Connect with us

Politica

“Cidadãos que saíram do país para se livrar da Justiça podem ser capturados” – Director da Interpol em Angola

Published

on

Os cidadãos angolanos envolvidos em práticas criminosas, que saíram do país para se livrar da Justiça, podem ser capturados pela Interpol, para serem presentes ao tribunal. Para tanto, basta que as autoridades competentes emitam mandados de captura contra os mesmos, garantiu o director nacional da Interpol em Angola, Destino Pedro Nsevilu, em entrevista ao Jornal de Angolana , que aqui retomamos.

Há quanto tempo Angola está filiada à Interpol e que vantagens retira?

Antes, permita dizer que a Interpol é uma organização internacional, cujo objecto social passa pela filiação de todas as polícias do mundo na organização, no âmbito do combate à criminalidade transnacional organizada. Nenhuma polícia, por mais capaz que seja, por mais meios que tenha, nos dias de hoje, será capaz de, sozinha, combatê-la. Em função disso, vários Estados não hesitaram em filiar-se à Interpol. Respondendo à sua pergunta, Angola está filiada à Interpol desde o dia 6 de Outubro de 1982. Angola tem beneficiado de informações criminais, capacitação técnica, de acções de formação e tantos outros benefícios, sem descurar a participação em operações que a organização promove, no âmbito do combate à criminalidade. A Interpol é uma das maiores organizações policiais do mundo. É composta por 194 países. Nós temos a possibilidade de partilhar e de receber informações dos 190 países membros da organização. Se, eventualmente, um indivíduo for prófugo em Angola, por ter cometido algum crime, e estiver no Vietname ou nas Ilhas Maurícias, nós temos como obter essa informação, junto das autoridades policiais locais. O objecto principal da Interpol é o combate à criminalidade. Fazendo parte dela, Angola só sai a ganhar.

Que assistência, em concreto, é que a Interpol dá a Angola?

Um das primeiras foi a colocação, à disposição das autoridades policiais angolanas, de todas as bases que a organização possui, bem como toda a informação produzida por outras polícias pertencentes à mesma. Só o acesso a essas informações é já um grande instrumento importante para o combate à criminalidade doméstica e transnacional. Também disponibilizam informações de indivíduos, potenciais criminosos, que pretendem entrar para o nosso país, com a finalidade de praticar actos criminosos. Hoje, há muitas tipicidades criminais no país, já vividas e experimentadas por outros países, que, agora, disponibilizam informações sobre como as resolveram. A Interpol tem as maiores bases policiais do mundo.

E em que é que as autoridades angolanas podem ajudar a Interpol e vice-versa?
Primeiro, em relação a nós, é que as autoridades policiais angolanas comprometem-se, como já estão comprometidas, com o combate à criminalidade, bem como a partilha, com a polícia de outros Estados pertencentes à plataforma da Interpol, de informações que ajudam a esclarecer alguns crimes. Do lado da Interpol, como um órgão de polícias, facilita que o Estado angolano tenha acesso à informações que as outras polícias produzem. Outra área em que a organização muito se empenha é a formação. A Interpol promove várias formações, para fazer com que todas as autoridades policiais tenham a mesma competência ou estejam alinhadas às novas formas e métodos de combate à criminalidade, sobretudo a emergente.

Que avaliação a Interpol faz do desempenho da polícia angolana?
A avaliação que faço é positiva. Importa referir que a Interpol não é uma polícia, mas, sim, uma organização de polícias, da qual Angola também faz parte. Os agentes da Interpol, em Angola, são os efectivos das autoridades policiais angolanas. Significa que o desempenho da Interpol depende do desempenho policial dos seus filiados.

Ao considerar o desempenho da polícia angolana “positivo”, está a olhar, também, para os erros por eles cometidos, sobretudo no exercício das suas funções?

A que tipo de erro se refere?

Refiro-me, sobretudo, às mortes provocadas por alguns agentes, na via pública, a cidadãos inocentes.

Se, eventualmente, registam-se erros no desempenho dos agentes das autoridades policiais angolanas, os mesmos decorrem da própria actividade policial. Mas, embora tais erros sejam preocupantes, não são comparáveis aos resultados por eles obtidos, do ponto de vista operacional, tais como casos operados, esclarecidos e detenções feitas. Todo e qualquer bom profissional erra. Errar é humano e só erra quem trabalha. O problema é que o erro cometido por um polícia é notável e mediático, mas, mesmo assim, não é comparável ao índice de produtividade. Temos que assumir que cometemos erros, mas os cometemos no desempenho da nossa actividade, tal como os jornalistas também cometem. Não é justo dizer que os agentes policiais, em Angola, co-metem, frequentemente, erros. Temos consciência de que ainda temos problemas de formação, capacitação, de recursos, de meios, não só tecnológicos, como muito mais avançados, que tornariam a actividade policial mais eficaz. Mas, insisto, tais erros não superam os resultados obtidos.

