Opinião
Democratizar a estrutura accionista das empresas em Angola, uma estratégia para o Agora!
Por: Heriwalter Domingos (Economista)
A 9 de Junho deste ano, a Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA) activou o segmento do Mercado de Bolsa de Acções. Este passo fundamental para o sistema financeiro nacional surgiu depois de cerca de 1535 novos investidores participarem no processo de entrada ou respectivo aumento da posição accionista na estrutura do Banco BAI e do BCGA através de Ofertas Públicas de Venda. Foi um momento determinante que lançou o caminho para a democratização da base accionista das empresas angolanas.
Quando pensamos em bancos ou instituições de grande porte, frequentemente associamo-los unicamente a grandes accionistas, com uma capacidade financeira fora de série e inatingível para o comum mortal. No entanto, esta percepção não é totalmente certa e bloqueia opções interessantes para pequenos investidores que têm no mercado de acções uma alternativa de investimento e poupança.
Em Angola, começamos a trilhar pouco a pouco este caminho. Ao activar o segmento do Mercado de Bolsa de Acções, no passado dia 9 de Junho, a BODIVA criou a possibilidade de qualquer cidadão, sem privilégios, sem discriminação e de forma democrática poder participar na estrutura accionista das empresas angolanas cotadas em bolsa – actualmente apenas o Banco Angolano de Investimentos (BAI) e o Banco Caixa Geral de Angola (BCGA).
A entrada em cena do Mercado de Bolsa de Acções ocorreu pouco depois da divulgação dos resultados das Ofertas Públicas de Venda (OPV) destas duas instituições bancárias, conforme previsto no prospecto. No total, 1535 investidores (842 no BAI e 693 no BCGA) responderam ao chamado e entraram ou aumentaram as suas posições na estrutura accionista destes bancos, em dois processos que marcaram já a história deste sector em Angola.
No caso específico do BAI, a OPV de Maio deste ano permitiu o encaixe de mais de 40 mil milhões de kwanzas, decorrente da venda de 1 milhão 945 mil acções ordinárias ao preço unitário de 20 mil 640 kwanzas. A corrida aos títulos deste que é o maior banco angolano foi feroz. A procura superou a oferta em mais de 158%. Dos 2 mil 852 investidores que mostraram interesse, apenas 842 foram contemplados.
Como consequência das OPV do BAI e do BCGA, o número das contas de custódia (conta de registo individualizado para o domicílio dos títulos) aumentou cerca de 120,18% em Outubro face ao período homólogo, segundo o relatório desse mês da BODIVA.
Este crescimento confirma uma tendência importante: os pequenos investidores angolanos terão um peso crescente nas empresas cotadas na bolsa de valores nacional. No fundo, estas pessoas cada vez mais começam a entender a dinâmica do mercado de capitais e que, em países com desafios de desenvolvimento como o nosso, com alta inflação, a diversificação da carteira de investimentos com a inclusão de activos de renda variável, como as acções, pode ser uma oportunidade por excelência para a rentabilização da poupança dos angolanos.
Apesar das boas perspectivas, há quem tenha reservas em arriscar. As participações residuais nas estruturas accionistas levantam dúvidas frequentes sobre que voz têm os pequenos investidores dentro das empresas em que apostam. Uma coisa é clara: Sem prejuízo do enquadramento a nível da Lei da Sociedades Comerciais, o direito ao voto em qualquer mercado é, regra geral, definido a nível dos estatutos da empresa cotada.
Mecanismos de protecção
Olhando para a legislação, em Angola existem vários mecanismos que protegem os investimentos em valores mobiliários, sem importar o volume. Segundo a lei, tanto investidores institucionais como não institucionais arrancam do mesmo ponto de partida na hora de negociar nos Mercados Regulamentados geridos pela BODIVA. Não existe, por isso, e a este nível, um tratamento preferencial aos grandes investidores. A Lei das Sociedades Comerciais, recordemos, também salvaguarda os direitos dos accionistas à informação, a participar e votar na Assembleia Geral da empresa e à participação nos lucros.
Por outro lado, o Código de Valores Mobiliários (Lei nº 22/15 de 31 de Agosto) estabelece um conjunto de deveres que os emitentes das ofertas públicas, os agentes de intermediação e a própria Sociedade Gestora dos Mercados Regulamentados devem cumprir, reforçando deste modo a protecção dos investidores. Neste contexto, os investidores podem ter os seus interesses salvaguardados através dos mecanismos que os protegem e que estão previstos no actual quadro regulatório, como a educação financeira, a Acção Popular, a Associação de Defesa dos Investidores, o mecanismo de Mediação de Conflitos e Fundos de Garantia.
Por último, é também importante realçar que, a nível do Mercado de Bolsa de Acções, a BODIVA não estipula limites mínimos ou máximos na aquisição de acções por investidor, algo que poderia pôr fora do jogo interessados com menor poder de compra. Nos termos da regulação actual, em termos de quantidade o limite é a unidade, isto é, um investidor pode, de acordo com as suas condições, comprar o número de acções que pretender e entrar, assim, na estrutura accionista de uma determinada empresa cotada em bolsa. Não obstante, a fixação de quantidades mínimas e máximas individuais para aquisição de acções numa oferta pública, sublinhamos, é definida pelo emitente, a quem também toca decidir se reserva um número de acções para os trabalhadores e velhos accionistas.
Relativamente ao preço das acções, este obedece sempre à lei da oferta e da procura, podendo subir ou descer de acordo com a dinâmica do mercado. À BODIVA cabe apenas a salvaguarda dos limites de variação de preço, de modo a que não existam negócios efectuados a nível dos Mercados Regulamentados com preços abusivos.
O trabalho para democratizar o mercado de acções no nosso país é longo, desafiador e deverá ser encarado com o devido comprometimento. Deste modo, urge a necessidade de criar mecanismos de simplificação ao acesso a este mercado e promover iniciativas de educação financeira de impacto que aumentem a literacia financeira da população. E que lhe permita, consciente dos riscos e oportunidades, optar por investir neste mercado para rentabilizar as poupanças de uma vida ou ambicionar chegar mais longe em termos de liberdade financeira.