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Opinião

David e Golias: o cenário pós-eleitoral e a necessidade de reflexão no seio do poder

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Por: Prof. & Escritor Moisés Kambundi
e Daniel Lara, Mestrando em Relações Internacionais

A capacidade de projeção do partido no poder, a dimensão da sua máquina partidária e suas estruturas mantêm-se superiores à dos restantes partidos. Essa capacidade precisa de traduzir-se em governação de proximidade, assertiva e eficaz.

A história de David e Golias, poderia servir de grande exemplo para o xadrez político que observamos hoje. Contudo, a tão propalada alternância, não se concretizando, permite ao partido hegemónico em Angola manter os dois pés bem firmes no chão.

Seguindo a narrativa bíblica do livro de Samuel, Golias era um homem forte e com grande estrutura física. No confronto histórico e bíblico, Golias foi confrontado por um homem humilde e de pequenas dimensões físicas. David, ungido por Samuel, enfrentou Golias, que por sua vez, desafiava Israel em alta voz para apresentarem um homem que lutasse com ele em combate individual, o resultado determinaria qual o exército que se tornaria servo do outro.

Não houve homem capaz, no exército israelita, de enfrentar Golias. O confronto que se seguiu, revelou que nem sempre o mais forte vence.
Apesar de os resultados saídos do pleito eleitoral, de 24 de Agosto, terem ditado a vitória do candidato João Lourenço, teremos que efetuar inúmeras reflexões ao nível político e estratégico.
Ao nível estratégico é inevitável trazermos a questão do apoio à decisão política, o trabalho de antecipação de cenários e da real aferição do estado do país.

Por norma este trabalho é feito por estruturas auxiliares do estado, os serviços de informações.
Importa referir que, o trabalho de inteligência a ser feito pelas instituições competentes deve ser conduzido e alinhado a uma grande estratégia que se quer para o país.

As informações estratégicas são produzidas não só em função do que se passa no país como, também, a partir do interesse para o decisor político, neste caso o Presidente da República, de determinados assuntos políticos, entre outros. São estratégicas na medida em que resultam de um processo proactivo e não reativo do Estado. Isto quer dizer que as informações estratégicas se situam na esfera do seu decisor.

Se trouxermos o cerne da questão, de quem compete no xadrez político para vencer, e que já está no trono, teremos obviamente que afirmar a necessidade de maior eficácia de decisão situacional. Essa eficácia é alcançada quando ao nível da estratégia se dá primazia ao interesse nacional.
Por outras palavras, a medição da pulsação no seio da sociedade tem sido feita no sentido inverso, não procurando perceber tendências, mas sim ofuscando o próprio campo de visão do titular do poder executivo. Este trabalho, que tem vindo a ser feito em jeito de informação e não de inteligência, leva-nos ainda hoje a tentar perceber que caminho se quer seguir.

Tal como Sun Tzu “se conhecemos o inimigo e se nos conhecemos a nós próprios, não precisamos temer o resultado de uma centena de combates. Se nos conhecemos a nós, mas não ao inimigo, para cada vitória sofreremos uma derrota. Se não nos conhecemos nem conhecemos o inimigo, sucumbiremos em todas as batalhas”.
Aqui, deve estar adjacente a ideia de que conhecimento é a base do poder. Esse conhecimento deve ser produzido e utilizado para que as estruturas do Estado sejam eficazes, exercendo o poder para a consecução dos objectivos nacionais conjunturais.
O reflexo do quase tombo de Golias, está nos contínuos erros de percurso, as fantasias e soberba dos números empolados em comícios, por exemplo.

A realidade paralela a que, muitas vezes o Presidente da República é transportado, merecem uma correção.
Curiosamente, Davi buscou cinco pedras para derrubar o gigante Golias. Sendo certo que no contexto político o MPLA celebra a sua quinta vitória, urge que se reúnam as tropas e se pense estratégia para colocar o país nos carris.

