamente marcado pelo protagonismo dos partidos políticos na condução dos processos eleitorais e na formação da opinião pública. No entanto, com a crescente influência dos meios de comunicação e das redes sociais, observa-se uma mudança no comportamento do eleitorado, que tem-se mostrado menos fiel às ideologias partidárias e mais propenso a decidir o seu voto com base na imagem e nas características pessoais dos candidatos. Esse fenómeno, identificado por Leal (2002) como “nova ambiência eleitoral”, tem levado a uma transformação na comunicação política, na qual a personalização das campanhas se torna um elemento central.
Diante dos desafios socioeconómicos que Angola enfrenta, como a diversificação da economia, a redução da dependência do petróleo, o combate ao desemprego e à pobreza, além da necessidade de fortalecer as instituições democráticas, torna-se essencial que a personalização da política seja acompanhada por um perfil de liderança comprometido com a governação eficaz e a promoção do bem-estar social. Para Max Weber (1993), a política exige não apenas paixão e responsabilidade, mas também uma ética da convicção e da responsabilidade, características fundamentais para líderes que buscam resolver problemas estruturais em contextos complexos como o angolano. Além disso, a teoria da democracia de Robert Dahl (1989) enfatiza a importância de instituições inclusivas e de uma liderança que promova ampla participação política, algo essencial para consolidar a democracia em Angola.
No contexto africano, Amartya Sen (1999) destaca que o desenvolvimento económico e social depende da expansão das liberdades individuais e da construção de políticas públicas eficazes, o que exige líderes comprometidos com reformas estruturais e inovação na administração pública. Assim, a nova ambiência eleitoral em Angola não pode ser apenas um espetáculo mediático; deve servir para aproximar o eleitorado de líderes capazes de enfrentar os desafios nacionais, promovendo políticas voltadas para uma economia mais diversificada, uma educação de qualidade, acesso equitativo aos serviços de saúde e a criação de um ambiente favorável ao empreendedorismo e à inovação. Dessa forma, a comunicação política deve ir além da construção de imagens e focar em soluções concretas, alinhadas ao fortalecimento das capacidades institucionais e ao desenvolvimento sustentável do país.
Este artigo busca analisar como essa nova ambiência eleitoral impacta o comportamento do eleitorado angolano, a relação entre a média e a política e os desafios que essa mudança representa para o fortalecimento da democracia no país. Para isso, abordaremos a evolução da comunicação política em Angola, o papel da média na construção da imagem dos candidatos e as implicações da personalização da política para o sistema democrático.
2. A Evolução da Comunicação Política e o Papel da Média em Angola
A comunicação política tem passado por diferentes fases ao longo da história, acompanhando a evolução dos meios de comunicação. Segundo Wilson Gomes (2004), essa evolução pode ser dividida em três modelos principais:
1. Imprensa de Opinião – Durante os primeiros anos da luta pela independência de Angola, os meios de comunicação serviam como veículos de resistência e contestação política. Os jornais e rádios clandestinos eram utilizados para disseminar ideias e fortalecer os movimentos nacionalistas, funcionando como instrumentos fundamentais para a mobilização popular.
2. Imprensa de Partido – Com a consolidação do Estado angolano, os meios de comunicação passaram a ser dominados pelo Governo e pelos partidos políticos, refletindo interesses institucionais e promovendo discursos alinhados às lideranças políticas. Durante esse período, a média estatal exerceu um papel de centralização da informação, enquanto a imprensa privada ainda lutava para consolidar a sua independência editorial.
3. Indústria da Informação – No contexto contemporâneo, observa-se uma transição para um modelo mais comercial e competitivo, no qual os meios de comunicação não apenas informam, mas também disputam audiência e financiamento. A televisão, a rádio e a internet desempenham um papel crucial na formação da opinião pública, influenciando diretamente o comportamento eleitoral dos cidadãos.
Em Angola, essa transição é visível na forma como as campanhas eleitorais são conduzidas. Se antes a comunicação política era dominada por discursos ideológicos e partidários, hoje, a média e as redes sociais passaram a desempenhar um papel central na construção da imagem dos candidatos. A crescente profissionalização da comunicação política e o uso de técnicas de marketing eleitoral demonstram que as eleições deixaram de ser apenas uma disputa de programas políticos e passaram a ser, também, uma disputa de narrativas e percepções.
3. A Personalização da Política e o Comportamento Eleitoral em Angola
A ascensão da política personalizada em Angola reflete mudanças significativas no comportamento do eleitorado. A redução da identificação partidária e o aumento da influência da média na política fizeram com que os candidatos passassem a ser avaliados mais por suas qualidades individuais do que por suas plataformas políticas.
Autores como Aldé (2004) e Figueiredo (1991) destacam que o comportamento eleitoral pode ser analisado a partir de diferentes perspectivas:
Teoria Sociológica do Voto – Enfatiza a influência das interações sociais e da identidade de grupo na decisão eleitoral.
Teoria Psicológica do Voto – Explora as motivações individuais e os valores morais e sociais que influenciam o eleitor.
Teoria Racional do Voto – Argumenta que o eleitor busca informações que minimizem a incerteza na sua escolha, recorrendo a atalhos informacionais como a média e o discurso dos candidatos.
A realidade política angolana parece aproximar-se da teoria racional do voto, na qual os eleitores utilizam a média e as campanhas eleitorais para obter informações que facilitem a sua decisão. A valorização da imagem dos candidatos e a construção de narrativas personalizadas tornam-se, assim, elementos fundamentais para a conquista do voto.
4. Considerações
A política angolana tem seguido a tendência global da personalização eleitoral, na qual a imagem do candidato assume um papel central na disputa política. Esse fenómeno traz desafios e oportunidades para a democracia angolana. Se, por um lado, a personalização das campanhas pode fortalecer a conexão entre o político e o eleitor, por outro, pode levar à superficialização do debate público e à dependência excessiva de estratégias de marketing eleitoral.
Diante desse cenário, torna-se fundamental que os partidos políticos busquem um equilíbrio entre a comunicação centrada nos candidatos e a formulação de propostas concretas para o desenvolvimento do país. O fortalecimento das instituições democráticas e a promoção de um debate político mais qualificado são essenciais para garantir que o processo eleitoral em Angola contribua para a construção de uma sociedade mais informada e participativa.