Existe algum motivo forte que estará a levar alguns agentes da polícia a cometerem excessos?

Não creio que exista. A nossa polícia é muito profissional e não fica a dever muito à de outros países.

Falando em polícia de outros países… Qual é a avaliação que faz, como Delegado da Interpol para a África, do desempenho da polícia angolana, se comparada com as de outros países do continente africano?

A nossa polícia está entre as cinco melhores do continente africano e a segunda ou terceira da nossa região, em termos de meios e de capacita-
ção. Se tivermos que fazer uma comparação dos índices de criminalidade entre Angola e de outros países africanos, vamos ver que os nossos não são muito elevados. Nós temos uma média de um ou menos casos de homicídio dia. Há países, no continente, que a média diária de homicídio é de cinco ou seis casos.

Mas parece não ser essa a imagem que muitos angolanos têm da sua própria polícia…

O problema está na imagem que vocês, os órgãos de comunicação social, passam sobre a polícia, sem antes fazerem um estudo comparado do que ocorre em outros países. Nós não estamos tão mal, como os órgãos de difusão massiva tentam passar. Falo como conhecedor da realidade africana e do mundo. Não se compara, por exemplo, o índice de criminalidade entre Angola e África do Sul. É incomparável. Nós temos criminalidade, porque temos a sociedade que temos. Cada sociedade tem o criminoso que merece. E o combate à criminalidade não é apenas responsabilidade da polícia. Na cadeia de combate à criminalidade, nós aparecemos no fim. Não somos os primeiros. A criminalidade é combatida, primeiro, com a prevenção. E não é a prevenção criminal nem a policial. Para nós, o ideal seria mesmo termos crime zero, mas isso é impossível.

O que falta para que a polícia angolana tenha um desempenho melhor?

Nós, polícia, devemos continuar a nos auto-preparar, melhorar a nossa formação e condições técnicas. Muitas vezes, alguns erros cometidos pela polícia só ocorrem por não termos meios adequados. Por essa razão, apelo ao nosso Executivo a criar melhores condições de trabalho e que continue a formar os agentes policiais, para que tenhamos uma polícia mais actuante e eficaz, na prevenção e combate ao crime. Só podemos superar os nosso erros com formações permanentes, pois a criminalidade é dinâmica. Há crimes que, há coisa de cinco ou seis anos, combatíamos de uma forma e, hoje, temos de combater de outra, porque os crimino-sos vão alterando os seu “mo-dus operandi” (NR: maneira de actuar).

Mudando de assunto, há, neste momento, cinco angolanos, com destaque para a cidadã Jéssica Coelho, do caso “Jorge Valério”, na lista de procurados da Interpol. Já se sabe do seu paradeiro?

Ela está localizada em território português. As autoridades judiciais angolanas têm estado a trabalhar com as congéneres portuguesas, mas não nos esqueçamos que a cidadã em causa tem dupla nacionalidade. E a lei portuguesa não permite a extradição dos seus cidadãos para outros territórios. Embora essa seja uma matéria que esteja a cargo dos tribunais e do Ministério da Justiça, tenho a certeza de que os órgãos judiciais angolanos têm estado a trabalhar com as autoridades similares portuguesas, para que, de facto, a cidadã, que também é portuguesa, cumpra, um dia, a sua pena em território português, isto é, se ela decidir não regressar a Angola.

O que terá acontecido, para ela sair do país, uma vez que o caso em que está envolvida parece não estar ainda bem esclarecido?

Não estou em condições de responder a essa pergunta. Desconheço os métodos por ela usados para sair do território nacional.

A saída dela do país, nessas condições, não compromete, de certa forma, a imagem da Justiça angolana?

Não tenho informações se, na altura, pesava sobre ela alguma interdição de saída do país. A Interpol só transcreve e dissemina o mandado de captura. Os mesmos são emitidos pelas autoridades competentes dos Estados membros. A Interpol não tem processo. Os que têm processo são os órgãos de polícia ou judiciais, que utilizam a plataforma da Interpol para, de facto, localizarem os supostos criminosos procurados ou investigados num determinado território. Mas penso que não compromete, em nada, a Justiça angolana.