Ainda procurando realizar uma análise do pais, e do contexto eleitoral, ao nível estratégico, trazemos uma ideia que remete a vital importância da produção de informações. Tendo o partido no poder uma dimensão colossal, o trabalho de inteligência teria, em circunstâncias normais, uma tarefa menos ardilosa na manutenção da estabilidade. Consideramos que este trabalho será mais valorizado quando realizado com menos visibilidade.
Um serviço secreto jamais será desconhecido, mas desconhecido deverá ser o seu modus operandi. Os seus métodos deverão ser refletidos na grande produção de conhecimento, na previsão de futuras tendências económicas globais e regionais, assim como em tudo que seja conveniente para uma melhor decisão política, independentemente do sector.

A analogia de Golias e David, que remetemos, não de forma linear no seu desfecho, é trazida por reconhecermos de forma categórica a grandeza do Partido MPLA, e de como o seu adversário, a UNITA, bateu-se melhor em relação há outros tempos, tão bem que nestas eleições, obriga-nos a tirar várias ilações, porém, Golias não caiu.

Durante algum tempo, fomos alertando que ao nível político o modo como os dois partidos, com maior expressão, estavam a gerir o processo de pré-campanha e campanha eleitoral, enfatizando o facto de os dois contendores usarem todos os meios possíveis para o resultado desejado, cabendo no final a decisão do eleitorado. Contudo, os ataques excessivos contra a UNITA, criaram uma onda de solidariedade a seu favor, e ao seu líder, que ao invés de ser derrubado, simplesmente foi se capitalizando através disto, foi ganhando terreno e mais simpatia. Não foram os ataques, mas sim o tipo de ataque e a sua previsibilidade, onde antes de ocorrer Golias já premeditava como iria esmagar David.

Por alguma razão, e até perceptível, notamos alguma similitude com o bipartidarismo, ou seja, parecia que os outros concorrentes não estavam em jogo, fruto também de um grande ambiente de polarização que se vive no xadrez político angolano. O que vimos de forma indubitável foi MPLA e UNITA, João Lourenço e Adalberto Costa Júnior, Golias e David, que se bateram acerrimamente, dentro do jogo político, com farpas, insultos e provocações, com alguns discursos apetecíveis e outros fora do modelo político recomendável.

O enfoque deste paralelismo comparativo à história de Golias e David, referente ao que ocorreu as eleições, é que a nossa experiência enquanto analistas, fez-nos compreender que, a dimensão dos dois grupos, não é par e não leva a um certo equilíbrio, aliás, o que pudemos vislumbrar, foi a máquina MPLA contra ACJ, não contra a UNITA, mas contra o líder. Pressupõe dizer que, o MPLA usou toda a sua força contra uma única pessoa, por este motivo, denominamos ACJ o homem das 7 vidas, aguentou todo e qualquer ataque, de ambos os lados, até dentro do seu próprio partido. Isto tornou-o o político com mais visibilidade em Angola, com todos os holofotes sobre si, havendo um culpado nisso. Já JL, com tudo à sua disposição, teve um único problema, que no início eram suspeitas, mas, depois de vermos os resultados das eleições, chegamos à conclusão que estávamos certos. Mais do que boicote e traição contra si, alguém fez muito mal o trabalho de casa, em fase de campanha as equipes de marketing começaram a preparar tudo, até afinar os discursos, o que não vimos acontecer.

David não venceu este combate, mas Golias saiu deste processo com muitas lições a tirar, na verdade, pelo perfil do PR JL, só ele pode corrigir isto, há muita gente contra si, e pela grandeza do seu partido, é imperioso sancionar e reformar, porque estes resultados, onde David desferiu alguns golpes, abalando Golias, dando um resultado de 124 deputados contra 90, ou é porque Golias teve excesso de confiança ou David se preparou muito bem.

Uma grande dicotomia é que as pessoas não estão com a UNITA, estão com o líder, ACJ, construiu uma grande imagem e com muita ajuda do adversário, é a UNITA hoje agarrada à sua figura, por causa do contexto e, por outro lado, é o desagrado contra o MPLA, que por mais que faça algo extraordinário, não vai deixar a população satisfeita, por causa do tempo e do modelo de governabilidade.

Por isso, Golias quase caiu, o que dá uma sensação de vencer, mas sair derrotado, não pelos votos, mas pela posição social. A quase queda, para os melhores filósofos, para nós que fazemos análise de política científica é o momento em que já não se cai mais, porque a lição foi passada.