A Delegação da Interpol em Angola emite os mandados de captura em obediência a sua estrutura máxima ou fá-lo mesmo por iniciativa própria?

Não existe estrutura máxima que oriente. A Interpol é uma organização de Estados e não orienta os mesmos sobre o que devem fazer. O que acontece é que todo e qualquer mandado internacional, emitido pela Interpol, tem um mandado assinado por uma autoridade competente para o efeito. Em Angola, nos termos das medidas cautelares, quem emite os mandados de captura são os magistrados do Ministério Público, um procurador ou um tribunal. O mandado divulgado na base da Interpol é resultante de um processo existente, que é assinado por uma autoridade competente. A Interpol investiga e actua na base daquilo que os Estados membros fazem. A organização, por si só, não emite mandados de captura.

Então, as “Notificação Vermelhas” da Interpol, que pesam, neste momento, sobre os angolanos Malahi Ikechucwu Obidiozor, 40 anos, de nacionalidade nigeriana e angolana, Akachi Vitus, 35 anos, Nigéria-Angola, Nwokorie Alcachi Stanley, 47 anos, Nigéria-Angola e Mariquinha dos Anjos Nhanga da Costa, 24 anos, apenas de nacionalidade angolana, foram emitidas pelo Gabinete Nacional?

Sim. Toda a notificação vermelha, aquela que chamamos de mandado de captura internacional da Interpol, ou outras, relacionadas com Angola, são colocadas pelo meu Gabinete. E ali só estão aqueles a que permitimos o acesso público. Temos outras reservadas. Só se emite uma “Notificação Vermelha” àqueles que cometem crimes cuja pena seja superior a dois anos. Caso contrário, o próprio sistema não aceita. Significa que esses indivíduos procurados cometeram crimes em que a pena de prisão esteja acima dos dois anos.

Quantas “Notificações Vermelhas” Angola já emitiu até ao momento?

Nessa altura, estamos com 21 “Notificação Vermelhas” emitidas pelo Gabinete Nacional da Interpor de Angola, mandados emitir por entidades angolanas competentes para o efeito. Das 21 notifica-ções, 13 pesam sobre cidadãos angolanos e oito sobre outras nacionalidades.

Há muitos angolanos, neste momento, na lista da Interpol?

Há muitos angolanos envolvidos em situação criminal, tanto em Angola como no estrangeiro. Aliás, países como a Inglaterra, Brasil, Portugal e França fazem-nos chegar informações sobre a detenção de cidadãos angolanos. Muitos deles, depois de cometerem, migram para outros países. Há casos que vão prescrevendo e, em função disso, retiramos do ar.

No caso destes cidadãos serem localizados, poderão ser extraditados para Angola?

Depende de onde serão localizados. Não nos esqueçamos que o mandado que a Interpol emite é para detenção e posterior extradição. O primeiro objectivo das “Notificações Vermelhas” ou mandados de captura internacional da Interpol é a detenção e, depois, a extradição para o território angolano ou para o país que emite o mandado. Mas, claro, o nosso interesse é trazê-los para cá. Seria o ideal que eles fossem, depois de detidos, extraditados para Angola. Mas a detenção não significa a criação das condições necessárias para a extradição. É o primeiro passo, depois há a necessidade da criação de um processo de extradição, que é um outro processo, em que os órgãos judiciais do país que o detiver decidem a sua entrega às autoridades angolanas.

Angola já ajudou a localizar alguns cidadãos procurados pela Interpol?

Já sim. Já fizemos detenções e entregas.

A Interpol pode ajudar o Estado angolano a capturar aqueles cidadãos que saíram do país para se livrar da Justiça, sobretudo os apelidados de “marimbondos”?

Sim, pode, desde que as autoridades competentes angolanas emitam mandados de captura, solicitando a sua localização ou informação necessária a outras polícias do mundo, com recurso as ferramentas da Interpol. E temos estado a fazer isso. Agora, para os apelidados de “marimbondos” serem objecto da actividade da Interpol, é preciso um processo, provar-se que ele cometeu um crime ou está a ser investigado e há necessidade de a Interpol os localizar. A Interpol pode ainda ajudar as autoridades angolanas no repatriamento de capitais saídos ilicitamente do país. A organização pode fazer isso, porque trabalha com todas as polícias do mundo.

E a Interpol está a participar activamente no processo de combate à corrupção em curso no país?

Nós temos estado a participar activamente. Quando digo nós, estou a falar do Gabinete Nacional da Interpol em Angola, que, afinal de contas, está sob tutela do Serviço de Investigação Criminal (SIC). Quando a informação nos chega, partilhamos, disseminamos, recolhemos para a localização e a detecção do indivíduo.

Em 2016, o jornal espanhol “El Mundo” fez manchete com uma matéria através da qual dizia que o português Guilherme Tavira Pinto, de 62 anos, acusado de ter fugido da justiça espanhola e procurado pela Interpol, encontrava-se a viver em Angola. Este cidadão está mesmo em Angola?

Este cidadão é angolano. Assim sendo, não é extraditável. A Constituição angolana não permite a extradição de um cidadão nacional. Perante este facto, o que se faz, depois de o processo transitar em julgado, ser condenado, é as autoridades espanholas ou nós, autoridades angolanas, solicitar as autoridades espanholas a vocação do processo, para que este indivíduo cumpra a pena cá. A prática é essa. Tão logo nos apercebemos dessa notificação, que não foi emitida por nós, mas pelos espanhóis, abrimos, também, um processo de investigação cá em Angola, que está em curso, mas que aguarda as diligências conclusivas que decorrem do processo em curso na Espanha. Ele está acusado num processo na Espanha.

Este esclarecimento que acaba de dar é válido, também, para o cidadão Bento Kanganga, cujo nome já apareceu na lista da Interpol?

O cidadão Bento Kangamba já não tem qualquer “Notificação Vermelha”. Teve, mas as autoridades brasileiras retiraram. Da mesma forma que as autoridades competentes podem emitir um mandado de captura, também o podem retirar, quando julgarem que os motivos que levaram à emissão do mesmo estão ultrapassados. É o que aconteceu com o cidadão Bento Kangamba.

Quer dizer que ele já pode circular à vontade pelo mundo?

Se já não tem qualquer mandado de captura, pode circular.

O princípio da não extradição, aplicado por muitos Estados membros da Interpol, não dificulta o trabalho da Interpol?

Os objectivos da Interpol são, também, os objectivos dos países membros, que passam pela prevenção e combate à criminalidade. Aliás, um dos principais princípios defendidos pela Interpol é o respeito pela soberania dos Estados membros. O que a organização faz é apelar aos Estados membros para que a justiça seja feita, quer no país onde o crime foi cometido ou onde o cidadão em causa esteja, porque parte-se do princípio que quem é criminoso nos Estado Unidos é-o, também, em Angola, na China, em Portugal ou na Namíbia.

Como está o caso da cidadã angolana Alice Vanusa da Silva Pascoal, acusada de liderar uma rede de burla, na qual se apresentava como facilitadora de compra de casas no Kilamba e no Nova Vida? O nome apareceu na lista dos procurados pela Interpol …

O caso não é da competência do Gabinete Nacional da Interpol, mas do órgão que está a instruir o processo. Lembro-me de o Gabinete Nacional da Interpol ter partilhado muita informação em relação a este caso. Mas, se a memória não me atraiçoa, deduzo que o caso dela foi amnistiado. Entretanto, houve depois muitos lesados que levantaram procedimentos para que ela reparasse os dados causados. Nós emitimos, recordo, na altura, uma “Notificação Vermelha”, mas tenho a certeza de que, depois, retiramos, porque ela foi amnistiada. O caso dela não foi o único. Nos casos que foram amnistiados, retiramos várias “Notificações Vermelhas” que tínhamos emitido. Não nos esqueçamos que a Interpol trabalha na base da-quilo que os Estados mem-bros solicitam. Se a autoridade competente a emitir um mandado de captura for um magistrado do Ministério Público, um procurador ou, no caso concreto, uma entidade a nível do tribunal, essas mesmas entidades podem também determinar que o mandado deixe de ter validade.

 

PERFIL

Destino Pedro Nsevilu
que ostenta a patente de subcomissário de Investigação Criminal, é, além de director da Interpol em Angola, delegado da mesma instituição para África. Foi eleito com 99,3 por cento dos votos, no dia 21 de Novembro do ano passado, à margem da 87ª Assembleia Geral da Interpol, ocorrida no Dubai. Nsevilu acredita que a sua candidatura foi bem acolhida, devido ao empenho demonstrado como chefe do Gabinete Nacional da Interpol de Angola, bem como pela participação activa de Angola na referida organização.

“O país esteve sempre activo, desde a sua filiação na organização, no dia 6 de Outubro de 1982”, frisou.
O mandato como delegado da Interpol para África tem a duração de três anos, devendo terminar em 2021.

O Delegado da Interpol para a África é um dos representantes no Conselho de Direcção da instituição para o continente africano.